Em mais uma evidência do caos político que o país atravessa, a reforma trabalhista foi aprovada pelo Senado em uma sessão marcada por bate-boca, gritaria e protesto de senadoras de oposição, que por mais de 6 horas ocuparam a mesa diretora da Casa, atrasando a apreciação da matéria.
Ao final, por 50 votos a favor e 26 contra, o governo de Michel Temer conseguiu a aprovação de texto idêntico ao que já havia passado na Câmara, evitando assim que a proposta tivesse que passar por novo crivo dos deputados. Os senadores rejeitaram três destaques e o texto segue agora para sanção do presidente.
Para o Planalto, isso era fundamental para demonstrar força e ganhar fôlego em outra batalha: tentar impedir que a Câmara autorize o Supremo Tribunal Federal a julgar o presidente, alvo de uma denúncia da Procuradoria-Geral da República por corrupção passiva.
A reforma aprovada é considerada fundamental pelo governo para "flexibilizar e modernizar" as leis trabalhistas, com objetivo de incentivar a criação de empregos. Críticos das mudanças dizem que ela precariza as condições de trabalho e não vai gerar novas vagas, já que isso dependeria na verdade de aumentos dos investimentos e consumo.
Com a aprovação no Senado, resta apenas que Temer sancione a reforma para que ela entre em vigor. O presidente, porém, prometeu vetar pontos polêmicos da nova legislação ou alterá-los por meio de medidas provisórias (propostas de lei que entram em vigor imediatamente, mas dependem depois de aprovação do Congresso para continuarem valendo). O compromisso foi feito justamente para evitar que os senadores aprovassem alterações no texto, provocando o retorno do texto à Câmara.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, porém, disse nas redes sociais que vai barrar qualquer medida provisória que Temer enviar ao Congresso para alterar a nova legislação trabalhista.
Um dos pontos que Temer prometeu alterar é a flexibilização para que mulheres grávidas possam trabalhar em lugares insalubres. Derrubar essa mudança no Senado foi a principal reivindicação das sete senadoras que ocuparam a mesa diretora - Gleisi Hoffmann (PT-PR), Fátima Bezerra (PT-RN), Ângela Portela (PT-ES), Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), Lídice de Mata (PSB-BA), Regina Sousa (PT-PI) e Kátia Abreu (PMDB-TO).
O presidente do Senado, Eunício Oliveira, chamou o protesto das senadoras de "ditadura", ao impedir o funcionamento da Casa, e chegou a mandar apagar as luzes do plenário.
O projeto de lei aprovado, bem mais amplo que a proposta originalmente encaminhada pelo governo em dezembro, altera mais de cem pontos da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas).
Confira abaixo alguns destaques da reforma que segue para sanção de Temer.
Acordos no lugar da lei
A reforma aprovada no Congresso prevê que alguns parâmetros da relação trabalhista possam ser negociados diretamente entre empresas e trabalhadores em acordos que prevalecerão sobre a lei.
Atualmente, muitos acordos entre trabalhadores e empregados têm sido anulados na Justiça do Trabalho, o que gera insegurança jurídica, segundo o governo. A reforma quer restringir a interferência do judiciário apenas a aspectos formais desses acordos, impedindo os magistrados de analisar se seu conteúdo está bem equilibrado entre as duas partes.
Críticos dessa mudança dizem que a reforma não traz medidas para fortalecer os sindicatos, o que deixará os trabalhadores como elo mais fraco na negociação dos acordos.
Entre os pontos que poderão ser negociados, caso a reforma entre em vigor, está a possibilidade de reduzir o intervalo mínimo de descanso e alimentação de uma hora para meia hora no caso de jornadas de mais de seis horas.
Outra possibilidade será a de combinar a divisão dos 30 dias de férias em até três períodos, bem como troca de dias de feriado.
Se a nova legislação entrar em vigor, será possível ainda que empregados e trabalhadores negociem diretamente plano de cargos e salários e o pagamento de participação dos lucros.
Nesse caso, também poderá ser alvo de acordo a prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho.
A proposta também permite acordar jornadas de até 12 horas de trabalho seguidas de 36 horas de descanso - esse é um dos pontos que Temer indicou que vai alterar, para que a jornada só possa ser fixada em acordo coletivo (não em acordos individuais).
Mudanças e inovações nos contratos de trabalho
A reforma cria um tipo de contrato novo no Brasil: o trabalho intermitente, conhecido no exterior como "zero hora". Nesse caso, o trabalhador é convocado sob demanda, com antecedência mínima de três dias, e recebe por hora trabalhada, não tendo garantia de uma jornada mínima.
A mudança não estava na versão do governo e foi incluída pelo relator da reforma na Câmara, deputado Rogério Marinho (PSDB-RN). Segundo ele, esse regime possibilitará a formalização de trabalhadores que hoje trabalham sem contratos, por exemplo no setor de serviços (bares, festas, etc).
"A expansão da variedade de contratos para incluir o 'zero hora' no Reino Unido tem tido impactos negativos diminuindo a renda do trabalhador, assim como na produtividade, o que é potencialmente ruim para a economia", disse à BBC Brasil o professor do departamento de Direito de Cambridge Simon Deakin, especialista no impacto de leis trabalhistas sobre emprego e renda.
Temer indicou que editará uma medida provisória dando mais salvaguardas aos trabalhadores nesse tipo de contrato, como fixar uma quarentena de 18 meses para evitar o risco de migração de contratos por tempo indeterminado para contrato intermitente.
