Em meio a uma crise em seus apenas cinco meses de governo, o presidente Jair Bolsonaro e aliados convocaram os brasileiros a ocuparem as ruas em defesa de sua administração neste domingo.
A convocação, que nasceu como tentativa de resposta às manifestações realizadas em cerca de 200 cidades no dia 15 contra os cortes no Orçamento da Educação, ganhou inicialmente um viés de enfrentamento contra os demais Poderes (Congresso e Supremo Tribunal Federal) e assumiu depois um caráter de defesa das agendas do governo, como a Reforma da Previdência e o pacote anticrime elaborado pelo ministro da Justiça, Sergio Moro.
Na tentativa de dar um ar mais espontâneo ao movimento, o presidente desistiu de comparecer aos atos. "Por tratar-se de uma manifestação livre e espontânea, [o presidente] não quer associá-la ao governo", disse à imprensa o porta-voz a Presidência, general Otávio Rêgo Barros, como justificativa. Em relação ao movimento deste fim de semana, o atual desafio do governo Bolsonaro é reunir apoio popular expressivo que possa fortalecê-lo nas negociações com o Congresso Nacional, onde não construiu uma base de apoio. A estratégia embute risco alto - se a mobilização for pequena, Bolsonaro ficará ainda mais fraco na segunda-feira.
Termômetro
Embora as pesquisas de opinião mostrem queda da popularidade de Bolsonaro, ele tem ainda uma "máquina" importante de mobilização nas redes sociais e grupos de WhatsApp, como ressalta a cientista política Rosemary Segurado, professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
"Acompanho alguns desses grupos e estou vendo uma convocação forte. É muito arriscado tanto dizer que vai ser um fracasso quanto que vai ser um êxito, mas certamente as manifestações serão um termômetro do apoio ao presidente, um recado sobre essa atuação", afirma.
"E dependendo de como for esse recado podemos ter algumas reconfigurações dentro do governo", pondera.
Entenda a seguir os possíveis impactos da mobilização para a administração Bolsonaro.
Cenário 1: manifestações lotam ruas do país
Nos últimos dois meses, pesquisas de diferentes institutos mostram uma queda na popularidade de Bolsonaro. A última delas, realizada pelo Ipespe (Instituto de Pesquisas Sociais, Polícias e Econômicas) sob encomenda da XP investimentos, mostrou avaliação negativa de 36% da população, ficando pela primeira vez numericamente à frente da avaliação positiva, que oscilou 1 ponto para baixo e atingiu 34%. Nesse cenário, um grande número de manifestantes na rua mostraria que, mesmo não tendo apoio da maioria da população, Bolsonaro detém uma base expressiva fiel e mobilizada em seu favor.
Pablo Ortellado, professor de gestão de políticas públicas na USP, lembra que a experiência prévia do bolsonarismo com convocação de manifestações - pouco antes do segundo turno das eleições, em 21 de outubro, em ato no qual Bolsonaro afirmou que "marginais vermelhos serão banidos da nossa pátria" - conseguiu atrair número expressivo de manifestantes.
Mas aquela manifestação contou também com a convocatória de outros grupos identificados com a direita, como o Movimento Brasil Livre e o Vem Pra Rua - que não estão participando dos atos deste domingo, pela avaliação de que ele pode ter um viés autoritário e a defesa de fechamento de instituições como o Congresso e o STF.
"Se a manifestação deste domingo for muito bem-sucedida, pode marcar uma mudança na liderança do antipetismo", opina Ortellado.
"O movimento bolsonarista ficaria com o antipetismo todo para si, sem precisar dividi-lo com esses outros movimentos (à direita). Seria um ganho de influência para seguir mais livremente sua estratégia, de governar polarizando e dependendo apenas de uma parcela menor, mas extremamente comprometida do eleitorado. Algo semelhante a o que Donald Trump faz nos EUA", afirma ainda.
Na avaliação do cientista político Rafael Cortez, da consultoria Tendências, uma mobilização expressiva pode conter a queda de popularidade de Bolsonaro e aumentar seu capital político na negociação com o Congresso. Apesar disso, não acredita que seria suficiente para solucionar a crise, já que permaneceria a tensão entre a posição de Bolsonaro de se contrapor ao "mainstream político" e a necessidade de apoio dos partidos no Parlamento.
"Mesmo com uma grande mobilização devem permanecer ainda problemas estruturais da administração Bolsonaro, que é fundamentalmente um choque entre a identidade do governo e as necessidades do presidente dentro desse modelo de presidencialismo de coalizão", ressalta.
"E dia 30 (próxima quinta) há novos protestos convocados contra o governo, o que deve manter a forte polarização."
Cenário 2: convocação fracassa e poucos saem às ruas
Manifestações minguadas seriam um recado claro de reprovação da forma como Bolsonaro tem conduzido o governo. Nesse sentido, ruas esvaziadas talvez forcem uma "moderação" ao estilo de Bolsonaro, opina Ortellado.
Para Rafael Cortez, esse cenário pode até ser positivo para a governabilidade se causar um "choque de pragmatismo no governo", enfraquecendo setores mais ideológicos da gestão, que pregam uma "cruzada contra o esquerdismo e a política tradicional".
"Um fracasso dos protestos pode ser um divisor águas para o Planalto entender a necessidade do pragmatismo. Pode mudar o balanço de poder no governo", destaca.
Cortez reconhece, porém, que há o risco de isso não ocorrer, já que Bolsonaro tem mantido o discurso radicalizado da eleição.
"O sucesso eleitoral do presidente não veio por um movimento de moderação. O que o elegeu foi justamente estar distante do centro por conta de uma demanda de ruptura da população, seja com a política tradicional seja com a esquerda. A própria maneira como a convocação dos protestos foi feita é um indicativo da falta de tato para buscar a moderação no governo", analisa.
Já Rosemary Segurado acredita que nem mesmo um fracasso das manifestações será capaz de moderar Bolsonaro. Segundo ela, esse cenário levará à mais instabilidade e dificuldade para aprovar reformas, aumentando a pressão de empresários e investidores sobre o governo.
Cenário 3: manifestação não 'bombam', nem fracassam totalmente
Outro cenário possível é que sejam atos de dimensão intermediária. "Daí, vai depender de quem preferir ver o copo mais cheio ou mais vazio. Bolsonaro certamente vai tender a ler que 'estamos ganhando'. Será necessário analisar, também, onde os protestos estarão, uma vez que o bolsonarismo é muito entranhado no interior do país."
Nesse cenário, se os protestos não forem grandes nas grandes cidades (São Paulo, Rio e Brasília) mas tiverem capilaridade - ou seja, acontecerem em múltiplos locais do interior -, "vão ser lidos como um sinal de força, na mesma configuração da greve dos caminhoneiros (de maio de 2018, cujas ações mais expressivas ocorreram fora dos grandes centros urbanos)".
Para Segurado, o mais provável é que as manifestações tenham tamanho mediano, mas isso deve ser insuficiente para fortalecer o presidente. "A situação é muito delicada. Então, a mobilização tem que ser muito expressiva para convencer os deputados a apoiar o governo. Se for mais ou menos, não é bom para o governo, pode ser um revés", afirma a professora.
Cortez também considera que esse cenário seria negativo, mantendo o impasse na relação entre governo e Congresso. "Se a manifestação for um sucesso ou um fracasso, teremos um fato novo que pode interferir na governabilidade. Manifestações medianas deixam a situação na mesma", acredita.
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