Após um primeiro semestre fortemente marcado por embates, uma tentativa de trégua do governo com o Poder Judiciário esbarra no desdobramento de investigações que envolvem diretamente o presidente Jair Bolsonaro ou aliados dele, afirmaram fontes com conhecimento dos casos à Reuters nos últimos dias.
Há na Justiça cinco frentes sensíveis para Bolsonaro e simpatizantes, três delas no Supremo Tribunal Federal (STF): o inquérito que investiga o presidente por tentativa de interferência na Polícia Federal; o das fake news, que apura a divulgação de notícias falsas e ameaças a ministros da corte; e o que apura o financiamento e a realização de atos antidemocráticos, que pedem fechamento do STF e do Congresso Nacional.
Além dos casos no Supremo, há a investigação conduzida pelo Ministério Público do Rio de Janeiro que envolve o filho mais velho do presidente, o ex-deputado estadual e atual senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), num suposto esquema de retenção e desvio de salário de servidores do gabinete da Assembleia Legislativa do Estado, conhecido como rachadinha.
Uma quinta frente são as ações no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que pedem a cassação da chapa formada por Bolsonaro e pelo vice-presidente Hamilton Mourão, vitoriosa nas eleições de 2018. Uma das ações foi recentemente turbinada pela decisão da corte de usar provas de investigação do STF do inquérito das fake news.
Em um mês, Bolsonaro sofreu reveses: o STF quebrou sigilos de parlamentares bolsonaristas no inquérito dos atos antidemocráticos; depois, validou, com forte maioria, o inquérito das fake news após ter feito buscas e apreensões contra empresários e blogueiros apoiadores do governo; e por último, a Justiça prendeu Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio e amigo antigo do presidente.
Na escalada da tensão entre os dois Poderes, o chefe do Executivo federal criticou duramente determinações do STF e chegou a dizer que as Forças Armadas não iriam cumprir "decisões absurdas" nem aceitariam "julgamento político".
Contudo, após a prisão de Queiroz na última quinta-feira, o presidente diminuiu a intensidade das críticas. No máximo chamou a detenção dele de "espetaculosa".
Um dia depois, num sinal de tentativa de trégua, os três ministros do núcleo jurídico do governo --André Mendonça (Justiça e Segurança Pública), José Levi Mello (Advocacia-Geral da União) e Jorge Oliveira (Secretaria-Geral da Presidência)-- reuniram-se na sexta-feira com o ministro do STF Alexandre de Moraes, relator dos inquéritos da fake news e dos atos antidemocráticos.
A pauta oficial desse encontro, que ocorreu em São Paulo, foi quatro processos que tramitam no STF de interesse do Planalto, mas o governo tratou a reunião como a busca de uma "conciliação", segundo uma fonte ligada a um dos ministros do governo disse à Reuters.
Para essa fonte, é preciso uma "resposta do outro lado", numa referência ao Supremo. Ela disse que não adianta o governo fazer gestões --como a demissão do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, que disse em reunião ministerial que gostaria de colocar na cadeia "vagabundos" do STF-- se não há sinais de igual sequência da cúpula do Judiciário.
A fonte citou como decisões que tensionam a relação a tomada pelo ministro do Supremo Celso de Mello de divulgar praticamente a íntegra do vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril na qual Weintraub xingou ministros do STF e outra decisão do mesmo magistrado que mencionou que ministros militares que se recusassem a depor no caso da interferência de Bolsonaro na PF seriam conduzidos "debaixo de vara" --jargão para dizer coercitivamente.
Uma fonte do Supremo disse que os ministros da corte não são ingênuos de acreditar que será possível fazer qualquer tipo de trégua com investigações em curso.
"Até porque o Judiciário não pode fazer trégua, tem que tocar os processos", disse. Para essa fonte, no fundo, há quem deseja um acordo tácito segundo o qual se deixaria o presidente governar em troca de paralisar o andamento das investigações. "Aí os ministros iriam prevaricar", observou.
A fonte do STF disse que não dá para fazer uma ligação de que a prisão de Queiroz tem o objetivo de atingir o presidente e não porque o ex-assessor estava envolvido em um esquema ilegal. Destacou ainda que no governo do PT também se investigou vários casos de corrupção e cada um foi responsável por sua acusação.
"Basta andar na linha", disse outra fonte do Supremo, resumindo o espírito da corte.
O presidente do TSE e também ministro do Supremo, Luís Roberto Barroso, já afirmou que o tribunal eleitoral não é um ator político e que a chapa Bolsonaro-Mourão será julgada com base em uma análise imparcial das provas. Mas ressaltou que o tribunal tem competência prevista na Constituição e na legislação para cassar os mandatos se for o caso.
Ainda assim, há uma expectativa de que, com a chegada do recesso do Supremo em julho haja uma diminuição do embate entre os Poderes, disse uma terceira fonte com conhecimento das investigações. "Creio que dá uma acalmada a partir da próxima semana", disse.
Ainda assim, observou a fonte, isso não significa que a Polícia Federal vá entrar em recesso, mas que o Judiciário não terá julgamentos em plenário.
A Polícia Federal já pediu a Celso de Mello para ouvir em breve Bolsonaro no inquérito da interferência da PF, dizendo que as investigações estão avançadas. Caberá, ao fim das apurações, ao procurador-geral da República, Augusto Aras, decidir se denuncia o presidente ou não.
Por outro lado, a fonte destacou que as cúpulas do Judiciário e do Legislativo sempre tentaram distensionar as relações com o Palácio do Planalto, mas que os ataques partem inicialmente do presidente e de aliados dele.