A candidata do União Brasil à Presidência, Soraya Thronicke, foi beneficiada com R$ 95,2 milhões em emendas do orçamento secreto nos últimos três anos. Ela é senadora por Mato Grosso do Sul e foi aliada do presidente Jair Bolsonaro (PL) no início do mandato, mas rompeu com o governo e agora é adversária de Bolsonaro na disputa presidencial.
Além de Soraya, a senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP), outra candidata na disputa presidencial, apadrinhou R$ 19,2 milhões em emendas secretas em 2020. Mara Gabrilli concorre ao cargo de vice-presidente na chapa de Simone Tebet (MDB). Simone tem classificado o orçamento secreto como o "maior esquema de corrupção do planeta" e declara não ter recebido nenhum valor. As três são as únicas parlamentares que disputam a presidência na eleição deste ano.
O orçamento secreto, revelado pelo Estadão, consiste na liberação de verbas federais para deputados e senadores sem transparência. Não é possível saber quais parlamentares o governo atendeu e quais foram os critérios para o pagamento. O esquema começou a funcionar em 2020, com R$ 20,1 bilhões, e chega a R$ 16,5 bilhões neste ano, período de eleições.
A liberação se tornou um dos maiores escândalos do governo Bolsonaro e chegou a ser barrada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no ano passado, mas foi destravada após reação do Planalto e da cúpula do Congresso. As verbas são carimbadas pelo relator-geral do Orçamento no Congresso e entram em uma rubrica marcada tecnicamente como "emendas RP-9?. Formalmente quem aparece como autor da indicação da verba para determinada localidade é o relator-geral da Orçamento, Mas, na verdade, a destinação dos recursos para redutos eleitorais segue pedidos feitos por parlamentares, cuja identidade não é possível verificar. O governo, por sua vez, libera o dinheiro para comprar apoio político no Legislativo.
Bolsonaro foi alvo de críticas em função do orçamento secreto durante debate entre os principais candidatos à Presidência, na noite de domingo, 28. A candidata do MDB, Simone Tebet, classificou o esquema como "o maior escândalo da história do Brasil". O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o candidato do PDT ao Planalto, Ciro Gomes, também são críticos ferrenhos do atual presidente e prometem acabar com o esquema. O Congresso, porém, se movimenta para manter os recursos independentemente de quem for eleito em outubro.
No primeiro ano, Soraya indicou um total de R$ 7,9 milhões, conforme ofícios encaminhados pelo gabinete da senadora ao Supremo Tribunal Federal (STF), que exigiu transparência do processo. No ano seguinte, a quantia saltou para R$ 45,6 milhões. Em 2022, até agosto, ano de eleições, a candidata a presidente foi beneficiada com R$ 41,7 milhões para seus redutos eleitorais.
Os valores totalizam as emendas que Soraya admitiu ter indicado, após o STF obrigar o envio dos documentos. Nem todos os parlamentares informaram quanto receberam. No lado do Executivo, não há nenhuma transparência sobre os congressistas atendidos no momento do pagamento. A candidata indicou emendas para manutenção de unidades de saúde, recuperação de vias públicas e pavimentação asfáltica, recursos que geralmente têm alto apelo eleitoral nos Estados e municípios.
Em maio deste ano, após encaminhar os documentos ao STF, Soraya afirmou que as emendas não eram secretas. O argumento é pelo fato de ela ter divulgado os recursos que indicou. As emendas de relator, porém, envolvem valores maiores que as demais emendas parlamentares e não trazem os mesmos mecanismos de controle. O cidadão, por exemplo, teria que consultar milhares de páginas de documentos enviados ao Supremo para encontrar as emendas de autoria da senadora. Ainda assim, não sabe objetivamente se ela foi atendida pelo Executivo e quais foram os critérios para a escolha dos municípios.
"Minhas emendas foram destinadas 100% ao meu Estado, e todas foram anunciadas. De secreto, NADA! Quem cobre os passos dos parlamentares com responsabilidade sabe disso. Para quem não,, estou republicando. Meu MS está cansado de ser deixado para trás, e eu o ajudarei com tudo o que for possível", escreveu Soraya no dia 13 de maio, após ser cobrada por seguidores sobre as verbas indicadas no orçamento secreto.
Minhas emendas foram destinadas 100% ao meu Estado,e todas foram anunciadas. De secreto,NADA! Quem cobre os passos dos parlamentares c responsabilidade sabe disso.Para quem ñ, estou republicando.Meu MS está cansado de ser deixado p trás,e eu o ajudarei c tudo o que for possível. https://t.co/YqlSdRM0Gh
— SorayaPresidente (@SorayaThronicke) May 13, 2022
Só para Dourados, a senadora apadrinhou R$ 9,4 milhões em emendas secretas nos anos de 2020 e 2021. As obras incluem drenagem, pavimentação asfáltica, instalação de tubulações, sinalização de ruas, calçamento e cobertura de uma feira de alimentos e artesanatos no município. Em 2018, Soraya foi a mais votada na eleição para o Senado em Dourados, com 38.412 votos, 21% do total.
Neste ano, a maior emenda de Soraya carimbada com o orçamento secreto foi de R$ 3 milhões para obras de infraestrutura em Aparecida do Taboado, município de aproximadamente 26 mil habitantes em Mato Grosso do Sul. O governo garantiu a liberação de R$ 2,9 milhões em julho (empenhou, no jargão técnico, o que significa que o dinheiro está pronto para ser pago após a execução das obras), antes das eleições.
O empenho coincide com a indicação de Soraya, conforme o Estadão identificou, mas o Executivo não dá o nome da autora da emenda. Liberar uma verba antes da eleição beneficia a parlamentar, que pode fazer propaganda com o recurso para o eleitorado. Diferente do município anterior, Soraya não foi a mais votada Aparecida do Taboado, onde conseguiu 2.665 dos votos, 16% do total, ficando em quarto lugar. A senadora, no entanto, é aliada do prefeito da cidade, José Natan (Podemos), conforme publicações nas redes sociais.
A candidata a vice de Simone Tebet, senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP), indicou 19,2 milhões em 2020, de acordo com documentos enviados ao STF. A senadora tucana enviou as verbas para 19 municípios, irrigando os redutos eleitorais com recursos para postos de saúde e hospitais. Mara Gabrilli é crítica do governo Bolsonaro no Senado e foi escolhido como candidata a vice-presidente após o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) abrir mão de concorrer à vaga.
Procurada, Soraya afirmou que "não deixaria de levar recursos" para o Estado e que a verba foi importante para a saúde e educação, por exemplo. "O que fiz foi dar transparência. Nenhuma das indicações que faço são secretas, dou publicidade a todos os recursos que destino para as políticas públicas do meu estado. Defendo que haja transparência em todos os atos públicos, principalmente no que tange dinheiro público", disse a candidata. Mara Gabrilli e Simone Tebet ainda não comentaram.