Troca de comando na Petrobras: Bolsonaro repete interferência de Dilma na estatal?

Ações da empresa despencaram com expectativa de que presidente vai segurar reajuste de preços dos combustíveis.

23 fev 2021 - 06h16
(atualizado às 07h24)

As ações da Petrobras derreteram depois que o presidente Jair Bolsonaro decidiu mudar o comando da empresa. Na noite de sexta-feira (19/02), Bolsonaro anunciou o general da reserva Joaquim Silva e Luna para substituir o atual presidente da estatal, Roberto Castello Branco, economista liberal e nome de confiança do ministro da Economia, Paulo Guedes.

As ações preferenciais da estatal fecharam com queda de 21,5%, a R$ 21,45 nesta segunda-feira (22/02), após já terem recuado na sexta. Com isso, a perda de valor da empresa nos dois últimos pregões da Bolsa de Valores chegou a R$ 102,5 bilhões.

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Por trás da troca está a insatisfação do presidente da República com os recentes reajustes no preço da gasolina e do diesel, algo que bate direto no bolso de muitos brasileiros, impactando a popularidade do governo. Com os novos reajustes na semana passada, o preço da gasolina vendida nas refinarias pela Petrobras já subiu neste ano 34,78%, e o diesel, 27,72%.

A decisão levou economistas e políticos a comparar Bolsonaro à ex-presidente Dilma Rousseff, que durante seu governo impediu reajustes nos preços dos combustíveis, de olho no controle da inflação, e causou perdas bilionárias à Petrobras.

"A troca do presidente da Petrobras indica somente uma coisa: vão controlar o preço dos combustíveis na canetada. Vimos esse filme recentemente com a Dilma. O final a gente lembra: quebradeira na estatal", criticou no Twitter o deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP), um dos líderes dos protestos pelo impeachment da petista em 2016.

E como aconteceu na era Dilma, essa tentativa de Bolsonaro de conter a alta dos combustíveis pode ter o efeito oposto daquele desejado pelo presidente. Ao invés de resultar em queda da inflação, a medida pode levar a uma aceleração dos preços, devido à desvalorização do real frente ao dólar, como resultado do aumento da incerteza.

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Foto: BBC News Brasil

Nesta segunda-feira, a expectativa do mercado para o IPCA (o índice de preços do IBGE) em 2021 subiu de 3,62%, na semana passada, para 3,82%. Com isso, o índice oficial de inflação fecharia o ano acima do centro da meta, que é de 3,75% para este ano.

Até mesmo ex-integrantes do governo fizeram a crítica: "Nunca o governo Bolsonaro foi tão parecido com o governo Dilma como hoje", postou também Paulo Uebel, ex-Secretário Especial de Desburocratização do governo Bolsonaro.

Entenda melhor a seguir em três pontos por que a política de combustíveis gera forte desgaste entre Palácio do Planalto e Petrobras há vários governos e como as políticas de combustível de Bolsonaro e Dilma se aproximam ou não.

1) Por que a interferência nos combustíveis gera tanta crítica?

O preço dos combustíveis tem impacto direto na inflação, já que boa parte do transporte de carga no Brasil é feito por rodovias. Ou seja, quando o diesel fica mais caro, por exemplo, o custo do frete também aumenta e isso é repassado para o consumidor final.

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Além disso, o aumento do combustível também impacta o preço do transporte público, como ônibus, e pesa no bolso dos brasileiros que usam carro ou moto para se locomover.

Por isso, o governo federal é pressionado por caminhoneiros e pela população em geral a agir contra o aumento do preço dos combustíveis.

O problema é que os preços dos combustíveis vendidos pela Petrobras são impactados pela cotação internacional do petróleo e pela cotação do dólar, já que a estatal exporta parte do óleo bruto que extrai no Brasil e importa combustível refinado. Quando a empresa não repassa as oscilações da cotação de petróleo e da taxa de câmbio para o preço dos combustíveis, ela acaba tendo prejuízo.

Quem defende que a estatal deve controlar os preços argumenta que a empresa é pública e deve estar a serviço dos brasileiros. Já os que defendem uma política de preços livres ressaltam que a empresa tem capital aberto — ou seja, embora o Estado brasileiro seja o maior acionista, há também investimento privado na estatal.

Além disso, esse grupo argumenta que deixar a estatal no prejuízo vai afetar a sustentabilidade da empresa no longo prazo, limitando sua capacidade de investimento, algo que seria negativo para todos os brasileiros.

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Nesse contexto, intervenções na Petrobras tendem a influenciar a cotação do dólar ao aumentarem as incertezas sobre a economia (e a política econômica) do país, numa espécie de efeito cascata, inclusive afetando os mais pobres.

E essa taxa de câmbio influencia o preço de todas as commodities, incluindo os alimentos vendidos no Brasil. Pesa ainda sobre os custos da indústria, que acabam sendo repassados ao consumidor ou prejudicando a saúde financeira das empresas.

