BRASÍLIA E RIO - A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) retoma nesta terça-feira, 9, o julgamento de três recursos apresentados pela defesa do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) que podem travar o inquérito que apura peculato e lavagem de dinheiro em seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). O filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro foi denunciado no Judiciário fluminense por peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa no escândalo das "rachadinhas" - o desvio ilegal de salários de assessores. Nos últimos meses, o parlamentar conquistou vitórias importantes na Justiça do Rio e no Supremo Tribunal Federal (STF).
O julgamento desta terça-feira vai opor mais uma vez o relator da Lava Jato no STJ, Felix Fischer, ao ministro João Otávio de Noronha, considerado um "garantista" (mais propenso a ficar do lado dos réus) - e um aliado do presidente Jair Bolsonaro no tribunal. Noronha também é criticado reservadamente por colegas por, na visão deles, tentar se cacifar para uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) - a próxima será aberta em julho, com a aposentadoria de Marco Aurélio Mello.
Um dos ministros mais rigorosos e técnicos do STJ, Fischer se envolveu numa troca de farpas com Noronha no início do julgamento dos recursos de Flávio, em novembro do ano passado. "É um caso complexo, que me cabe examinar. Vou examinar", disse Noronha na ocasião, ao suspender o julgamento.
"É o caso da Alerj, não é isso? O réu, o indiciado é Bolsonaro, não é? Eu gostaria de ter a oportunidade de ler o meu voto", afirmou Fischer. O relator, no entanto, não conseguiu concluir a leitura do voto, que tem mais de 60 páginas.
Segundo o Estadão apurou, nesta terça-feira Noronha vai abrir divergência do colega e ficar ao lado da defesa do senador. Há críticas no STJ à condução do caso no Rio, especialmente sobre o pedido de quebra de sigilo fiscal, que teria sido mal fundamentado - e a um suposto "direcionamento" da investigação para atingir o filho do presidente da República.
A expectativa de integrantes do STJ ouvidos pelo Estadão é a de que Flávio tem chances de sair vitorioso do julgamento, mas a transmissão ao vivo do julgamento, pelo canal do YouTube, pode influenciar o resultado. O colegiado é formado por cinco ministros ao todo.
Além de Fischer e Noronha, faltam votar outros três ministros: Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas e José Ilan Paciornik. Em junho do ano passado, Paciornik esteve no Palácio do Planalto, mas não informou a sua agenda.
Pontos
Os recursos de Flávio Bolsonaro, que retornaram à pauta do STJ após Noronha liberar o caso para julgamento, abordam três pontos referentes a documentos que embasaram a investigação. A defesa do senador tem focado supostas falhas e ilegalidades na condução do processo - mesmo ciente de que o mérito em si das apurações do Ministério Público do Rio traz indícios robustos e com ampla repercussão na opinião pública.
Caso concorde com os argumentos da defesa, a Quinta Turma dará a Flávio uma das maiores vitórias dentro da investigação. Ao anular elementos centrais para o início das apurações, o STJ faria com que os advogados do senador pudessem questionar uma série de desdobramentos - inclusive a própria denúncia - tocados nos últimos dois anos.
O primeiro recurso aborda o ponto de partida da investigação: o relatório de inteligência financeira (RIF) do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) produzido na operação Furna da Onça. Foi esse trabalho que deu origem às suspeitas sobre Fabrício Queiroz, apontado como operador do suposto esquema de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio. A defesa entende que os dados ali obtidos configurariam quebra dos sigilos bancário e fiscal antes de se ter a autorização judicial para isso.
Já os outros dois recursos versam sobre o juiz Flávio Itabaiana Nicolau, da primeira instância fluminense. Partiram dele todas as decisões importantes do caso, desde a primeira quebra de sigilo até a prisão preventiva de Queiroz e sua mulher, Márcia Aguiar. Para os advogados do senador, dois aspectos colocam em xeque a atuação do magistrado.
O primeiro recurso de Flávio foi apresentado pela advogada Nara Terumi Nishizawa. Ela trabalhava com Frederick Wassef, o defensor que saiu do caso após Queiroz ser preso em sua casa. Trata-se de um habeas corpus que questiona uma decisão de Itabaiana. Ela autorizou a quebra de sigilo de Flávio e outras 94 pessoas e empresas, em abril de 2019, e uma só vez. A advogada alega que a autorização teria sido mal fundamentada.
Itabaiana também é alvo de outro recurso, apresentado recentemente pelos atuais advogados do parlamentar - Rodrigo Rocca, Luciana Pires e Juliana Bierrenbach. Eles entraram no processo após a saída de Wassef. Após o senador ter conquistado uma vitória na 3ª Câmara Criminal do Rio que lhe deu o direito de ser julgado pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça, os defensores entendem que as decisões já proferidas pelo juiz de primeira instância precisam ser anuladas.
O foro foi concedido a partir de uma interpretação controversa, que vai na direção inversa do entendimento recente do STF, de limitar a prerrogativa aos casos cometidos em função do cargo e no exercício do mandato. Flávio Bolsonaro poderia ser julgado pela segunda instância, segundo os advogados e dois dos três desembargadores daquele colegiado, porque era deputado estadual na época em que os crimes teriam sido cometidos.
Quando garantiu ao senador essa prerrogativa, a 3ª Câmara deixou com o Órgão Especial do TJ do Rio o poder de decidir sobre a manutenção ou não de tudo o que foi autorizado por Itabaiana. O colegiado de 25 desembargadores, contudo, ainda não analisou o assunto. Em janeiro, os magistrados iriam decidir se mantinham consigo o caso ou o devolviam à primeira instância. O ministro do STF Gilmar Mendes, no entanto, os impediu de decidir sobre o assunto, até uma decisão da Corte.
Tempo
A estratégia dos advogados de Flavio, de ganhar tempo com recursos, tem funcionado. Enquanto os defensores conseguem vitórias sucessivas, a denúncia que chegou ao Órgão Especial há três meses segue sem desfecho. Além disso, os desdobramentos do processo caminham lentamente. O MP do Rio passa por uma troca de chefia e enfrenta indefinições quanto ao futuro dos grupos especializados em crimes de corrupção.
Depois da denúncia, o principal desafio da Promotoria na investigação contra o senador é de analisar a loja de chocolates que ele mantinha com o sócio Alexandre Santini até o início deste mês. Localizada num shopping na zona oeste do Rio, a franquia da Kopenhagen serviria para lavar o dinheiro supostamente desviado dos cofres públicos. Recentemente, a loja foi reassumida pelo franqueador. Na denúncia de novembro, o MP sinalizou que esse núcleo das apurações ainda seria esmiuçado dali em diante.