Vetar ou não? A difícil escolha de Bolsonaro na polêmica 'minirreforma eleitoral'

Presidente da República tem que pesar opinião dos senadores, a possibilidade dos vetos serem derrubados no Congresso e a gritaria nas redes sociais contra pontos do projeto.

22 set 2019 - 07h06
(atualizado às 09h21)

O presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), tem diante de si uma escolha difícil: vetar ou não o projeto da "minirreforma eleitoral" aprovada pelo Congresso nesta semana. Para tomar uma decisão, Bolsonaro tem que pesar a opinião dos deputados e senadores - que julgarão os vetos, se forem feitos - e também o clamor de seus apoiadores, que se manifestaram nas redes sociais contra o projeto.

Na tarde desta quinta-feira (19), as hashtags #MaiaTraidorDaPatria e #VetaBolsonaro permaneceram entre os assuntos mais comentados do dia, com postagens principalmente dos apoiadores do presidente.

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No começo da noite de quinta, Bolsonaro fez sua tradicional transmissão ao vivo no Facebook, mas não comentou a minirreforma eleitoral
No começo da noite de quinta, Bolsonaro fez sua tradicional transmissão ao vivo no Facebook, mas não comentou a minirreforma eleitoral
Foto: EVARISTO SA/AFP/Getty Images / BBC News Brasil

A nova lei permite o aumento do valor destinado aos partidos políticos nas eleições de 2020, por meio do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). Ao mesmo tempo, diminui o controle sobre a forma como os partidos políticos usam o dinheiro público.

A "minirreforma" criou uma série de possibilidades novas para o uso do dinheiro público recebido pelos partidos. O Fundo Partidário, que em 2019 distribuirá R$ 927.750.560,00 entre 21 dos 35 partidos políticos registrados no país, poderá ser usado para comprar ou reformar imóveis; para adquirir passagens aéreas para qualquer pessoa (inclusive não filiados aos partidos) e até para impulsionar publicações em redes sociais e mecanismos de busca (como o Google).

A reforma também pode prejudicar a aplicação da chamada Lei da Ficha Limpa, segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil: hoje, a inelegibilidade é julgada no registro das candidaturas. Com a nova lei, passa a ser julgada somente no momento da posse, depois das eleições.

Se a lei for sancionada tal como se encontra, os partidos também poderão contratar consultores e advogados para atuar durante o período das campanhas, sem limite de valor e sem que esses gastos sejam computados no limite de gastos das campanhas.

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A "minirreforma" criou uma série de possibilidades novas para o uso do dinheiro público recebido pelos partidos
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

O calendário é outro fator de pressão sobre o presidente da República neste momento: o prazo para Bolsonaro sancionar o projeto termina no dia 10 de outubro. Mas, para valer nas eleições municipais de 2020, como desejam a maioria dos partidos, o texto precisa ser sancionado um ano antes do pleito - até o dia 4 do mês que vem.

No começo da noite de quinta, Bolsonaro fez sua tradicional live no Facebook, mas não comentou o assunto. A BBC News Brasil apurou que a redação final não tinha nem chegado ao Palácio do Planalto no fim da tarde desta quinta-feira (19).

Câmara vs. Senado

As votações desta semana deixam claro que há divergências entre oos deputados e os senadores sobre o texto da minirreforma - o texto aprovado tem mais apoio na Câmara, onde muitos deputados terão aliados disputando as eleições de 2020.

No Senado, a maioria defende uma versão enxuta do projeto: na noite de terça (17), os senadores aprovaram uma versão que tratava apenas do Fundo Eleitoral, sem qualquer mudança nas regras de fiscalização dos partidos, tratando apenas de aumentar o valor do Fundo Eleitoral. Na noite seguinte, a Câmara trouxe de volta a maior parte do projeto, excluindo alguns pontos considerados mais polêmicos.

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O deputado Daniel Coelho (Cidadania-PE), que foi contra o projeto, usou a posição dos senadores para argumentar com seus colegas. Segundo Coelho, a aprovação do projeto criaria uma sensação de "falsa vitória" para os deputados.

"Está muito evidente que quem está querendo principalmente fazer oposição ao governo está dando uma bola para o presidente chutar. Ele vai vetar e vai manter o texto do Senado. Inclusive, a reforma da Previdência está lá. É o Senado que o presidente está querendo agradar neste momento. É lá que está a aprovação da ida do filho dele (Eduardo Bolsonaro) para Washington (como embaixador do Brasil)", disse Coelho na tribuna.

