"Cada um tem seu interesse pessoal na próxima eleição. O candidato a deputado, o candidato a governador, o candidato a qualquer coisa. O que prevalece é o puro interesse pessoal. Não há nenhuma análise de interesse partidário e não há nenhuma análise de interesse do país."
Assim o ex-governador de São Paulo e vice-presidente nacional do PSDB Alberto Goldman analisou para a BBC Brasil a atual divisão do seu partido em torno do governo de Michel Temer. Para ele, são exceções aqueles que se guiam por princípios éticos (ao defender a saída do governo) ou na preocupação com a estabilidade do país (ao preferir a permanência).
Apesar de os tucanos contarem hoje com quatro ministros na administração peemedebista, a expectativa é que ao menos 20 dos seus 46 deputados votem a favor do andamento da denúncia contra o presidente por corrupção passiva, em sessão prevista para esta quarta-feira. O líder do partido da Câmara, deputado Ricardo Tripoli (SP), já deu declarações de que o número de votos contra Temer pode chegar a 30.
São necessários 342 votos do total de 513 deputados para que o STF fique autorizado a analisar a abertura de um processo penal - por enquanto, a previsão é que, mesmo com a "traição" de parte relevante da bancada tucana, Temer deve conseguir barrar o andamento da denúncia, evitando o risco de ser afastado para julgamento.
Entre os partidos da base, o PSDB deve ser o que dará mais votos contra o presidente. A professora de Ciências Políticas da USP Maria Hermínia Tavares resume o dilema do partido: "São dois cálculos eleitorais. De um lado, os que tendem a se afastar avaliam se vale a pena associar a sua imagem a um governo que está com prestígio quase abaixo de zero. Por outro lado, tem aqueles que entendem que, para ganhar eleição, é interessante se aliar ao PMDB. Então, se você brigar agora, como é que fica em 2018?", ressalta.
É justamente esse argumento que vem sendo usado por aliados de Temer para pressionar os tucanos. Como maior partido do país, o PMDB oferece grandes atrativos na disputa eleitoral, como mais tempo de propaganda na TV e um naco importante do fundo partidário.
"Os tucanos têm projeto de poder, têm belos quadros para Presidente da República. Nós (do PMDB) ainda não temos, temos dificuldade. E o PSDB não chega ao poder sem o PMDB. O PMDB elegeu o FHC, elegeu a Dilma e o Lula. Ninguém chega ao poder sem o PMDB", afirma o deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), hoje na linha de frente da defesa de Temer.
"Então, esses deputados (tucanos) indecisos precisam refletir. Primeiro pelo Brasil, porque se o PSDB se desligar dessa base do novo Brasil, o Brasil vai patinar, pode afundar e esses mesmos deputados poderão não se reeleger", reforçou.
Hoje os nomes tucanos que aparecem com mais força como prováveis candidatos ao Palácio do Planalto são Geraldo Alckmin, governador de São Paulo, e João Doria, prefeito paulista. Os dois vêm sendo apontados como importantes defensores da continuidade do apoio a Temer.
Já o senador Aécio Neves, presidente licenciado do PSDB desde que foi gravado pedindo R$ 2 milhões ao dono da JBS Joesley Batista, jantou com Temer no sábado e tenta nos bastidores virar votos tucanos para o governo.
Além da possibilidade de perder a aliança com o PMDB em 2018, a queda do presidente traria um risco a mais para o candidato presidencial tucano, nota o cientista político Rafael Cortez, da consultoria Tendência. O sucessor de Temer seria o atual presidente da Câmara, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), que poderia acabar se fortalecendo para tentar sua permanência no Planalto.
Já o próprio Temer é tão impopular hoje que não representa uma ameaça na próxima eleição presidencial.
Para Cortez, o risco para o PSDB seria Maia dar andamento às reformas econômicas do atual governo, mobilizando votos da direita liberal e do antipetismo.
