Quem é José Múcio, o 'outsider' escolhido por Lula para ministro da Defesa

Político experiente e com bom trânsito entre militares precisará reafirmar o controle civil sobre as Forças Armadas, dialogar para desmilitarizar o governo e recuperar a influência regional do Brasil

9 dez 2022 - 11h37
(atualizado às 11h43)
José Múcio será 1º civil à frente da Defesa em quase 5 anos
José Múcio será 1º civil à frente da Defesa em quase 5 anos
Foto: ABR / BBC News Brasil

José Múcio Monteiro Filho (PTB) será o ministro da Defesa do terceiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Será o primeiro civil a ocupar o cargo em quase cinco anos.

A escolha já vinha sendo anunciada pela imprensa e foi confirmada por Lula na sexta-feira (9/12).

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O presidente-eleito também anunciou os titulares da Fazenda (Fernando Haddad, PT), da Justiça (Flávio Dino, PSB), da Casa Civil (Rui Costa, PT) e das Relações Exteriores (o diplomata Mauro Vieira).

Múcio pode ser considerado um outsider da Defesa, porque não fez carreira na área.

É um político experiente - foi deputado e, inclusive, ministro de Lula - e dialoga com civis e militares, conservadores e progressistas. Ele diz que se dedicou a "construir pontes".

Ele assume o cargo em um momento em que Lula terá desafios na Defesa no Brasil e no exterior.

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Quem é José Múcio?

Múcio já foi ministro de Lula
Foto: ABR / BBC News Brasil

Múcio é formado em Engenharia Civil e hoje trabalha como consultor, mas ele fez antes uma longa carreira na política.

Começou em 1975, como vice-prefeito de Rio Formoso (PE) e, depois, foi prefeito. Trabalhou como secretário no governo pernambucano e na Prefeitura de Recife.

Em 1991, elegeu-se deputado federal por Pernambuco e ficou no Congresso por cinco mandatos seguidos.

Antes de se filiar ao PTB, em 2003, passou pelo PSDB, o PFL (hoje, União Brasil), o antigo PDS e o Arena, partido ligado ao regime militar.

Deixou a Câmara em 2007 para ser ministro-chefe da Secretaria de Relações Institucionais de Lula e, em 2009, foi indicado pelo petista para o Tribunal de Contas da União.

Ele presidiu o tribunal nos dois últimos anos antes de se aposentar, em dezembro de 2020.

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"Busquei, incessantemente, ao longo desses anos e durante toda minha vida, construir pontes, pois considero que as melhores soluções são resultantes da soma dos diversos pontos de vista", discursou Múcio ao deixar o TCU.

Múcio abriu uma consultoria de gestão empresarial e faz "engenharia política" para seus clientes.

"Eu uso meu network de 40, 50 anos de política e abro portas, marco para a pessoa ser recebida", disse Múcio ao jornal O Estado de S. Paulo.

A escolha

Agora, aos 74 anos, Múcio voltará à vida pública, novamente como ministro de Lula.

O anúncio do futuro ministério seria feito só depois da diplomação do presidente-eleito, em 12 de dezembro.

Mas Lula foi cobrado para que divulgasse logo quem estará no governo e adiantou indicações consideradas certas - a de Múcio foi uma delas.

O anúncio ocorre diante da possibilidade, noticiada pela imprensa e não confirmada pelas Forças Armadas, de que a transmissão dos três comandos militares seja antecipada para antes da posse.

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Lula sempre teve civis à frente da Defesa
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Lula terá com Múcio mais uma vez um civil à frente da Defesa, como em seus outros governos. Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL) colocaram militares no cargo.

Múcio é considerado alguém com bom trânsito nas Forças Armadas.

O vice-presidente, o general Hamilton Mourão (Republicanos), disse ter "muito apreço" por ele em entrevistas recentes e afirmou que seu nome tem "boa aceitação" entre os militares.

O comandante da Força Aérea Brasileira (FAB), o brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior, disse que Múcio é uma "pessoa inteligente e ponderada, com quem tivemos ótimas relações em suas funções passadas".

Bolsonaro também já rasgou elogios a ele. "Eu sou apaixonado por você, José Múcio", disse o presidente na cerimônia de despedida do ministro do TCU e abriu as portas do governo. "Se a saudade lhe bater, venha para cá."

