O cantor sertanejo e ex-deputado Sérgio Reis recebeu ao menos R$ 398,2 mil em verbas de origem pública que são repassadas a entidades ligadas ao Sistema S. Os pagamentos foram feitos entre janeiro e setembro de 2020 por duas entidades mantidas pelo setor de transportes: o Serviço Social do Transporte (Sest) e o Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Senat). O setor está no centro da polêmica envolvendo Sergio Reis.
No fim de semana passado, o cantor divulgou um vídeo e um áudio prometendo uma greve de caminhoneiros contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e a favor do voto impresso. Em princípio, não há relação entre os pagamentos do Sest/Senat e as declarações do cantor.
Cada uma das duas entidades fez depósitos de R$ 18,1 mil mensais à empresa do cantor, chamada Sérgio Reis Produções e Promoções Artísticas Ltda. Os pagamentos constam da prestação de contas do Sest/Senat para 2020, e se referem à divulgação de iniciativas das entidades nas redes sociais de Sérgio Reis, como o Facebook e o Instagram.
Ao longo de 2021, o artista continuou divulgando as ações das entidades ligadas ao transporte em suas redes, mas elas se recusam a dizer quanto pagaram ao cantor este ano, seja diretamente ou por meio de intermediários, como uma agência de propaganda.
A última publicação de Reis sobre o assunto em sua página no Instagram foi em 2 de agosto, para divulgar um ciclo de palestras. "Essa é mais uma forma Sest Senat de levar informação e cuidados para prevenção e qualidade de vida", diz o texto.
Nas gravações que circularam no fim de semana, Reis diz estar envolvido com o planejamento de protestos e de uma paralisação de caminhoneiros a partir do dia 07 de setembro, feriado da Independência. O movimento seria apoiado por grandes produtores de soja, segundo Reis. Nos dias seguintes, os representantes de caminhoneiros autônomos negaram estar planejando qualquer greve. O ex-senador e ex-governador de Mato Grosso Blairo Maggi, um dos maiores produtores de soja do País, também negou estar financiando qualquer ação do tipo.
Questionada sobre as divulgações feitas por Sérgio Reis, o Sest/Senat declarou que "não mantém relações contratuais" com o cantor "Na condição de influenciador, o cantor e compositor prestou serviços ao Sest/Senat até setembro de 2020. A escolha levou em consideração a popularidade de sua música junto aos trabalhadores do transporte, público-alvo das ações do Sest/Senat. As declarações do artista são de foro íntimo e, em hipótese alguma, expressam o posicionamento do Sest/Senat", disse a entidade, em nota.
A reportagem também procurou o cantor. O sertanejo, nascido no bairro de Santana da capital paulista, visualizou as mensagens no WhatsApp, mas não respondeu. Também não atendeu às ligações.
O Sest e o Senat foram criados em 1993 por lei federal, e são entidades de direito privado, ou seja, não são órgãos públicos. No entanto, os recursos que elas administram são públicos — o dinheiro é arrecadado pelo governo federal junto às empresas do setor de transportes e depois repassado às entidades. Por receber verbas públicas, os gastos da entidade são fiscalizados pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pela Controladoria Geral da União (CGU).
No começo desta semana, a esposa de Sérgio Reis, Angela Bavini, disse que o cantor foi "mal interpretado" e "está muito triste e depressivo" com a repercussão de sua fala. "Ele é querido e amado pelo Brasil inteiro, de direita, de esquerda (...). A diabetes dele subiu que é uma barbaridade por causa do estresse", disse ela.
Áudio falso atribuído a Tereza Cristina convoca para ato
No começo desta semana, começou a circular no WhatsApp uma gravação de áudio atribuída à ministra Tereza Cristina (Agricultura) convocando agricultores a participar do mesmo protesto em Brasília no dia 07 de setembro. A gravação, porém, é falsa, segundo informou o Ministério da Agricultura ao Estadão.
Na gravação, a narradora diz que o agronegócio estaria comprometido a ajudar o governo do presidente Jair Bolsonaro a "se livrar dessa peste perniciosa que é o Congresso e o STF". A mensagem de áudio faz referência à mesma reunião que Sérgio Reis disse ter tido em Brasília com produtores de soja. A voz no áudio também recomenda ao ouvinte que estoque alimentos e remédios para enfrentar um possível desabastecimento durante a greve.
Ex-caminhoneiro, o deputado Nereu Crispim (PSL-RS) é hoje presidente da Frente Parlamentar Mista do Caminhoneiro Autônomo e Celetista. Segundo ele, a categoria não compactua com as propostas autoritárias expressas no áudio de Sérgio Reis e na mensagem falsa atribuída a Tereza Cristina. "O movimento dos caminhoneiros é apartidário, não tem ideologia política. Eu sou firmemente contra esse ódio, esse autoritarismo", disse ele.
"Sérgio Reis e esse tal de Zé Trovão (caminhoneiro) não são representantes (da categoria). O representante é o Chorão (apelido do caminhoneiro e sindicalista Wallace Landim), e outros. Sérgio Reis ficou quatro anos na Câmara e nunca defendeu os caminhoneiros", disse Crispim ao Estadão.