Torcidas organizadas e coletivos de torcedores pretendem fazer novos atos a favor da democracia e contra o presidente Jair Bolsonaro, a exemplo da manifestação realizada no último domingo, na Avenida Paulista. Participantes do protesto afirmam que apesar da mobilização não ter um líder geral, tem se caracterizado por reunir grupos que têm pautas similares dentro do espectro político.
Segundo a Associação Nacional das Torcidas Organizadas do Brasil (Anatorg), foram registrados protestos semelhantes no Brasil em 14 Estados. As mobilizações apresentaram como tema a defesa da democracia, luta contra o fascismo e críticas ao governo federal. Em São Paulo, o ato com a presença de membros da torcida organizada teve início por volta das 12 horas e teve, na maior parte, integrantes da Gaviões da Fiel, principal facção do Corinthians.
Além do clube alvinegro, também compareceram torcedores de Palmeiras, Santos e São Paulo. Inicialmente o movimento tinha como objetivo principal se contrapor em ideias ao protesto favorável ao governo federal também marcado para a Avenida Paulista, no mesmo horário. A meta de se posicionar criticamente a Bolsonaro reuniu torcidas, coletivos e grupos que costumam ficar em lados opostos quando se trata de futebol. Já há mobilizações para novos protestos no próximo domingo.
Por parte da Gaviões da Fiel, quem organizou a mobilização foi o estudante de história e motorista de aplicativo Danilo Pássaro, de 27 anos. "O movimento nasceu de forma autônoma, não foi algo articulado entre torcidas organizadas, mas de cidadãos que se reúnem em jogos do Corinthians e sentem que existe uma escalada autoritária no Brasil", disse. No entanto, houve um esforço para que outras torcidas também participassem. "Temos pessoas que conhecem lideranças de outras torcidas e que fizeram o contato para selar a participação. Se está pela democracia, pode se somar. Não importa o time", completou.
O grupo que protestou reuniu ainda movimentos intitulados antifascistas dos três outros grandes clubes paulistas: Palmeiras, Corinthians e Santos. Grande parte dos presentes prefere não se identificar, para evitar exposição. Fora os coletivos de torcedores, também participaram pessoas que não pertencem a esses grupos, mas são seguidores das equipes e se posicionam como opositores a Bolsonaro.
É o caso do designer palmeirense Gabriel Santoro, de 37 anos. "Fiquei sabendo que teria essa manifestação e para mim, a ideologia política está acima de qualquer clube. Todos nós temos a preocupação sobre a situação brasileira, com uma série de manifestações perigosas contra STF (Supremo Tribunal Federal), Congresso e contra a nossa democracia", afirmou.
Segundo os torcedores que participaram da manifestação, o ato começou por volta do meio-dia e terminou pouco antes das 14 horas sem incidentes. Os participantes afirmam que o confronto iniciado na sequência com a Polícia Militar (PM) teve como estopim uma provocação feita por militantes pró-Bolsonaro, que estavam em outro ponto da Avenida Paulista e se aproximaram do grupo com faixas, bandeiras e xingamentos. A PM reagiu ao tumulto e a confusão teve bombas, fogo ateado em lixo e vidros quebrados.
"Estamos vivos e ativos. Não vamos aguentar calados. O que não cabe no Corinthians é um sujeito que apoiou a ditadura. Nosso movimento de domingo abriu a porteira para os próximos", disse um dos fundadores da Gaviões da Fiel, Chico Malfitani, de 70 anos. Na opinião dele, também pesou dentro da organizada a preocupação com a própria pandemia do novo coronavírus. Nos últimos 40 dias, 12 membros foram vítimas fatais da covid-19. As perdas motivaram a algumas pessoas a criticarem o governo por considerarem ineficazes as medidas de combate à doença.
Em Belo Horizonte o protesto das organizadas contra Bolsonaro reuniu cerca de mil pessoas no centro da cidade. A forma como a manifestação foi convocada ajuda a entender como o movimento pretende se espalhar pelo Brasil: a ligação entre as torcidas de diferentes clubes e a existência de filiais dessas facções espalhadas pelo País fortalece a rede de contatos.
Um membro da Galo Antifa, do Atlético-MG explicou ao Estadão que a mobilização contou com células mineiras de torcidas de times cariocas, além de movimentos dos times locais que já tinham se posicionado contra Bolsonaro, como coletivos feministas. "Temos um embrião da união das torcidas antifascistas unificadas. Estamos combinando mais ações, mas vamos evitar divulgar para quem é de fora do grupo", disse o torcedor.
Para o presidente da presidente da Anatorg, Alex Sandro Gomes, o Minduín, a mobilização da torcidas tem como combustível uma série de reclamações antigas, como a própria repressão à atividade das organizadas. "As torcidas aglutinaram várias pautas para se manifestar e o crescimento de movimentos ultradireitistas têm inflado todos esses ânimos", avaliou.