Com o objetivo de aprofundar as investigações sobre o orçamento secreto, auditores do Tribunal de Contas da União (TCU) pediram autorização para fazer uma inspeção na Presidência da República. A área técnica do tribunal afirmou ter encontrado indícios de irregularidades envolvendo a transparência e os critérios para a distribuição de recursos por meio de emendas do relator-geral (RP-9) pelo governo Jair Bolsonaro, e defendeu novas diligências para obter mais informações.
A apuração sobre o orçamento secreto é conduzida pela Secretaria de Controle Externo da Administração do Estado do Tribunal de Contas da União, que solicitou a inspeção. O relator é o ministro Raimundo Carreiro, a quem cabe autorizar ou não.
A inspeção é uma das ações que o tribunal adota para apurar denúncias. Funciona como uma espécie de auditoria, em que os técnicos requisitam documentos, cruzam dados e questionam os responsáveis de cada setor sobre eventuais dúvidas. Foi o instrumento utilizado pelo TCU no início da apuração sobre as pedaladas fiscais na gestão de Dilma Rousseff, ainda em 2014. As conclusões do tribunal, meses depois, embasaram o pedido de impeachment da petista.
Diferentemente de uma investigação formal do Ministério Público ou da Polícia Federal, porém, o tribunal não pode apreender computadores ou tomar depoimentos.
A solicitação mira a Presidência da República, pois é o órgão responsável pela execução do orçamento. Se autorizada, a inspeção poderá abranger a Casa Civil, a Secretaria de Governo e a Secretaria-Geral da Presidência, ministérios que funcionam no Palácio do Planalto e são considerados a "cozinha" do governo.
O foco desta apuração são os aspectos administrativos envolvendo a destinação dos recursos, e não possíveis irregularidades na ponta, ou seja, envolvendo o pagamento feito por prefeitos a empresas.
Com tratoraço, Bolsonaro mantém base fiel no Congresso
Também chamado de 'tratoraço' por envolver a compra de tratores, o esquema do orçamento secreto tem ajudado Bolsonaro a manter uma base fiel no Congresso. Bilhões de reais foram distribuídos para um grupo de deputados e senadores que determinaram o que fazer com o dinheiro sem qualquer critério técnico ou transparência.
O processo que analisa aspectos relacionados à transparência e aos critérios para liberação de recursos foi aberto ainda em maio, após representação de parlamentares da oposição e do Ministério Público de Contas. Há também mais duas frentes de apuração. A primeira é a respeito do sobrepreço nas aquisições de máquinas pelo Ministério do Desenvolvimento Regional e pela Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf). Esses processos são conduzidos pelas áreas de logística. Um outro processo é conduzido pela Secretaria de Macroavaliação Governamental que apura a própria legalidade das emendas de relator-geral.
O Estadão mostrou em maio que o esquema do orçamento secreto, além da falta de transparência, atropelou ao menos três exigências da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2020, incluindo a falta de obediência aos critérios técnicos para definição das localidades beneficiadas. A LDO daquele ano, e também as de 2021 e 2022, também exigem que se leve em conta indicadores socioeconômicos ao distribuir os recursos e a priorização à continuidade de obras iniciadas. Nada disso tem respeitado, pois as liberações são feitas por critérios políticos, atendendo a escolhas de deputados e senadores, sem levar em consideração quais são as melhores opções de investimento.
O TCU já fez um primeiro alerta, em junho, sobre irregularidades envolvendo transparência e critérios de destinação de emendas de relator-geral do orçamento. Na análise das contas do governo de 2020, em junho, o plenário do tribunal recomendou ao Planalto e ao Ministério da Economia que seja dada ampla publicidade às informações relacionadas às emendas de relator-geral.
A proposta de inspeção vai no sentido de aprofundar aquela análise e poderá concluir se o governo está adotando mecanismos mais transparentes e racionais na alocação de recursos oriundos das emendas de relator-geral do orçamento, como o relatório das contas presidenciais recomendou.
No trabalho em andamento, a secretaria apontou, por exemplo, que a Plataforma + Brasil, sistema que reúne as informações sobre transferências federais, "não apresenta em seus painéis as emendas de relator-geral". "Essa informação só está disponível em consulta com senha, sem ainda demonstrar qual parlamentar foi o responsável pela indicação, informando apenas que a origem do recurso foi a emenda do relator-geral", disseram os auditores, exemplificando a falta de transparência.
O pedido é que seja dada "autorização para a realização de inspeção na Presidência da República, para que sejam coletadas informações complementares acerca dos critérios para a destinação dos recursos das emendas do tipo relator-geral e as respectivas medidas de transparência adotadas para a correta identificação das indicações para distribuição desses recursos".
Além disso, os auditores pedem autorização para compartilhamento interno no TCU dos documentos que o governo já enviou em resposta a uma solicitação feita para a análise das contas da Presidência da República no exercício de 2020 em junho.
O ministro Raimundo Carreiro, apesar de ainda não ter tomado nenhuma decisão no caso, já fez uma comunicação no plenário do TCU demonstrando preocupação com a transparência. Ainda em maio, ele solicitou que a Secretaria-Geral de Controle Externo atuasse junto ao Poder Executivo para "verificar as medidas existentes ou que serão adotadas para garantir a devida transparência da totalidade dos recursos alocados via emendas parlamentares".
Além dos processos no TCU, há ações no Supremo Tribunal Federal que pedem o fim das emendas de relator-geral. Os casos estão sob a relatoria da ministra Rosa Weber, que ainda não decidiu se aceita os pedidos dos partidos PSOL, Novo, PSB e Cidadania.