Relator avalia incluir no 'PL das Fake News' exigência de identificação de usuários nas redes

Especialistas em direito digital apontam problemas na exigência de identificação dos usuários para a criação de perfis na internet

21 jun 2023 - 19h01
(atualizado às 19h47)
O relator do PL das Fake News, deputado Orlando Silva
O relator do PL das Fake News, deputado Orlando Silva
Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

O deputado Orlando Silva (PC do B-SP), relator do PL 2.630/2020, estuda incluir a exigência de que os usuários sejam identificados ao criarem contas em plataformas. Em entrevista ao Aos Fatos, o parlamentar afirmou que a obrigatoriedade "é uma demanda geral" e que está avaliando o tema para o novo parecer que irá apresentar.

"O caminho que me parece lógico para identificação do titular de contas em redes sociais é o traçado por bancos digitais", disse o relator.

Bancos que não têm agências físicas, como Nubank, Inter e C6, costumam exigir selfies para abertura de contas e outros serviços, além de fotografias de documentos, como o CPF. O deputado, no entanto, afirmou que os critérios adotados pelas redes poderiam ser diferentes, porque "a inovação é marca nesse campo".

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Questionado se pretende apresentar novo parecer na próxima semana, Silva disse apenas que "o texto estará pronto". A votação já foi marcada e adiada porque o governo não tinha segurança de que teria os votos necessários para aprovar o texto final, cuja negociação segue em andamento entre os parlamentares.

A obrigatoriedade de identificação dos usuários das plataformas foi defendida na terça-feira (20) pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes.

"Se você é um miliciano digital e tem coragem de ofender as pessoas, que tenha a coragem de se identificar. A Constituição veda o anonimato. No Twitter, por exemplo, não é possível que cada Twitter tenha um CPF, tenha a pessoa responsável?", disse o ministro, em evento sobre inovação no Judiciário promovido pelo tribunal.

A medida também consta em um projeto alternativo ao relatório de Orlando Silva, apresentado pelo presidente da Frente Parlamentar Mista da Economia e Cidadania Digital, deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG). A Frente Digital é assessorada pelo Instituto Cidadania Digital, que é patrocinado indiretamente pelas big techs.

Especialistas em direito digital ouvidos pelo Aos Fatos apontam problemas na exigência de identificação dos usuários para a criação de perfis na internet, tema que já havia sido discutido na época da votação do Marco Civil da Internet (lei nº 12.965/2014), mas acabou descartado.

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"É uma medida muito ruim. Quantas pessoas têm acesso a documentos no Brasil hoje?", critica Yasmin Curzi, professora e pesquisadora do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV (Fundação Getulio Vargas). A pesquisadora lembra que, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2021, quase 3 milhões de brasileiros não tinham sequer certidão de nascimento no país. "A negativa de um direito por desigualdade estrutural estaria gerando a negativa de outro direito, que é a comunicação."

João Victor Archegas, pesquisador sênior do ITS Rio (Instituto de Tecnologia e Sociedade), defende que mecanismos de identificação são importantes, mas ressalta que eles já são previstos no Marco Civil.

A norma determina que as plataformas devem guardar por seis meses os endereços de IP — código que identifica um dispositivo conectado a uma rede — e o horário de acesso. Embora existam ferramentas que permitem camuflar o IP usado para acessar uma conta, fraudes similares também poderiam afetar a confiabilidade da identificação dos usuários. Por exemplo, com o uso de documentos falsos ou a criação de perfis a partir de um país que permita o anonimato, por meio de uma conexão por VPN, rede privada capaz de ocultar a origem verdadeira do IP.

"Quantas pessoas de fato camuflam seu IP? Quantas vezes foi impossível identificar uma pessoa com os mecanismos já previstos no Marco Civil? O CPF também não pode ser informado de forma fraudulenta pelo usuário?", questiona Archegas, considerando necessário ponderar se os supostos benefícios da identificação compensariam seus danos.

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Outro ponto polêmico da proposta diz respeito à proteção de dados dos usuários. Para Archegas, exigir por lei que o cidadão compartilhe dados pessoais potencialmente sensíveis com as plataformas, "que já sabem tudo sobre nós", vai contra a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), que tem entre seus pilares a minimização da coleta de informações pessoais.

Os impactos da medida sobre proteção à liberdade de expressão também preocupam os especialistas. A proposta de exigir identificação busca evitar que o discurso de ódio e crimes se propaguem impunemente pela internet. Entretanto, o anonimato é considerado ferramenta importante para a liberdade de expressão, sobretudo em contextos em que mostrar o rosto pode significar perseguição.

No Brasil, por exemplo, o perfil O Fiscal do Ibama, gerido por um grupo de servidores do órgão, se valeu do anonimato para fazer denúncias no Twitter sobre o desmonte socioambiental durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Em entrevista à revista piauí, os responsáveis pela conta disseram que o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles (PL-SP), teria chegado a oferecer cargo comissionado para quem denunciasse os autores da página.

Em casos como esses, a vulnerabilidade dos servidores em relação a autoridades estatais poderia torná-los alvos de intimidação e assédio judicial caso fossem identificados, desestimulando o surgimento de denúncias. Por isso, para João Archegas, "a identificação pode ter um efeito resfriador no debate público".

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A TRAMITAÇÃO DO PL

Havia uma expectativa de que o "PL das Fake News" fosse colocado para votação na Câmara dos Deputados em junho, após sua tramitação de urgência ter sido aprovada pela Casa em 25 de abril. Entretanto, a retomada das discussões segue incerta, já que o governo tem encontrado dificuldades para reunir votos suficientes para sua aprovação.

O texto perdeu apoio na Câmara, sobretudo entre membros da bancada evangélica, após uma intensa campanha das big techs e por conta da falta de um acordo entre os parlamentares sobre qual órgão deveria ser o responsável por fiscalizar o cumprimento da lei.

Lideranças também chegaram a propor que o projeto fosse dividido, para que os artigos que preveem o pagamento de direitos autorais para artistas e a remuneração do jornalismo pelas plataformas digitais fossem votados separadamente, em outro PL. Até o momento, porém, também não houve acordo sobre o fatiamento.

Referências:

1. Aos Fatos (1, 2 3, 4 e 5)

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2. Folha de S.Paulo (1 e 2)

3. YouTube

4. Planalto

5. El País Brasil

6. Twitter

7. piauí

8. Câmara dos Deputados

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