A piora na percepção de risco no país também tende a travar os investimentos das companhias tende a travar os investimentos das companhias, levando a uma redução das expectativas de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) neste ano. E, com a piora do quadro inflacionário, o Banco Central pode ser levado a antecipar a alta da taxa básica de juros (Selic), o que afetaria também as perspectivas para o desempenho da atividade econômica em 2022.

2) Dilma tentou usar Petrobras para segurar inflação no país

O governo Dilma Rousseff foi marcado por inflação alta — no seu primeiro mandato o IPCA, índice de preços do IBGE, teve média anual de 6,17%, acima do centro da meta de inflação do Banco Central, que era de 4,5%.

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Já em 2015, último ano antes do seu impeachment, a inflação bateu 10,67%.

Foi nesse contexto que seu governo intensificou o controle de preços da Petrobras, impedindo que as oscilações do mercado internacional fossem repassadas ao mercado interno e pressionassem ainda mais a inflação.

Segundo cálculos do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), as perdas acumuladas pela Petrobras entre 2011 e 2014 (primeiro mandato de Dilma) por causa dessa política de preços superaram R$ 70 bilhões.

Com o impeachment da petista, o novo presidente, Michel Temer, adotou uma política bastante diferente, permitindo repasses diários da oscilação do mercado internacional para os preços dos combustíveis no mercado interno.

Isso contribuiu para que a estatal se recuperasse financeiramente, mas culminou em uma forte greve de caminhoneiros em maio de 2018, que afetou o desempenho da economia naquele ano. Além de protestar contra os aumentos, a categoria reclamava que os reajustes diários impediam a previsibilidade do custo do frete.

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Para evitar novas paralisações, o governo estabeleceu temporariamente subsídios no preço dos combustíveis para os caminhoneiros.

3) Como tem sido a política de preços no governo Bolsonaro?

O presidente foi eleito em 2018 com a promessa de uma gestão bastante liberal na economia, em que o ministro Paulo Guedes teria grande autonomia para conduzir a política econômica.

Isso incluía manter a prática do governo Temer de permitir que a Petrobras reajustasse os combustíveis sempre que necessário para manter a lucratividade da empresa.

No entanto, já em abril de 2019, poucos meses após Bolsonaro assumir o cargo, ele ligou para o presidente da estatal, Castello Branco, para vetar novo reajuste no preço do diesel. Isso fez os papéis da empresa recuarem mais 8% em um dia, o que significou uma perda de R$ 32 bilhões no valor de mercado da estatal.

Com a repercussão negativa, logo depois o preço do diesel foi reajustado, mas em percentual um pouco abaixo do anunciado pela empresa inicialmente. Para agradar os caminhoneiros, o governo na ocasião anunciou uma linha de crédito para a categoria e investimentos para melhorar rodovias.

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Agora, a decisão do governo de trocar o comando da estatal vem em um novo momento de alta acentuada no preço dos combustíveis.

Bolsonaro tem respondido às críticas à mudança na presidência da Petrobras lembrando que ele tem a prerrogativa de indicar o comando da empresa, já que a União é o maior acionista.

"Dia 20 de março encerra o prazo da vigência do atual presidente (da Petrobras). É direito meu reconduzi-lo ou não. Ele não será reconduzido. Qual o problema? É sinal de que alguns do mercado financeiro estão muito felizes com a política que só tem um viés na Petrobras, atender aos interesses próprios de alguns grupos do Brasil, nada mais além disso", disse o presidente a apoiadores nesta segunda-feira (22/02).

Ele também negou que esteja interferindo nos preços da estatal e disse que sua exigência é por "transparência e previsibilidade" nos preços.

O especialista no setor de petróleo, David Zylbersztajn, professor da PUC-Rio, considera que ainda é cedo para dizer que Bolsonaro "dilmou" no comando da estatal, já que realmente não houve até o momento uma represamento no repasse da variação internacional para os preços domésticos.

Ele ressalta, porém, o efeito negativo das falas do presidente, que tem constantemente criticado os reajustes da estatal. Isso, afirma Zylbersztajn, gera uma expectativa no mercado de que haverá uma mudança na política de preços.

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Segundo o professor da PUC-Rio, a forma como o presidente está conduzindo a questão também deve impactar negativamente os investimentos em refino de petróleo no Brasil.

Desde de o governo Temer, a Petrobras tem um plano de venda de refinarias, para focar seus investimentos em extração de petróleo no pré-sal. A gestão Castello Branco tem dado andamento a esse processo, por considerar que as refinarias criadas nos governos PT foram um investimento ruim para a estatal.

A perspectiva de que a Petrobras possa voltar a subsidiar os preços, porém, deixará investidores preocupados com a concorrência no mercado de combustíveis, diz Zylbersztajn.

"Quem vai entrar com dinheiro para comprar uma refinaria, que é um investimento altíssimo, não pode correr riscos de amanhã você mudar a política de preços", ressalta.

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