Se Temer quiser ser candidato, pode ser considerado inelegível pela lei da Ficha Limpa?

Condenado por doação ilegal de campanha, presidente se enquadra entre os casos previstos pela legislação em que é vetada uma nova candidatura por oito anos, mas terá a chance de se defender, caso queira concorrer novamente a um cargo público.

23 fev 2018 - 16h42
(atualizado às 16h52)
Temer já negou suas ambições eleitorais, mas seus aliados em Brasília apontam na direação contrária
Temer já negou suas ambições eleitorais, mas seus aliados em Brasília apontam na direação contrária
Foto: AFP / BBC News Brasil

Nos últimos dias, voltaram a circular rumores de que o presidente Michel Temer (MDB-SP) estaria cogitando disputar a reeleição. Isso vem na esteira da inversão de prioridades do governo federal - que suspendeu a tramitação da Reforma da Previdência e concentrou esforços em implementar uma intervenção federal na área de segurança pública do Rio de Janeiro.

Para analistas políticos, a nova agenda poderia ser uma tentantiva de Temer de reverter sua baixa popularidade - apenas 6% dos brasileiros consideram seu governo bom ou ótimo, segundo levantamento do Datafolha de janeiro. Em declarações ao jornal O Globo no começo da semana, o marqueteiro Elsinho Mouco, responsável pela propaganda presidencial, se adiantou: "Ele já é candidato". Foi desmentido nesta sexta-feira pelo próprio Temer, que disse à Rádio Bandeirantes: "Não sou candidato. Não serei candidato".

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Se tem ou não pretensões eleitorais, a política dirá nos próximos meses. Mas, juridicamente, se quiser se lançar, Temer poderia ser candidato?

Uma condenação eleitoral por doações ilegais na campanha de 2014 pode enquadrá-lo na lei da Ficha Limpa e impedir seu registro no pleito de 2018.

Mas restou uma dúvida quanto à situação de Temer, porque, como destacou sua assessoria à época da condenação, ainda que ele tenha reconhecido um "erro de cálculo" nas doações realizadas, "em nenhum momento foi declarada pelo TRE sua inelegibilidade".

Afinal, Temer está ou não inelegível?

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A condenação

O presidente foi condenado em primeira instância em novembro de 2015 por ter doado R$ 16 mil além do limite legal para dois candidatos a deputado federal do seu partido, o MDB, no Rio Grande do Sul. O valor total doado (R$ 100 mil) representou 11,9% dos rendimentos de Temer em 2013, ultrapassando o teto de 10% da renda estabelecido em lei. Como punição, Temer deveria pagar uma multa de R$ 80 mil.

O Ministério Público Eleitoral recorreu ao TRE-SP para pedir um aumento no valor da multa. O tribunal negou o pedido, mas, ao fazer isso, confirmou a condenação. A decisão unânime ocorreu em maio de 2016, pouco antes de ele assumir a Presidência, após o impeachment de Dilma Rousseff.

Já então se discutia se o presidente poderia buscar a reeleição. A lei da Ficha Limpa determina a inelegibilidade de pessoas com condenações por órgão colegiado, como é o caso de Temer. No entanto, a condenação contra o presidente não faz menção à inelegibilidade. A palavra final dependerá da Justiça Eleitoral e só será dada se Temer efetivamente registrar sua candidatura.

A declaração de inelegibilidade

O valor da multa já foi pago, e o caso, arquivado. O fato de ele ter quitado a dívida não exclui a possibilidade de que Temer se torne inelegível.

O Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo enviou à 2ª Zona Eleitoral de São Paulo, onde o presidente está cadastrado, um comunicado para que fosse incluída em sua ficha essa condenação em segunda instância.

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À BBC Brasil, o TRE-SP esclareceu que esse comunicado é um "trâmite" comum da Justiça Eleitoral e funciona como um lembrete, caso ele se candidate a um cargo público no futuro, sobre uma condenação que pode impedi-lo de concorrer.

