O ex-governador de São Paulo José Serra (PSDB) usou sua página no Facebook nesta quarta-feira para prestar sua "solidariedade" à presidente Dilma Rousseff (PT) diante das denúncias de que ela foi alvo de espionagem do governo americano. Em tom conciliador - o que dividiu opiniões entre seus seguidores -, o tucano cobrou explicações dos Estados Unidos e questionou os limites do poder atribuído ao governo americano.
"É inaceitável que os Estados Unidos, de maneira ilegal e ilegítima, espionem ligações telefônicas, mensagens de celular e de correio eletrônico de um chefe de Estado democraticamente eleito. Os patrocinadores de tais atos, inadmissíveis, não atingiram apenas o governo, mas todos os brasileiros", critica Serra.
O político ironiza as justificativas usadas pelo presidente Barack Obama para sustentar a necessidade de monitoramento das telecomunicações mundiais. "Não valem agora justificativas formais para um ato tão ofensivo. Também não é aceitável a surrada invocação do combate ao terrorismo a fim de abonar as arbitrariedades dos órgãos de segurança americanos, dos quais o governo do presidente Obama é o responsável. Pistas sobre o terrorismo mundial em SMS ou e-mails da Dilma? Ridículo", reclama o político do PSDB.
"Mais ainda, ampliando o tema, fico alarmado com esse papel que a democracia norte-americana está se atribuindo: de gendarme do mundo. Acontecem coisas lamentáveis num país e as forças armadas dos Estados Unidos vão intervir? Quais serão os limites desse poder?", questiona.
Mensagem divide seguidores
A mensagem de Serra em apoio à presidente dividiu seus seguidores: enquanto alguns o parabenizaram pela "civilidade" de se colocar acima das disputas partidárias, outros o criticaram veementemente por não ter uma postura mais enérgica contra o PT. "Ah, Serra, deixa de ser bunda mole. O PT virando o País do avesso, e vocês do PSDB que podem fazer alguma coisa pra brigar na próxima eleição ficam caladinho no cantinho. Agora vem se solidarizar com a Dilma... ah, se liga, meu", desabafou o internauta Thiago Silva.
"Solidariedade com petralhas. Agora não resta a menor duvida quanto ao meu voto, não será seu. Tem que espionar esses terroristas comunistas 24 horas. Você, senhor Serra, que nada tem feito para salvar esse País, deveria continuar caladinho, como esteve até agora", atacou Ligia Drumond.
"Parabenizo o ex-governador pela atitude. Mostra que, para além das divergências ideológicas e políticas, é necessário pensar os interesses do Brasil", defendeu Mauricio Fonseca, assim como o internauta Victor Anuvale: "demonstra que o senhor enxerga o a soberania do Brasil e o direito a privacidade de seus brasileiros".
Quase 10 horas após a publicação em solidariedade à Dilma, o tucano voltou a se manifestar, dessa vez para comentar justamente a reação de seus “amigos”.
Para “esclarecer” seu posicionamento, Serra afirmou que “essa questão não é partidária, não é de torcida e muito menos deve ser tratada na base da ofensa ou de xingamentos”. “Trata-se de uma questão de princípios. Os Estados Unidos não têm o direito de espionar presidente de nenhum outro país, muito menos em suas comunicações pessoais ou com membros do governo. Não têm o direito de espionar nenhum de nós”, disse o ex-governador de São Paulo.
Ainda segundo Serra, uma “justificativa convencional” não será suficiente para resolver a questão. “O Brasil não é quintal de ninguém e não pode ser tratado dessa maneira. Fosse quem fosse na presidência - e todos sabem o quanto eu divirjo do governo do PT em matéria de política externa e interna - os brasileiros devem defender seu País, sua democracia e o direito de se comunicarem sem serem espionados por uma potência estrangeira.”
Monitoramento a Dilma
Reportagem veiculada no último domingo pelo programa Fantástico, da TV Globo, afirma que documentos que fariam parte de uma apresentação interna da Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês) dos Estados Unidos mostram a presidente Dilma Rousseff e seus assessores como alvos de espionagem.
De acordo com a reportagem, entre os documentos está uma apresentação chamada "filtragem inteligente de dados: estudo de caso México e Brasil". Nela, aparecem o nome da presidente do Brasil e do presidente do México, Enrique Peña Nieto, então candidato à presidência daquele país quando o relatório foi produzido.
O nome de Dilma, de acordo com a reportagem, está, por exemplo, em um desenho que mostraria sua comunicação com assessores. Os nomes deles, no entanto, estão apagados. O documento cita programas que podem rastrear e-mails, acesso a páginas na internet, ligações telefônicas e o IP (código de identificação do computador utilizado), mas não há exemplos de mensagens ou ligações.
Na manhã desta segunda-feira, o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Thomas Shannon, foi chamado pelo ministro Luiz Alberto Figueiredo, das Relações Exteriores, para dar novas explicações sobre as denúncias de espionagem. Shannon ficou por cerca de meia hora reunido com o chanceler e saiu sem falar com a imprensa. O Itamaraty se limitou a dizer que a conversa foi firme e que Figueiredo deixou claro que o governo brasileiro não tolerará a espionagem de suas autoridades e cidadãos. A Embaixada dos Estados Unidos em Brasília não confirmou o conteúdo da conversa.
Espionagem americana no Brasil
Matéria do jornal O Globo de 6 de julho denunciou que brasileiros, pessoas em trânsito pelo Brasil e também empresas podem ter sido espionados pela Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (National Security Agency - NSA, na sigla em inglês), que virou alvo de polêmicas após denúncias do ex-técnico da inteligência americana Edward Snowden. A NSA teria utilizado um programa chamado Fairview, em parceria com uma empresa de telefonia americana, que fornece dados de redes de comunicação ao governo do país. Com relações comerciais com empresas de diversos países, a empresa oferece também informações sobre usuários de redes de comunicação de outras nações, ampliando o alcance da espionagem da inteligência do governo dos EUA.
Ainda segundo o jornal, uma das estações de espionagem utilizadas por agentes da NSA, em parceria com a Agência Central de Inteligência (CIA) funcionou em Brasília, pelo menos até 2002. Outros documentos apontam que escritórios da Embaixada do Brasil em Washington e da missão brasileira nas Nações Unidas, em Nova York, teriam sido alvos da agência.
Logo após a denúncia, a diplomacia brasileira cobrou explicações do governo americano. O ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, afirmou que o País reagiu com “preocupação” ao caso.
O embaixador dos Estados Unidos, Thomas Shannon negou que o governo americano colete dados em território brasileiro e afirmou também que não houve a cooperação de empresas brasileiras com o serviço secreto americano.
Por conta do caso, o governo brasileiro determinou que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) verifique se empresas de telecomunicações sediadas no País violaram o sigilo de dados e de comunicação telefônica. A Polícia Federal também instaurou inquérito para apurar as informações sobre o caso.
Após as revelações, a ministra responsável pela articulação política do governo, Ideli Salvatti (Relações Institucionais), afirmou que vai pedir urgência na aprovação do marco civil da internet. O projeto tramita no Congresso Nacional desde 2011 e hoje está em apreciação pela Câmara dos Deputados.