Ramagem comandou investigação que deu origem a Furna da Onça

Delegado, preferido de Jair Bolsonaro para dirigir a PF, esteve à frente da Operação Cadeia Velha, que deu origem a Furna da Onça

18 mai 2020 - 20h10
(atualizado às 20h21)
Diretor da Abin, Alexandre Ramagem
11/07/2019
REUTERS/Adriano Machado
Diretor da Abin, Alexandre Ramagem 11/07/2019 REUTERS/Adriano Machado
Foto: Reuters

RIO - Origem da Operação Furna da Onça, cujo teor e deflagração teriam sido vazados para o hoje senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) na campanha de 2018, a Operação Cadeia Velha foi comandada pelo delegado Alexandre Ramagem, preferido do presidente Jair Bolsonaro para comandar a Polícia Federal. O policial - cuja nomeação foi suspensa pelo Supremo Tribunal Federal - é personagem da crise que resultou na demissão de Sérgio Moro do Ministério da Justiça e de Maurício Valeixo da chefia da PF.

Na Cadeia Velha, foi produzido o relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) que apontou movimentações suspeitas de Fabrício Queiroz, assessor de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio. Até agora, porém, nada liga Ramagem, diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), ao vazamento ou a outra ilegalidade na ação dos policiais federais no Rio.

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Em novembro de 2017, a Cadeia Velha investigou a concessão ilegal de benefícios fiscais a empresas mediante vantagens indevidas. A Furna da Onça, em novembro de 2018, apurou o pagamento de propinas a deputados estaduais. Ambas tiveram como epicentro a Alerj, e seus desdobramentos chegaram a assessores de mais de 20 parlamentares. Segundo o Coaf, eles movimentariam em contas bancárias quantias muito superiores a seus vencimentos.

Isso levantou a suspeita de rachadinha - repasse de parte do salário do comissionado ao parlamentar que o contratou. Um dos ocupantes desses cargos era Queiroz, que, em um ano, movimentou R$ 1,2 milhão. O assessor recebeu depósitos de colegas de gabinete, muitas vezes em datas perto do dia de pagamento. A investigação dessas suspeitas ficou com o Ministério Público Estadual e envolveu Flávio. Ele não fora alvo das duas operações que devassaram a Casa e levaram à prisão seus ex-presidentes Jorge Picciani e Paulo Melo (MDB).

Entre as duas ações da PF, Ramagem se tornou próximo dos Bolsonaros. Foi designado para cuidar da segurança do então presidenciável após o atentado à faca em Juiz de Fora, em 6 de setembro de 2018. Teve ascensão rápida no novo governo. Chegou a ser nomeado superintendente da PF no Ceará, em fevereiro de 2019, mas foi deslocado para um cargo de assessor especial do então ministro da Secretaria de Governo, general Santos Cruz. Em julho, foi para a Abin. Recentemente, Bolsonaro quis nomeá-lo diretor-geral da PF. O presidente queria ter, segundo Moro, alguém com quem pudesse "interagir" e que lhe fornecesse relatórios de inteligência. A suposta interferência do presidente na PF é investigada no STF, pelo decano da Corte, Celso de Mello.

De acordo com entrevista ao jornal Folha de S.Paulo do empresário e suplente de senador Paulo Marinho, que participou da campanha de Bolsonaro, Flávio lhe contou que, uma semana após o primeiro turno, o coronel Miguel Braga, atual chefe de gabinete do senador, o procurou. O militar disse que um delegado da PF pedia um encontro, para tratar de assunto do interesse do parlamentar. Braga afirmou ter respondido que o senador eleito estava ocupado, mas relatou ao filho 01 do presidente o que ocorria. Recebeu ordem para encontrar o policial. Reuniram-se, segundo Marinho, na porta da superintendência da PF no Rio, na Praça Mauá. O policial disse que a Furna da Onça iria "acontecer" na Alerj e atingiria Queiroz e a filha dele, Nathalia.

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Ambos foram exonerados antes da ação que, segundo o delegado, seria postergada até depois da votação, para não atrapalhar o resultado.

O desembargador Abel Gomes, relator da Operação Furna da Onça no Tribunal Regional Federal da 2.ª Região, divulgou nota oficial afirmando que a ação que mirou esquema de desvio de salários na Alerj "não foi adiada, mas, sim, deflagrada no momento que se concluiu mais oportuno, conforme entendimento conjunto entre o Ministério Público Federal, a Polícia Federal e o Judiciário". Segundo o magistrado, as autoridades entenderam que realizar a operação após o segundo turno das eleições 2018 "seria o correto e consentâneo" com a lei - decisão que caracterizou como uma "precaução lídima e lógica".

Marinho disse que tem "elementos que comprovam" seu relato. "Tenho provas, tenho elementos que comprovam o relato que eu fiz. Já adianto que tudo que eu falei vou repetir durante depoimento à PF, rigorosamente igual", disse o empresário ao site G1. Flávio é investigado pelo Ministério Público do Rio por peculato (desvio de dinheiro público por servidor), lavagem de dinheiro e organização criminosa. Mais de 90 pessoas também estão sob investigação.

O senador reagiu às afirmações de Marinho. Em nota, atacou o ex-aliado. "O desespero de Paulo Marinho causa um pouco de pena. Preferiu virar as costas a quem lhe estendeu a mão. Trocou a família Bolsonaro por (João) Doria e (Wilson) Witzel, parece ter sido tomado pela ambição. É fácil entender esse tipo de ataque ao lembrar que ele, Paulo Marinho, tem interesse em me prejudicar, já que seria meu substituto no Senado. Ele sabe que jamais teria condições de ganhar nas urnas e tenta no tapetão", afirmou.

O parlamentar nega todas as acusações. Já tentou parar as apurações na Justiça pelo menos nove vezes. Após alguns sucessos iniciais, as investigações foram retomadas. Queiroz também sempre negou ter cometido irregularidades, embora tenha mudado de versão. Já disse que ganhava dinheiro vendendo carros e depois admitiu que recolhia dinheiro dos colegas, mas para ampliar a assessoria de Flávio, que não saberia da prática. Também Marinho disse que o parlamentar teria dito que Queiroz quebrara sua confiança. O presidente Bolsonaro sempre negou irregularidades e já disse ser o verdadeiro alvo dos que atacam Flávio que, acusou, teve seu sigilo bancário quebrado ilegalmente.

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O Estadão tentou contato com Alexandre Ramagem, sem sucesso.

A entrevista de Marinho teve outras consequências. O Ministério Público Federal (MPF) deverá requerer que a Polícia Federal desarquive inquérito que já tramitou, para apurar indícios de vazamentos na Furna da Onça. Alguns presos não demonstraram surpresa com a chegada da PF - um deles estava com o diploma de curso superior, que lhe garantiria prisão especial. E o próprio Marinho, a seu pedido, passou a contar com proteção policial em torno de sua casa, a partir desta segunda, 18. Sofreu ameaças e pediu ajuda ao governo fluminense.

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