Com 16,1 milhões de seguidores nas redes sociais, o influenciador Pablo Marçal (PRTB) afirma que sua estratégia de campanha na disputa pela Prefeitura de São Paulo será baseada em uma conexão direta com a população. Sua presença massiva na internet contrasta com a estrutura limitada de seu partido, que não possui recursos do fundo partidário nem acesso a propaganda eleitoral no rádio e na TV.
Para contornar a escassa estrutura partidária, Marçal tem buscado apoio para as eleições na capital paulista. Recentemente, ele se reuniu com figuras da direita e centro-direita, como o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-governador de São Paulo João Doria (sem partido). Apesar das articulações, o empresário ainda não conseguiu o apoio de nomes importantes e foi desencorajado a seguir no pleito por caciques partidários.
"Minha estratégia sempre foi baseada na conexão direta com o coração da nossa cidade: o povo", disse Marçal em entrevista ao Estadão. "Não me engano com promessas de transferência de votos - com ou sem o apoio de outras forças políticas, estou comprometido em seguir ao lado do povo", emendou, acrescentando que "o povo vai ajudar" no financiamento de sua campanha à Prefeitura.
Em 2022, Marçal foi pré-candidato à Presidência da República e candidato à Câmara dos Deputados pelo PROS. Naquele ano, financiou a campanha com recursos próprios e declarou patrimônio de R$ 88 milhões à Justiça Eleitoral. Em sabatina promovida pelo canal MyNews na semana passada, afirmou ter injetado milhões no projeto eleitoral. Este ano, no entanto, ele diz ao Estadão que não pretende usar seu próprio capital na campanha, mas, sim, contar com doações espontâneas.
O empresário fez fama e fortuna vendendo cursos de autoajuda na internet, ganhando notoriedade como coach. Atualmente, porém, ele rejeita esse rótulo, alegando que não exerce mais a profissão. Em maio deste ano, lançou o curso "Rico com Internet", no qual promete ensinar como enriquecer na internet a partir do zero. O produto custa R$ 4.497.
Busca por holofote gera intriga
Embora afirme não estar preocupado com o apoio de outras legendas, Marçal tentou uma aliança com o União Brasil, reunindo-se duas vezes nos últimos 15 dias com o presidente da sigla, Antonio Rueda. Ele também procurou a médica Nise Yamaguchi (União Brasil) para ser sua candidata a vice e conversou com o deputado Kim Kataguiri (União Brasil) na tentativa de firmar uma aliança com a legenda, porém, as articulações não avançaram.
"Foi uma visita de cortesia", disse Rueda ao Estadão sobre o encontro com Marçal na terça-feira, 4. "Ele estava em Brasília para uma série de pautas, e acabamos nos encontrando em uma dessas ocasiões, mas não discutimos nada concreto. Ele veio apresentar as ideias que tem para São Paulo." Questionado sobre as propostas de Marçal, o presidente do União Brasil disse que "as ideias dele são boas", mas não as detalhou.
Uma semana após a reunião com Rueda, o influenciador disse à Coluna do Estadão que tinha o apoio do União Brasil, mas as lideranças do partido ironizaram essa declaração e ficaram irritadas com a presença de Marçal no jantar de posse de Rueda como presidente da legenda. Nos bastidores, os líderes do União Brasil avaliaram que o pré-candidato do PRTB tentou dominar o evento e usá-lo como plataforma para seus projetos pessoais.
O episódio com o União Brasil não é um caso isolado. O estilo de Pablo Marçal tem causado constantes atritos com outros atores políticos. No último dia 4, o ex-coach almoçou com Bolsonaro. Após o encontro, ele afirmou que o ex-presidente não apoiaria a reeleição do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB). Essa declaração gerou forte repercussão no entorno do prefeito. No dia seguinte, porém, Bolsonaro desmentiu Marçal e reafirmou seu desejo de apoiar Nunes.
Na quinta-feira, 6, a busca por holofotes levou Marçal a causar confusão em um evento com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos). Durante uma roda de conversa organizada pela Galapagos Capital, onde Tarcísio falava para um grupo de empresários, Marçal chegou atrasado e tentou ocupar um lugar de destaque junto ao governador, apesar de ter sido convidado apenas para ficar na plateia. Os assessores da gestora precisaram intervir na situação.
No dia seguinte, foi a deputada Tabata Amaral (PSB) quem desdisse Marçal. Durante a sabatina do canal MyNews, o influenciador contou que havia ligado para a parlamentar para dar uma dica sobre a disputa à Prefeitura. Quando os apresentadores do programa questionaram Tabata sobre o conselho dado por Marçal, a deputada confirmou a ligação, mas disse que ele não deu nenhuma dica. "Ele vai te que me ligar de novo para deixar claro qual é esse conselho", pontuou.
Pré-campanha de Marçal é prioridade do partido, diz presidente do PRTB
O presidente nacional do PRTB, Leonardo Avalanche, esclarece que a pré-campanha de Marçal é a prioridade da legenda, mas admite que não há recursos suficientes para financiar uma campanha como a de São Paulo. De acordo com projeção da Fundação 1º de Maio, a sigla deverá receber R$ 9,8 milhões do fundo eleitoral este ano. A quantia, em tese, será utilizada para custear as candidaturas de prefeito e vereador em todo o País.
