O Senado pode votar, nesta terça-feira, 17, um projeto de lei que afrouxa regras para partidos políticos, abrindo margem para aumentar a quantidade de dinheiro público às legendas e flexibilizando normas de prestação de contas. Além disso, a proposta permite que advogados e escritórios de contabilidade sejam pagos com dinheiro dos partidos.
A proposta foi aprovada na Câmara no último dia 4 e entrou na pauta do Senado na quarta-feira, 11. O presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), tentou votar o texto no mesmo dia no plenário, mas cancelou a votação após ser pressionado por um grupo de senadores contrários ao projeto. A matéria está na pauta novamente da sessão desta terça-feira, 17. Uma reunião de líderes partidários no meio da tarde deve definir os rumos do projeto. Se entrar diretamente no plenário, a votação vai de encontro a um acordo de Alcolumbre com líderes que prevê a análise de qualquer projeto em pelo menos uma comissão.
O relator da proposta, Weverton Rocha (PDT-MA), apresentou um parecer dando aval ao texto aprovado na Câmara e rejeitando todas as emendas no Senado. "A cada eleição, o Congresso Nacional deve buscar aprimorar o processo eleitoral, de modo que ele traduza, da melhor forma possível, a vontade do eleitor. Nosso papel, como legisladores, é o de fixar regras claras e transparentes para o processo, ao mesmo tempo em que se garanta igualdade de oportunidades aos candidatos e o fortalecimento dos partidos políticos", escreveu o senador no parecer.
Atualmente, o fundo eleitoral tem valor determinado por, no mínimo, 30% das emendas de bancadas estaduais, além da compensação fiscal de propaganda partidária na TV e rádios. O texto aprovado deixa indefinido o montante das emendas que comporão esse fundo - determinado pela Lei Orçamentária Anual (LOA) -, abrindo margem para que a quantia ultrapasse os atuais 30%. Caberá ao relator do projeto de lei da LOA estabelecer o valor.
Outro ponto que causa polêmica é a permissão para que advogados e contadores que prestam serviços para filiados - inclusive aqueles acusados de corrupção - sejam pagos com verba partidária. O projeto retira do limite de gastos das campanhas eleitorais esses pagamentos. Um grupo de entidades que defendem transparência partidária emitiu uma nota técnica avaliando que o dispositivo abre margem para práticas de caixa dois e lavagem de dinheiro.
O líder do PSDB no Senado, Roberto Rocha (PSDB-MA), apresentou uma emenda para alterar o trecho, retirando os processos que podem acarretar inelegibilidade da possibilidade de pagamento com a verba pública. "Acho que, com essa emenda, resolve o problema e tiramos a infecção que estava gerando essa febre. Não tem porque não aprovar", disse o senador ao Broadcast Político, sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado, fazendo referência à polêmica em torno do projeto.
Outro ponto do projeto permite que o partido político apresente a prestação de contas por meio de qualquer sistema de contabilidade disponível no mercado. A permissão afrouxa a legislação atual, que exige as informações padronizadas em um sistema de prestação de contas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Pressa
Para que as regras sejam válidas nas eleições municipais do ano que vem, a nova lei precisa estar aprovada e sancionada um ano antes do pleito, cujo primeiro turno ocorre em 3 de outubro. "Melhorias pontuais no PL nº 5.029, de 2019, terão o condão de colocar a perder os benefícios de todo o projeto para o processo eleitoral do ano que vem", escreveu o relator no parecer.
Grandes partidos querem que o projeto seja aprovado imediatamente. "Os partidos estão muito preocupados porque a eleição municipal pressupõe uma eleição em cada uma das cidades brasileiras, é talvez a eleição mais cara que o País tenha. Tirando o autofinanciamento, que poucos podem fazer, a única forma de financiar essa eleição é com fundo partidário e fundo eleitoral. Não tem outro mecanismo", comentou o líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (AM). "Todos nós estamos sendo procurados pelas nossas bases em função dessa eleição."
O líder do MDB contesta o argumento de que o projeto abriria margem para caixa dois eleitoral. "Claro que terá sempre exceção à regra, mas eu acho muito difícil. O problema não está no recurso oficial, o problema está em recriar o caixa dois. Para ter um financiamento transparente, ele precisa ser previsto em lei e da forma como está posta."
Contrariando o líder do partido, a senadora Simone Tebet (MDB-MS) se posicionou contra a proposta. "Você concordaria com um projeto que dificulta a transparência e a fiscalização dos recursos dos fundos partidário e eleitoral e que permite o uso, sem limite de valor, desse dinheiro público na contratação de advogados para a defesa de partidos e políticos?", escreveu no Twitter, declarando em seguida ser contra o texto.
Um grupo de senadores, formado pelo núcleo conhecido como "lavajatista" e por legendas do bloco da oposição, como Rede e Cidadania, tenta barrar o projeto. Esse grupo calcula ter 22 votos contra a proposta, o que não seria suficiente para impedir a aprovação. A estratégia, então, é tentar obstruir a votação e arrastar a tramitação até que o Senado não consiga mais aprovar as regras a tempo para a próxima eleição. "Vamos trabalhar para fazê-lo prescrever", disse o líder da minoria na Casa, Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
Fux prevê judicialização do projeto
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Luiz Fux disse que, caso o Senado aprove a proposta, o texto passará "por um crivo bem rigoroso de constitucionalidade" e deverá ser judicializado.
O ministro afirmou que considera a tentativa de diminuir a transparência de gastos eleitorais um retrocesso e vê a judicialização como algo inevitável. "Não tenho a menor dúvida de que vai ser judicializada, inclusive pelas críticas que já vêm surgindo em relação a ela no sentido de que é um grande retrocesso em relação a tudo o que já se conquistou em termos de moralidade nas eleições."
"Entendo que a era hoje é a era da transparência. E, com o dinheiro público, o segredo não pode ser a alma do negócio. De sorte que a transparência é uma exigência da sociedade em relação a tantos quantos lidam com o dinheiro público. Entendo que, se a lei representa um grave retrocesso, vai passar sem um crivo bem rigoroso de constitucionalidade", afirmou o ministro do Supremo no Rio.