"O governo do líder da Câmara poderia reforçar o acirramento eleitoral na centro-direita, iniciado com o impeachment da ex-presidente Dilma. A personificação do reformismo, imagem reservada aos tucanos até o governo Temer, migraria para os democratas, que poderiam construir uma candidatura presidencial com o discurso de antagonismo ao PT", observa Cortez.
Parlamentares tucanos ouvidos pela BBC Brasil negam que a eleição presidencial esteja influenciando os votos. O deputado Pedro Cunha Lima (PSDB-PB), no entanto, reconhece que a reeleição de cada congressista tende a entrar no cálculo.
"O deputado que quer se reeleger, que quer dar sequência na vida pública, ele pensa na sua eleição sempre, é até humano, você não pode esconder isso. (A votação da denúncia contra Temer) é um momento importante da legislatura, inclusive que marca uma posição, como foi (a votação sobre) o impeachment (de Dilma Rousseff), como foi na cassação do (ex-presidente da Câmara) Eduardo Cunha", afirmou.
Lima é um dos que vai votar a favor do andamento da denúncia contra Temer. O presidente é acusado pela Procuradoria-Geral da República de ser destinatário de propina negociada entre o dono da JBS Joesley Batista e o ex-assessor de Temer Rodrigo Rocha Loures, indicado pelo presidente como seu interlocutor para resolver questões da empresa junto a órgãos públicos, em conversa gravada pelo empresário.
Loures, por sua vez, foi gravado depois recebendo uma mala de R$ 500 mil, mas a defesa de Temer nega que o presidente tenha dado aval a esse pagamento ou fosse se beneficiar dele.
"A sociedade tem direito de saber se o Presidente da República cometeu ou não crime. Quem deve dizer isso é o Supremo Tribunal Federal. A gente não pode negar a investigação que vai poder aprofundar o caso e averiguar o que houve no momento em que o país está querendo que tudo seja passado a limpo", argumentou Cunha Lima.
Já o deputado Marcus Pestana (PSDB-MG) está entre os que votarão contra o andamento da denúncia e diz que esse grupo conta com ao menos 22 votos, contrariando os prognósticos do líder da bancada.
Segundo ele, trocar novamente o presidente do país, ainda mais para dar lugar a um governo provisório (Maia assumiria interinamente caso o STF viesse a abrir o processo), traria muita instabilidade ao país.
Ele argumenta que a denúncia do procurador-geral, Rodrigo Janot, tem fragilidades, já que não houve monitoramento do destino da mala de R$ 500 mil de modo a provar que ele iria para o presidente. Além disso, diz que Temer poderá ser investigado por essas acusações quando deixar o cargo.
"Não houve consumação (de ato de corrupção), aquele diálogo (gravado por Batista) não foi admirável, mas não foi pedido nada (de propina) e não foi oferecido nada", afirma.
Segundo Pestana, embora a bancada de deputados esteja dividida, dentro do PSDB há outros apoios importantes à continuidade do governo Temer.
"Nós temos metade da bancada de deputados, dois terços dos senadores, os governadores, e prefeitos como Arthur Virgílio (Manaus) e João Doria (São Paulo), entre outros, que defendem a posição de que, em nome do interesse nacional, é importante dar sustentação à estabilidade para que a gente continue trabalhando para tirar o Brasil do atoleiro econômico que o governo do PT meteu o país", diz.
O saldo final de votos contra ou a favor do andamento da denúncia pode ser mais um elemento importante na discussão sobre se o PSDB sai ou não do governo Temer. Tucanos ouvidos pela BBC Brasil, no entanto, indicam que a tendência é os quatro ministros continuarem no cargo: Aloysio Nunes (Relações Exteriores), Bruno Araújo (Cidades), Antonio Imbassahy (Secretaria de Governo) e Luislinda Valois (Direitos Humanos).
Eventuais indicados por deputados "traidores", porém, devem perder os cargos, defende Perondi.
"Eu não sei quantos cargos tem o PSDB (no governo federal), mas o deputado que ganhou um cargo no seu Estado, se não votar com o governo, ele não é governo, ele não acreditou no novo Brasil. Se ele não entregar o cargo, vai ser retirado", disse.