A mulher do presidente Jair Bolsonaro, a primeira-dama Michelle Bolsonaro, recebeu 27 depósitos que totalizam R$ 89 mil de Fabrício Queiroz e da esposa dele, Marcia Aguiar, entre 2011 e 2016.
A informação foi revelada a partir da quebra de sigilo fiscal do casal, investigado por integrar um suposto esquema de desvio de dinheiro do antigo gabinete de deputado estadual do hoje senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho mais velho do presidente.
Segundo reportagem da revista Crusoé, a quebra de sigilo mostrou que Queiroz depositou 21 cheques na conta de Michelle entre 2011 e 2016, somando R$ 72 mil. O jornal Folha de S.Paulo e o portal G1, por sua vez, descobriram também que a abertura das informações bancárias de Marcia Aguiar revelou mais seis cheques depositados por ela para a primeira-dama entre janeiro e junho de 2011, no valor total de R$ 17 mil.
Antes da quebra de sigilo do casal, sabia-se que Michelle tinha recebido R$ 24 mil de Queiroz. As novas informações contrariam versão do presidente sobre essa operação — Bolsonaro havia dito que o valor foi depositado para sua mulher como pagamento por um empréstimo de R$ 40 mil concedido por ele a Queiroz. No entanto, a abertura dos dados bancários do amigo do presidente não mostram o recebimento desse empréstimo, segundo os veículos da imprensa que tiveram acesso à quebra de sigilo.
Confira a seguir 3 perguntas para entender melhor o impacto das novas revelações e o andamento das investigações.
1. Qual o impacto das novas revelações para Bolsonaro e Michelle?
Bolsonaro e sua mulher não apresentaram ainda explicação sobre os novos depósitos revelados na sexta-feira (07/08).
O artigo 86 da Constituição Federal estabelece que o "Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções". Juristas divergem sobre se esse artigo impede totalmente o presidente de ser investigado por eventuais crimes anteriores à sua posse, ou se permite que ele seja alvo de uma investigação, mas o mantém protegido de ser processado e condenado.
Dessa forma, mesmo que Bolsonaro tenha relação com os valores depositados para Michelle, é possível que o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, não inicie uma investigação criminal, já que as transações suspeitas são anteriores à sua posse, em janeiro de 2019.
A primeira-dama, porém, não possui imunidade constitucional e pode se tornar alvo da investigação do Ministério Público do Rio de Janeiro que apura o suposto esquema de "rachadinha" (desvio da verba pública destinada a salário de funcionários) no antigo gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Como Michelle não era funcionária do gabinete de Flávio, ela não foi incluída como investigada e não teve seu sigilo fiscal quebrado até o momento.
Além disso, a revelação dos depósitos gera constrangimento e pode criar desgaste político para o presidente, eleito com a bandeira da anticorrupção. Deputados federais do PSOL começaram a recolher assinaturas para tentar criar uma uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) com objetivo de investigar se Michelle seria "laranja" de Bolsonaro para receber recursos desviados.
"URGENTE! Eu e os demais deputados do PSOL queremos criar uma CPI para investigar os depósitos que Queiroz fez na conta da primeira-dama, que somam R$ 72 mil. Vamos desmascarar a farra da família Bolsonaro com dinheiro público", postou no Twitter o deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ).
Outro elemento que aproxima o caso do presidente é o fato de uma das filhas de Queiroz, Nathália Queiroz, ter sido funcionária do gabinete de Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados de 2016 a 2018, quando o presidente era ainda deputado federal. Há suspeitas de que Nathália era funcionária fantasma, já que atuava como personal trainer no Rio de Janeiro no mesmo período.
2. Qual foi a versão inicial de Bolsonaro para os depósitos?
As primeiras informações sobre depósito de Queiroz na conta de Michelle estão em um relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) produzido em desdobramento da Operação Lava Jato no Rio de Janeiro. Esse documento — revelado no final de 2018, logo após a eleição presidencial — apontou uma série de movimentações bancárias suspeitas de Queiroz entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017, somando R$ 1,2 milhão.
Umas das transações era o depósito de R$ 24 mil em cheque na conta da mulher de Bolsonaro. Naquele momento, o presidente disse que seria o pagamento por uma dívida que Queiroz tinha com ele. Afirmou também que o dinheiro foi depositado para Michelle porque ele não tem "tempo de sair".
"Emprestei dinheiro para ele (Queiroz) em outras oportunidades. Nessa última agora, ele estava com um problema financeiro e uma dívida que ele tinha comigo se acumulou. Não foram R$ 24 mil, foram R$ 40 mil. Se o Coaf quiser retroagir um pouquinho mais, vai chegar nos R$ 40 mil", disse Bolsonaro em dezembro de 2018.
Queiroz, por sua vez, disse inicialmente que a movimentação na sua conta vinha de negócios que ele fazia, como compra e venda de carros usados. Depois, ele admitiu que recolhia parte dos salários dos funcionários do gabinete de Flávio Bolsonaro, mas afirmou que usava esse dinheiro para contratar outras pessoas, ampliando a equipe a serviço do mandato. Segundo Queiroz, o então deputado estadual não tinha conhecimento disso.
3. Quais os próximos passos da investigação contra Queiroz e Flávio?
A apuração do Ministério Público do Rio de Janeiro indica que Queiroz seria o operador de um esquema de rachadinha no gabinete de Flávio Bolsonaro e aponta que ele teria feito até 2018 diversos pagamentos em dinheiro vivo de contas do então deputado estadual, como boletos de plano de saúde da família e mensalidades escolares de suas duas filhas. Em entrevista ao jornal O Globo publicada na quarta-feira (05/08), Flávio reconheceu pela primeira vez que Queiroz pagava contas suas, mas negou ilegalidades.
"Pode ser que, por ventura eu tenha mandado, sim, o Queiroz pagar uma conta minha. Eu pego dinheiro meu, dou para ele, ele vai ao banco e paga para mim. Querer vincular isso a alguma espécie de esquema que eu tenha com o Queiroz é como criminalizar qualquer secretário que vá pagar a conta de um patrão no banco. Não posso mandar ninguém pagar uma conta para mim no banco?", justificou o senador.
Ao término da investigação, Queiroz e Flávio podem vir a ser denunciados pelos crimes de peculato (desvio de recurso público), lavagem de dinheiro e organização criminosa. No momento, porém, o caso está em suspenso à espera de uma definição do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre se Flávio tem ou não direito a foro privilegiado.
Inicialmente, a investigação contra o hoje senador correu na primeira instância da Justiça do Rio, já que o STF decidiu em 2018 restringir o foro privilegiado aos casos de crimes relacionados com o exercício do atual mandato político da pessoa investigada. Apesar disso, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) decidiu em junho que o hoje senador teria direito nesta investigação ao foro de deputado estadual, levando o caso para a segunda instância judicial.
O Ministério Público, então, recorreu da decisão do TJ-RJ ao STF e o caso está sob relatoria do ministro Gilmar Mendes. Ele aguarda a manifestação da PGR sobre o recurso para pautar seu julgamento na Segunda Turma do Supremo. Decisões anteriores do STF sobre foro privilegiado indicam que a Corte deve derrubar a decisão do TJ-RJ e retornar o caso para a primeira instância, abrindo caminho para uma denúncia do MP contra Queiroz e Flávio Bolsonaro.