Avalanche assumiu a direção do partido em fevereiro deste ano. Ele diz que o PRTB está passando por um processo de reposicionamento político e ideológico, orientado pelos ideais de Marçal. No site do partido é apresentado o conceito de "governalismo", uma doutrina criada pelo ex-coach, que se baseia na ideia de que "cada brasileiro é único e nasceu com a missão de governar a si próprio, sua família e sua esfera de influência".
"O partido tem poucos recursos, mas estamos apostando no apoio popular e em soluções criativas", disse Avalanche ao Estadão, mencionando que a sigla terá candidaturas em outras quatro capitais: Belém (PA), Natal (RN), Porto Velho (RO) e São Luís (MA). Outro desafio para os candidatos do PRTB é a incerteza sobre a participação em debates televisivos. As emissoras não são obrigadas a convidá-los, já que o partido não elegeu nenhum deputado federal em 2022.
A parcela do fundo eleitoral destinada ao PRTB também será significativamente menor do que a cota de siglas adversárias. O MDB, de Nunes, e o PSOL, de Guilherme Boulos, por exemplo, devem receber respectivamente R$ 410,4 milhões e R$ 127,8 milhões, segundo a Fundação 1º de Maio. Para comparação, a campanha de Bruno Covas (PSDB), vencedor das eleições municipais de 2020, teve um custo de R$ 20 milhões.Para o professor Paulo Niccoli Ramirez, da Fundação Escola de Sociologia de São Paulo (FESPSP), a pré-candidatura de Marçal beneficia sobretudo o PRTB. "Ele traz visibilidade ao partido e, consequentemente, atrai votos também para o Legislativo, já que o voto no Executivo acaba gerando algum nível de apoio para candidatos no Legislativo".
Entrada de Marçal divide votos da direita em SP
Após a confirmação da pré-candidatura, uma pesquisa da AtlasIntel mostrou Marçal com 10,4% das intenções de voto. Esse resultado o colocou atrás apenas do deputado Guilherme Boulos, com 37,2%, e do prefeito Ricardo Nunes, com 20,5%. O ex-coach ficou à frente de Tabata Amaral, com 9,9%, José Luiz Datena (PSDB), com 7,9%, e Kim Kataguiri, também com 7,9%.
As intensões de voto de Marçal foram consideradas expressivas por lideranças e parlamentares da direita, preocupando a campanha de Nunes. A estratégia do prefeito é atrair o voto conservador da capital, fortemente ligado ao bolsonarismo. Marçal compete por esses votos, pressionando Nunes a intensificar os acenos a Bolsonaro e a aceitar um vice "bolsonarista raiz". A recente manifestação de apoio de Tarcísio à escolha do coronel da reserva da PM Ricardo de Mello Araújo como candidato a vice na chapa de Nunes, feita por Bolsonaro, ocorre neste contexto.
Uma liderança do PL de São Paulo, próxima a Marçal e Nunes, avalia que a candidatura de Marçal prejudica a reeleição do prefeito ao dividir a direita. Ele afirma que parlamentares insatisfeitos com Nunes podem começar a pressioná-lo, agora que há outra opção de direita na disputa. Segundo essa liderança, Nunes fez alianças com dirigentes partidários, mas não com quem tem voto. No entanto, ele é cético sobre a candidatura de Marçal e não acredita que a base de Nunes vá rachar.
Na semana passada, um grupo de deputados do PP se rebelou contra a indicação do coronel Araújo como vice na chapa de Nunes. O deputado estadual Delegado Olim (PP) afirmou ao Estadão que Nunes corre o risco de perder o apoio do PP e, com isso, dois minutos de tempo de televisão. Nos bastidores, outros parlamentares do PP sugeriram que o partido poderia apoiar Pablo Marçal, embora considerem essa possibilidade pouco provável. Nesta segunda-feira, 18, porém, Ciro Nogueira, presidente nacional do partido, afirmou que a legenda aceitará o nome do coronel da PM.
A entrada de Marçal na disputa gerou instabilidade no campo da direita, que até então estava organizado em torno de Nunes. Isso preocupa alguns dirigentes partidários, que temem que a divisão favoreça Boulos nas eleições. Em um encontro com João Doria, Marçal foi aconselhado a desistir da candidatura ou a compor com Nunes. Outras figuras da direita também já procuraram o ex-coach para convencê-lo a abandonar a disputa.
Na sua visão. Onde ele errou? pic.twitter.com/U51mXZsHMM
— Pablo Marçal (@pablomarcal) June 12, 2024
"Não vou arregar e não vou ser vice de ninguém", disse Marçal no programa Bradock Show na semana passada. "Entrei com seriedade na disputa", emendou, explicando que se reuniu com João Doria para entender onde foi que o ex-governador paulista errou para ser alijado da arena política.
Analistas políticos ouvidos pela reportagem sugerem que, apesar de Marçal ter alcançado o terceiro lugar nas últimas pesquisas devido à sua presença nas redes sociais, existem fatores que podem levá-lo a desistir até outubro, buscar uma aliança com outro candidato ou resultar em uma estabilização ou redução nas pesquisas de opinião.
Felipe Berenguer, analista político da Levante Inside Corp, destaca que o atual cenário eleitoral marca um retorno à política tradicional, com um ambiente polarizado entre esquerda e direita, dominado pelo lulismo e bolsonarismo. Ele sugere que este contexto afetará as eleições municipais, indicando que a janela para outsiders, como João Doria, parece ter se fechado. O analista considera que as grandes máquinas partidárias e nomes estabelecidos terão vantagem neste ambiente polarizado.