Os atos de coação que o ex-secretário da Receita Federal Julio Cesar Vieira Gomes praticou contra servidores para conseguir a liberação de joias avaliadas em R$ 16,5 milhões e enviá-las à família Bolsonaro resultaram em denúncias à corregedoria do Ministério da Fazenda.
O Estadão apurou que, por meio da Superintendência da Receita Federal de São Paulo, funcionários da Receita que sofreram pressão do ex-chefe decidiram registrar uma representação para que os atos sejam investigados. A denúncia é assinada pelo comando da superintendência e pelos delegados da alfândega de Guarulhos.
Como prova, foram enviados à corregedoria diversos tipos de documentos, além de mensagens de texto, áudios e e-mails, entre outros itens. A representação foi entregue nesta semana, após o Estadão revelar o caso.
Os servidores também avaliam a possibilidade de entrar com representações individuais contra Gomes. Eles ainda relataram temor em relação à corregedoria da Receita, que era ocupada até anteontem por João José Tafner, indicado pela família Bolsonaro e uma das razões da demissão de José Tostes, o antecessor de Gomes, do comando da Receita.
João José Tafner pediu demissão nesta quarta, 8, depois que servidores da corregedoria ameaçaram com uma saída coletiva caso ele não deixasse o cargo.
Como revelou o Estadão, a pressão que o ex-chefe da Receita Federal exerceu sobre os servidores públicos para liberar as joias envolveu atos extraoficiais que, no cargo de comando da Receita, jamais poderiam ser utilizados. Para conseguir liberar as joias, Gomes pressionou servidores de diversos departamentos, por meio de mensagens de texto enviadas por aplicativos como Whatsapp, gravou áudios, fez telefonemas e encaminhou e-mails sobre o assunto. A pressão chegou também a subsecretários do órgão.
Antes mesmo de a denúncia ser feita à Corregedoria da Fazenda, já havia um processo interno de apuração dos casos em andamento dentro da própria Receita Federal.
Não era apenas a pressão e os atos extraoficiais de Gomes que chamavam a atenção dos servidores. A sua ascensão meteórica ao posto mais alto do órgão federal também causava estranhamento entre todos os funcionários da casa.
Auditor-fiscal de carreira, Gomes era ex-conselheiro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) e tinha sido membro da Delegacia de Julgamento (DRJ) da Receita, cargos sem grande protagonismo dentro da hierarquia da Receita e distante do posto de comando do órgão.
Na prática, Gomes não tinha uma carreira administrativa que justificasse a sua escolha para liderar a Receita, mas acabou sendo catapultado para o posto de chefe do órgão, em dezembro de 2021, pouco mais de um mês depois de as joias dadas pelo regime da Arábia Saudita serem apreendidas em Guarulhos.
No cargo, ele tinha canal direto com o Palácio do Planalto. O próprio Bolsonaro visitou, em março no ano passado, estande de tiro de armas na Divisão de Repressão ao Contrabando e Descaminho da 1ª Região Fiscal em Brasília.