A proposta aprovada também prevê a regulamentação do teletrabalho (trabalho à distância). O contrato deverá especificar quais atividades poderão ser feitas de casa, assim como definir como se dará a e manutenção de equipamentos para uso do empregado no home office. O controle do trabalho será feito por tarefa.
Segundo Marinho, "o teletrabalho proporciona redução nos custos da empresa e maior flexibilidade do empregado para gerenciar o seu tempo", além de contribuir para reduzir o congestionamento nas cidades.
A reforma também prevê que trabalhadores autônomos que trabalhem com exclusividade para um empregador não possam ser considerados empregados da empresa. Hoje, é comum que trabalhadores peçam na Justiça o reconhecimento do vínculo empregatício nesses casos. O governo se comprometeu em editar uma medida provisória prevendo que o contrato do trabalhador autônomo não poderá prever nenhum tipo de cláusula de exclusividade, sob pena de configuração de vínculo empregatício.
Já o contrato de jornada parcial, que hoje é limitado a 25 horas semanais sem possibilidade de horas extras, poderá ter dois novos formatos, se a reforma entrar em vigor: duração máxima de 30 horas semanais sem horas extras ou 26 horas, mas com possibilidade de mais 6. O argumento é que a mudança dessas regras favorece a contratação formal de jovens, idosos e mães.
A ampliação da duração máxima do contrato temporário, prevista na proposta de reforma enviada ao Congresso em dezembro, acabou sendo aprovada já na nova lei da terceirização, de março deste ano, passando de seis meses para nove meses.
O contrato com duração determinada serve a atividades sazonais, que não exigem contrato permanente, ou à substituição de trabalhadores em licença. Críticos da extensão consideram que nove meses é uma duração exagerada para atender a essas finalidades e temem que empresas optem por contratar mais temporários em vez de servidores permanentes.
Fim do imposto sindical
A reforma também prevê o fim do imposto sindical obrigatório - pela lei atual, o valor equivalente à remuneração de um dia de trabalho, descontado uma vez ao ano. Segundo o relator, a medida visa acabar com sindicatos de "fachada e pelegos".
Opositores da mudança, porém, argumentam que a retirada da contribuição precisa ser gradual, para permitir a adaptação dos sindicatos, ou que seja criada outra fonte de recursos. O governo sinalizou que vai adotar a proposta de extinção gradativa.
O imposto sindical obrigatório cobrado de empresas e trabalhadores somou R$ 3,9 bilhões em 2016, que foram distribuídos para cerca de 11 mil sindicatos de empregados e 5 mil patronais.
Ações judiciais
A reforma também traz mudanças nas ações trabalhistas. O projeto de lei prevê, por exemplo, que o trabalhador será obrigado a comparecer às audiências na Justiça do Trabalho (hoje pode faltar a três) e arcar com todas as custas do processo, caso perca a ação - hoje, ele não pagava os advogados contratados pela parte contrária. Além disso, o advogado do empregado terá que definir exatamente o que está pedindo (valor da causa).
Quem agir de má-fé no processo - alterar a verdade dos fatos ou gerar resistência injustificada ao andamento do processo, por exemplo - poderá ser punido com multa de 1% a 10% da causa, além de indenização para a parte contrária.
"Pretende-se com as alterações sugeridas inibir a propositura de demandas baseadas em direitos ou fatos inexistentes. Da redução do abuso do direito de litigar advirá a garantia de maior celeridade nos casos em que efetivamente a intervenção do Judiciário se faz necessária, além da imediata redução de custos vinculados à Justiça do Trabalho", escreveu o deputado Marinho em seu relatório.
Grávidas
A reforma flexibiliza a possibilidade de trabalho de grávidas em locais insalubres - hoje isso é proibido e a empresa precisa realocar a funcionária.
Pelo projeto de lei, gestantes ficam proibidas trabalhar em locais com nível máximo de insalubridade, mas poderão atuar em locais com nível médio e baixo, a não ser que apresentem atestado médico. O governo se comprometeu a inverter o princípio, para que o trabalho seja permitido nessas condições caso a trabalhadora apresente atestado médico autorizando.
Além disso, a reforma também prevê que mulheres demitidas terão prazo máximo de 30 dias após o desligamento para informar a empresa caso estejam grávidas. Hoje não há prazo.
Terceirização
Lei sancionada em março pelo presidente Michel Temer ampliou a possibilidade de terceirização para qualquer atividade exercida pelas empresas.
A reforma trabalhista estabelece salvaguardas para o trabalhador terceirizado, como uma quarentena para impedir que a empresa demita o empregado efetivo para recontratá-lo como terceirizado - isso só poderá ser feito após 18 meses da demissão, segundo a proposta.
O texto prevê também que o terceirizado deve ter as mesmas condições de trabalho dos empregados efetivos, como atendimento em ambulatório, alimentação, segurança, transporte, capacitação e qualidade de equipamentos.
Tempo de deslocamento
O tempo gasto pelo empregado entre sua casa e a empresa não contará mais como tempo de trabalho. A legislação anterior contabiliza como jornada a ser remunerada o deslocamento fornecido pelo empregador para locais de difícil acesso ou não servido por transporte público. Segundo Rogério Marinho, isso desestimula as empresas a fornecerem transporte para seus funcionários.