"Mas a Justiça Eleitoral não pode decretar sua inelegibilidade agora", disse a assessoria do tribunal. "Isso caberá ao juiz responsável por avaliar o pedido do registro de sua candidatura", caso ela ocorra.

Se Temer pedir esse registro, poderá ser informado de que há um possível impeditivo e terá um prazo para se defender. O caso será julgado pelo colegiado do TSE se ele for candidato à Presidência ou por um juiz do TRE-SP se quiser concorrer a outros cargos.

Nessa situação, afirma o especialista em direito eleitoral Alberto Rollo, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, será avaliado se o excesso verificado na doação, de R$ 16 mil, gerou um desequilíbrio na eleição de 2014.

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"De 2016 para cá, vários acórdãos do TSE apontam que a inelegibilidade não é aplicável se o valor em questão não foi um fator decisivo para a pessoa que o recebeu ganhar a disputa", diz.

O caso de Temer provavelmente se encaixaria na avaliação de que o valor excedido nas duas doações aos candidatos Moreira e Perondi seria irrisório diante do tamanho das duas campanhas.

Moreira elegeu-se deputado federal pelo Rio Grande do Sul, cargo que ocupa desde 2011, como o terceiro mais votado, com 152.421 votos. Ele declarou ao TSE receitas e despesas na última campanha de R$ 1.702.273,69.

Já Perondi ficou em 20º, com 109.864, e conquistou seu quarto mandato consecutivo na Câmara. De acordo com o TSE, sua campanha de 2014 teve receitas e despesas de R$ 1.792.298,00.

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Indicado pelo Planalto para comentar o assunto em seu nome, o advogado Gustavo Guedes defende que o presidente não pode ser considerado inelegível.

"Não há inelegibilidade, haja vista o valor verificado em excesso não significar abuso de poder econômico, razão pela qual, houvesse impugnação de registro, certamente seria julgada improcedente conforme jurisprudência unânime do TSE", diz Guedes, que foi o responsável pela defesa do presidente no TSE em ação que pedia a cassação de sua chapa com Dilma em 2014.

Consultado, o Planalto informou que"qualquer manifestação neste sentido (de inelegibilidade) é especulação e precipitação".

A candidatura de Lula

Outro possível candidato que pode ser impedido de disputar a eleição presidencial em outubro pela Lei da Ficha Limpa é o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que teve sua condenação por corrupção passiva e lavagem de dinheiro confirmada em segunda instância, pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), em janeiro.

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Foto: AFP / BBC News Brasil

Por unanimidade, os desembargadores não só mantiveram a decisão do juiz Sérgio Moro como ampliaram a pena, antes de nove anos e seis meses, para 12 anos e um mês de prisão. Mas determinaram que o cumprimento da sentença tenha início apenas depois que o tribunal termine de analisar os recursos da defesa contra a decisão.

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O ex-presidente foi considerado culpado de receber como propina um apartamento tríplex no Guarujá (SP), pago e reformado pela construtora OAS. A defesa nega que o apartamento seja de Lula.

Com a confirmação da condenação pelo TRF-4, o ex-presidente a princípio fica impedido de ser candidato. Sancionada pelo próprio Lula, a lei da Ficha Limpa prevê que pessoas com condenação por órgãos colegiados por crimes contra administração pública, como corrupção, não podem se candidatar.

Após saber da decisão, Lula disse que "não está preocupado" se vai "ser candidato ou não". Mas o PT afirma que vai registrar sua candidatura, independentemente da decisão judicial. Havendo o registro, caberá ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) verificar se o candidato possui os requisitos necessários para concorrer e se não há impedimentos legais para que dispute a eleição.

O julgamento da chamada "impugnação de candidatura" tem diversas etapas e pode se estender até 17 de setembro, prazo limite para que o TSE decida se concede ou não o registro. A data também marca o limite para o PT trocar de candidato presidencial, se for o caso. Depois de uma eventual decisão negativa do TSE, a defesa ainda poderá recorrer no próprio tribunal eleitoral, e, posteriormente, no Supremo Tribunal Federal.

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