Depois de mandar prender o deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ) por ameaças e ofensas a integrantes da Corte, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve adiar o julgamento previsto para esta quarta-feira, 24, sobre outra questão de grande repercussão na arena política: o depoimento do presidente Jair Bolsonaro no inquérito que apura se houve interferência indevida na Polícia Federal.
A análise do caso estava prevista para a tarde desta quarta-feira, mas segundo o Estadão apurou, a tendência é que o processo não seja chamado para julgamento, ainda que continue oficialmente constando na pauta da sessão. O processo que investiga o chefe do Executivo é o sétimo item da pauta.
Nos bastidores do Supremo, a avaliação é que o ideal é esperar a poeira baixar e o ambiente político distensionar antes de decidir sobre como deve ser o depoimento de Bolsonaro - presencial ou por escrito. Na semana passada, a Corte viu as relações com o Congresso e a militância bolsonarista se estremecerem após determinar a prisão de Silveira, que acabou sendo confirmada pela Câmara.
A discussão sobre o depoimento de Bolsonaro é considerada delicada porque opõe não apenas o Supremo ao Palácio do Planalto, mas por colocar em xeque uma decisão do ex-ministro Celso de Mello, que determinou que o depoimento de Bolsonaro fosse feito presencialmente. Em outubro do ano passado, antes de se aposentar, Celso leu o voto em que reforçou os fundamentos da decisão em que entendeu que Bolsonaro, por ser investigado, não tem direito a apresentar informações por escrito.
Agora, caberá aos ministros da Corte decidir se confirmam ou não o entendimento do ex-decano, uma das figuras mais respeitadas do Poder Judiciário - e que se tornou um dos principais contrapontos ao bolsonarismo nos últimos anos.
Desistência.
O caso foi pautado em dezembro do ano passado depois que o ministro Alexandre de Moraes - novo relator do caso - pediu "urgência" na análise pelo plenário. Na época, o ministro considerou que cabe ao colegiado decidir sobre a forma do depoimento. Isso porque, no final de novembro, a Advocacia-Geral da União (AGU) mudou de posição e informou à Corte que o presidente havia desistido de se explicar às autoridades e que o processo poderia ser encaminhado à Polícia Federal para a elaboração do relatório final.
Na avaliação de Moraes, no entanto, o investigado não pode deixar de ser submetido ao interrogatório policial, ainda que decida permanecer em silêncio. Para o ministro, a Constituição Federal não prevê o "direito de recusa prévia" ao investigado ou réu. O entendimento contraria manifestação do procurador-geral da República, Augusto Aras, favorável ao direito do presidente de desistir do interrogatório.
O julgamento sobre a controvérsia foi iniciado em outubro, quando Celso de Mello, que conduziu o inquérito como relator até sua aposentadoria, reiterou o voto a favor do depoimento presencial.
A investigação foi aberta em abril do ano passado a partir de informações apresentadas pelo ex-ministro Sérgio Moro, que deixou o governo acusando o presidente de substituir nomeados em cargos estratégicos da Polícia Federal para blindar familiares e aliados de investigações.
O depoimento de Bolsonaro é a última etapa pendente para a conclusão do trabalho dos investigadores.