"Se minhas pernas pudessem caminhar 100 dias seguidos, voltaria ao Haiti"

25 abr 2014 - 06h11

Vincent tem pouco mais de 30 anos, mas suas mãos e seus olhos lembram os de um velho que, após percorrer meio continente americano para chegar ao Brasil procurando um futuro melhor, não encontrou o que buscava: "se minhas pernas pudessem caminhar 100 dias seguidos, hoje eu voltaria ao Haiti", diz à Agência Efe.

É o mesmo testemunho das centenas de imigrantes haitianos que chegaram a São Paulo nas últimas semanas após atravessar a fronteira com o Peru e a Bolívia, onde antes, os esperando, havia um albergue que foi fechado este mês e no qual recebiam cama, alimentação e documentos.

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O que significava o fim do pesadelo se transforma novamente em desespero e incerteza para os haitianos que chegam a São Paulo.

"Quando chegamos ao Brasil, não tivemos nenhum problema com a polícia. Aqui nos deram documentos e, assim, deixamos de ser ilegais", conta outro haitiano que, como a maioria, prefere ficar no anonimato, e que durante os primeiros dias na capital paulista se refugia em uma Igreja Católica.

A Pastoral do Imigrante acolheu mais de 500 haitianos nos últimos dias.

Desde 2012, o governo brasileiro expede um "visto especial humanitário" com validade até 2015 para a população haitiana que quiser vir para o país. A medida previa um limite de 1.200 por ano, mas em abril de 2013 esse teto foi eliminado.

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A política com o país caribenho provocou uma onda de imigração marcado pela presença de "coiotes" no caminho, extorsão policial no Peru e que derivou em uma tensa situação entre os executivos envolvidos na situação: o governo brasileiro, o governo do estado do Acre e a efeitura de São Paulo.

Nesse emaranhado institucional no qual ninguém assume culpas, não há maior prejudicado que o haitiano, que depois de percorrer milhares de quilômetros (só aéreos já são quase 5.500), se sente enganado pelas políticas brasileiras para imigrantes.

"Viemos porque nos sentimos convidados, pensávamos que teríamos trabalho, que é a única coisa que queremos", insiste Vincent, que pede aos governos haitiano e brasileiro que informem sobre a situação aos compatriotas que quiserem fazer a mesma viagem: "não acreditariam em mim: só eles podem dissuadi-los", opina.

Até 10 de abril, um albergue da pequena cidade de Brasileia (AC) recebia os imigrantes que há pouco mais de três anos têm o Brasil como o fim da rota já estabelecida que começa em Porto Príncipe, vai de Santo Domingo ao Panamá ou ao Equador de avião e atravessa o Peru por terra, até chegar.

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O governo do Acre defende, no entanto, que uma cheia do rio Madeira acabou com a viabilidade do refúgio, que chegou a receber 2.500 pessoas quando sua capacidade máxima era de apenas 200 e que acabou sendo fechado e substituído por um "provisório" em Rio Branco.

"Só queremos trabalhar - repetem várias vezes os haitianos que falaram com a Efe na Pastoral do Migrante - mas chegamos aqui e temos que esperar dois meses para uma permissão, quando já não temos dinheiro nem para comer".

Com um pouco de sorte, empresas de limpeza - para elas - e construtoras - para eles - procurarão a Pastoral em busca de mão de obra.

Muitos vão parar nas obras da Copa do Mundo, na qual o Haiti não joga, mas as mãos dos haitianos constroem os estádios em jornadas trabalhistas cheias de horas extras, de segunda a segunda.

"Eles querem ganhar dinheiro e as construtoras precisam chegar a tempo para o Mundial - que começa em 12 de junho em São Paulo - lhes oferecem horas extras e trabalham de sol a sol", se resigna no Pastoral o padre Paolo Parise, enquanto distribui cobertores aos haitianos que continuam chegando à igreja.

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Atraídos pela suposta prosperidade brasileira, centenas de haitianos chegam ao país fugindo da pobreza e da devastação que até hoje assola o país - "o terremoto de 2010 deixou tudo no chão, não há um só prédio de pé", diz Vincent.

Grande parte dos haitianos aplaude a gestão do atual presidente, Jean-Bertrand Aristide, porque "ele, sim, se preocupa com os pobres", diz o imigrante, assim como o começo de reconstrução da ilha onde "já não há mortos de fome" e à qual voltarão se sua odisseia brasileira também não os permitir alimentar suas famílias que continuam no Haiti.

  
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