O Plenário do Supremo Tribunal Federal formou maioria para declarar inconstitucionais atos do Ministério da Justiça e Segurança Pública de produção ou compartilhamento de informações sobre cidadãos 'antifascistas'. O caso é relatado pela ministra Cármen Lúcia, que viu 'desvio de finalidade' e afronta aos direitos fundamentais no uso da máquina do Estado para produção e compartilhamento de informações sobre servidores que se opõem ao governo.
Até o momento, os ministros Ricardo Lewandowski, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Edson Fachin e Rosa Weber acompanharam o voto de Cármen, acolhendo uma ação da Rede contra a iniciativa do Ministério da Justiça à época em que era comandado por André Mendonça - hoje um dos ministros da corte máxima.
Mendonça se declarou suspeito para analisar o caso. Restam se manifestar os ministros Kassio Nunes Marques, Luiz Fux, Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes. O julgamento ocorre no plenário virtual, tem previsão para terminar nesta sexta-feira, 13.
Como mostrou o Estadão, a manifestação de Cármen é no sentido de confirmar decisão proferida pelo Supremo em agosto de 2020. Na ocasião, por 9 votos a 1, os ministros decidiram suspender qualquer ato do ministério da Justiça de levantar dados sobre a vida pessoal, escolhas políticas e práticas civis exercidas por opositores do governo Jair Bolsonaro que 'atuam no limite da legalidade'.
À época, o colegiado entendeu que houve 'desvio de finalidade' no episódio, indicando que a Secretaria de Operações Integradas (Seopi) - órgão vinculado ao ministério da Justiça - promoveu uma 'devassa' ao coletar informações de 579 servidores públicos. Em tal julgamento, o então ministro da Justiça André Mendonça conseguiu se distanciar do episódio e foi 'poupado' nos votos dados pelo colegiado. À época, Mendonça demitiu o diretor de inteligência da Seopi, coronel Gilson Libório de Oliveira Mendes, em razão do episódio.
A análise inicial do caso pelo Supremo se deu quatro meses antes de o ministro Celso de Mello se aposentar, abrindo a primeira vaga para a escolha de Bolsonaro. O nome escolhido pelo chefe do Executivo foi o de Kassio Nunes Marques. Mendonça foi indicado para a corte somente no ano seguinte, após a saída do Marco Aurélio Mello, em julho de 2021.
No voto apresentado no Plenário virtual, Cármen Lúcia fez referência a nota explicativa apresentada por Mendonça, enquanto ministro da Justiça, nos autos. Segundo a ministra, a pasta não negou ter coletado as informações sobre os opositores do governo Jair Bolsonaro, 'se limitando' a defender a necessidade de resguardar o sigilo da atividade de inteligência.
"Importa observar que o Ministro da Justiça não negou o que afirmado na peça inicial da presente arguição, afirmando apenas que não tinha conhecimento do relatório. Não altera esse quadro a circunstância de não ter ele solicitado aquele relatório. Após o deferimento da medida cautelar, nenhuma outra informação sobreveio aos autos que pudesse contraditar a notícia e produção do relatório de inteligência no Ministério da Justiça com dados pessoais de servidores e professores que protestavam contra o governo", registra trecho do voto de Cármen.
A ministra destacou ainda que, em diversas ocasiões, o Supremo conferiu 'máxima efetividade' a direitos fundamentais como a liberdade de expressão, reunião e associação, 'pela neutralização de medidas legislativas e administrativas de cunho censório ou vocação autoritária e pelo afastamento de mecanismos de maior dificuldade ou embargo à atividade intelectual e artística, às quais a Constituição garantiu o regime de liberdade responsável, sobre o qual se constrói a democracia, intimida capital dos déspotas'.
"Com maior relevo, impõe-se assegurar a liberdade de manifestação política, onde se planta e instrumentaliza o regime democrático. É no debate político que a cidadania é exercida com o vigor de sua essência", ressaltou ainda a ministra.