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O que significa?

Mariana Kalil, professora da Escola Superior de Guerra do Ministério da Defesa, avalia que a indicação de Múcio frustrou expectativas de que a pasta ficaria com alguém da área.

"É uma surpresa porque, diferentemente da época de governos anteriores, como os de Fernando Henrique Cardoso e Lula, o Brasil tem hoje grandes especialistas civis que também têm trânsito entre militares e as diferentes pontas do espectro político que poderiam exercer o cargo", diz Kalil.

A lógica política prevaleceu, afirma a pesquisadora, ao Lula entender que precisaria de alguém com as características de Múcio para o cargo.

"Lula é um conciliador e faz todo sentido, por ser alguém que vai ter o papel de estabelecer com destreza um diálogo com setores que Lula percebe que podem ser resistência ao governo. Ele está pensando em sua sobrevivência política."

Adriana Marques, professora do curso de Defesa e Gestão Estratégica Internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), critica o fato da equipe de transição não ter anunciado até agora um grupo temático da área.

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"Parece que o Ministério da Defesa está sendo tratado de uma forma diferente. Que a política de defesa não é uma política pública e não merece uma discussão mais ampla da sociedade. A coisa começa torta", afirma.

A professora diz ser mais importante discutir a política que Múcio irá implantar.

"Há uma ideia equivocada que se sustenta há décadas de que o ministro da Defesa é o representante das Forças Armadas no governo, mas não é", afirma Marques.

"Por exemplo, os documentos da Defesa produzidos nos últimos anos foram feitos sem participação e diálogo da sociedade civil. Ser ministro não é só chegar lá e implementar o que dizem os militares."

O ministro é o responsável do governo pela execução da política de Defesa, reforça a pesquisadora.

"Se continuar com essa visão de que o ministro está lá para atender as demandas dos militares, tanto faz ser civil ou militar, nada vai avançar."

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Os desafios de Múcio

Lula disse que desmilitarizará o governo federal
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

À frente da Defesa, Múcio terá que reafirmar o controle civil sobre as Forças Armadas, diz Kalil.

"É um desafio, porque o ministério foi tradicionalmente povoado por militares da reserva e da ativa e foi chefiado por militares. Ele terá que reestabelecer que a política de Defesa do Brasil virá dos civis do governo, como é feito em uma democracia", afirma.

No governo Bolsonaro, houve uma "sobreposição" entre civis e militares, diz Kalil: "Tudo ficou tudo mais confuso".

Lula também precisará de um bom diálogo com as Forças Armadas se for cumprir a promessa de desmilitarizar o governo, após oficiais assumirem ministérios e milhares de cargos com Bolsonaro.

O novo ministro deve ainda rediscutir o papel das Forças Armadas em atividades que não são militares, diz Marques. Ela dá como exemplos o apoio a atletas de alto rendimento, o programa de desenvolvimento econômico e social Calha Norte e as escolas cívico-militares.

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"O Ministério da Defesa precisa cuidar de questões de Defesa e dar apoio à política externa, para aperfeiçoar sua articulação, um processo que foi iniciado pelo Nelson Jobim (no governo Lula) e que o Celso Amorim deu continuidade, mas depois se rompeu", afirma Marques.

Múcio precisará reconstruir a liderança regional do Brasil após uma "retração" do país sob Bolsonaro, , avalia Kalil, e do crescimento da influência de Rússia, China e Estados Unidos na América do Sul.

A pesquisadora cita como exemplo desta retração a saída do Brasil da União das Nações Sul-Americanas (Unasul) em 2019.

"Quando o Brasil se retira de campo, deixa um vazio e abre espaço para que potências extrarregionais estabeleçam dinâmicas próprias em âmbito militar e de defesa, e isso dificulta que o país se movimente como o grande ofertante de soluções na região", afirma.

Mas ela diz que enxerga um cenário internacional favorável para Múcio e Lula porque, para os Estados Unidos, um Brasil mais influente pode ser um contraponto a Rússia e China.

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Também há, neste momento, governos de esquerda à frente de vários países da região.

"Quando governos assim estiveram juntos no poder, eles convergiram em política externa e criaram instituições regionais. É um momento oportuno para retomar relações mais próximas."

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