A secretária de Controle Externo do Desenvolvimento Econômico do Tribunal de Contas da União (TCU), Andreia Rocha Bello de Oliveira, cobrou a devolução de R$ 3,4 bilhões em verbas emergenciais enviadas pelo Ministério do Turismo a bancos públicos para socorrer o setor em meio à pandemia. A cifra deve retornar ao Tesouro para que seja destinada a outros fins mais urgentes.
A auditoria recomendou a abertura de uma investigação sobre irregularidades no uso da verba por parte de agentes do ministério. E fez uma alerta sobre um projeto de lei que tramita no Senado e, se aprovado, pode normalizar situações tidas, hoje, como irregulares pela fiscalização.
A verba questionada pelo TCU corresponde a 68% de um total de R$ 5 bilhões liberados pelo governo federal com a finalidade de evitar falências e recuperações judiciais de empresas da cadeia de turismo em dificuldades em razão da pandemia de covid. Os recursos foram liberados via Fundo Geral do Turismo (Fungetur) a bancos públicos para financiar empréstimos às empresas. Até a última prestação de contas, em novembro, o governo havia repassado R$ 3,6 bilhões, dos quais só R$ 1,9 bilhão foi convertido em operações de crédito.
A auditoria questiona o fato de que, até outubro, R$ 2 bilhões ainda estavam ociosos no caixa dos bancos beneficiados, mesmo após mais de um ano depois da liberação do crédito. A fiscalização identificou que, dos 24 bancos credenciados até então, cinco não fizeram qualquer financiamento e quatro nem sequer receberam aportes, apesar de terem sido empenhados (reservados no orçamento) R$ 754 mihões para tais instituições. "Treze dessas 24 entidades não lograram escoar mais da metade dos recursos que foram transferidos pelo Fungetur", diz a auditoria.
A fiscalização também questiona a liberação excessiva da verba ainda em 2020, o que resultou em R$ 1,3 bilhão de restos a pagar para este ano. A respeito deste valor, a auditoria requer o cancelamento para que seja remanejado ao Tesouro, que poderá alocar em qualquer outra política do governo. E pede a apuração de responsabilidades na pasta sobre o uso da cifra.
Segundo o relatório da auditoria, o montante de R$ 3,4 bilhões representa "um custo de oportunidade à sociedade brasileira, haja vista que poderiam ser direcionados a demais programas/ações do governo federal adotados para o enfrentamento da emergência de saúde pública".
Denúncia
A fiscalização ainda chamou a atenção para o andamento do projeto de lei que cria o Novo Fungetur, aprovado pela Câmara e pendente de votação no Senado. Como mostrou o Estadão, o PL prevê que o recurso de caráter extraordinário seja considerado de natureza ordinária. Se a verba ficar ociosa no caixa de bancos públicos, responsáveis por emprestá-la a empresas da área, não precisará mais ser devolvida ao governo federal. Segundo a auditoria, eventuais medidas alinhadas pelo TCU podem se tornar "inócuas" caso o PL passe a ter "força de lei".
O relatório de auditoria foi encaminhado ao ministro Marcos Bemquerer, relator do processo de acompanhamento da verba emergencial destinada ao Fungetur. A secretária de Controle Externo do Desenvolvimento Econômico do TCU pede que o ministro acolha os apontamentos da auditoria e determine ao Ministério do Turismo a devolução da verba e a investigação das irregularidades. Após o julgamento do caso pela Corte, ainda propõe que os autos sejam encaminhados ao Senado e à Câmara, que debatem o projeto que pode descaracterizar o Fungetur.
Auditores do TCU ainda vão se debruçar sobre os casos revelados pelo Estadão, que denunciou o desvio de finalidade no uso da verba. O recurso, supostamente emergencial, ajudou a financiar a construção de um resort em nome de magistrados e ex-dirigentes do banco público responsável pelo empréstimo. Em outro caso, o fundo bancou o financiamento das obras de um museu de um clube de futebol. Segundo as regras do orçamento de guerra, novos empreendimentos jamais poderiam ser beneficiados pela verba emergencial.
A mesma reportagem mostrou que parte dos bancos contemplados havia represado valores bilionários. E que os poucos empréstimos feitos por estas instituições foram parar nas mãos de grandes empresas, um político investigado por corrupção e um ex-secretário executivo do Ministério do Turismo acusado de desvios. De acordo com o próprio TCU, os repasses deveriam servir para socorrer pequenas e médias empresas.
Procurado, o Ministério do Turismo não se manifestou sobre os pedidos do TCU.