Além dos argumentos citados por Coelho, há mais um fator: o partido Podemos (antigo PTN). A sigla é uma das mais prejudicadas pelo projeto da minirreforma. Perderá cerca de R$ 30 milhões na distribuição do Fundo Eleitoral em 2020, segundo disse o líder na Câmara, José Nelto, ao jornal O Estado de S. Paulo. O partido tem hoje a segunda maior bancada no Senado, com 12 integrantes (a maior é a do MDB, com 13 senadores).

Entre os deputados, a maioria é favorável ao texto - o que põe em risco os vetos de Bolsonaro.

Nelto disse que vai organizar deputados e senadores contrários ao projeto da "minirreforma" para ir ao Palácio do Planalto pedir o veto de Bolsonaro.

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"Foi aprovado um texto que melhorou o texto inicial da Câmara (...), agora cabe ao presidente o poder de veto. Nós entendemos que a maior parte do texto representa um avanço. Alguns interpretam alguns temas de uma forma que a gente discorda. O presidente agora vai decidir o que ele vai sancionar e o que vai vetar", disse o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), na tarde desta quinta-feira (19).

Votações desta semana expuseram divergências entre os deputados e os senadores sobre o texto da minirreforma
Foto: Roque de Sá/Agência Senado / BBC News Brasil

Os vetos presidenciais são julgados numa reunião conjunta de deputados e senadores - uma sessão do Congresso. Para derrubar um veto presidencial, são necessários os votos de pelo menos 257 dos 513 deputados e 41 dos 81 senadores - se o número não for atingido em qualquer uma das Casas, o veto permanece. Depois que o presidente decide sobre os vetos, o Congresso tem até 30 dias para decidir se os mantém ou não.

O projeto da "minirreforma" nasceu na Câmara dos Deputados. Foi apresentado em novembro de 2018 por deputados do PP, do MDB, do PSD e Solidariedade - mas a versão original tratava apenas da relação trabalhista entre os partidos e seus funcionários. A forma atual foi criada pelo relator na Câmara, Wilson Santiago (PTB-PB). O texto foi aprovado pela primeira vez pelos deputados por 263 votos a 144, no dia 4 de setembro deste ano.

Na noite de quarta, o texto principal do projeto foi aprovado por 252 votos a 150. PP, MDB, PT, PL, PSD PSB, PRB, DEM, PDT, Solidariedade, PSC e PC do B orientaram seus deputados a votarem a favor.

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Já PSL, PSDB, Podemos, PSOL, Cidadania, Novo, PV, PMN e Rede ficaram contra.

'Pressão está menor que no abuso de autoridade'

Deputados que são contrários ao texto da minirreforma têm avaliações diferentes sobre a possibilidade de Bolsonaro comprar a briga com parte do Congresso ao fazer os vetos.

O deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) diz acreditar que Bolsonaro agirá da mesma forma como no projeto do abuso de autoridade - quando 19 pontos foram vetados pelo presidente.

"Ele já comprou a briga daquela vez, não tem porque não comprar desta. E o apoio a este projeto (no Congresso) foi menor do que no caso do abuso de autoridade", diz ele.

Já para a deputada Carla Zambelli (PSL-SP), a reação à "minirreforma" não está tão grande nas redes sociais quanto no caso do projeto do abuso de autoridade, apesar das hashtags - e a falta de mobilização dos apoiadores do presidente da República aumenta o custo para Bolsonaro caso decida pelo veto.

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"O que aconteceu ontem (quarta, 18) foi uma aprovação relâmpago. O grande ponto é que foi impressionante a quantidade de votos (de deputados) que eles (os defensores da 'minirreforma') conseguiram mobilizar. Não vai ser fácil manter os vetos. Se o presidente da República vetar, não vai ser como no (projeto de lei contra o) abuso de autoridade. A população não está com o mesmo 'sangue no olho', até por ser um projeto muito mais complexo, com muito mais coisas difíceis de entender", diz ela.

"Desta vez, o que nós vimos foram as pessoas no Twitter culpando o Rodrigo Maia (DEM-RJ), como se ele fosse o único responsável pelo que aconteceu", diz ela

"Tivemos alguns partidos contrários, como o Podemos, o Cidadania (antigo PPS), o Novo e o PSL. Mas, em geral, as outras bancadas estão a favor do texto que passou", disse.

Texto continua nocivo, dizem entidades e especialistas

Nos próximos dias, um grupo de entidades que militam pela transparência das contas públicas enviará uma carta ao presidente Bolsonaro pedindo a ele que vete pontos do texto aprovado pelo Congresso - o grupo se dirigiu a Rodrigo Maia quando a Câmara estava prestes a votar o texto.

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Segundo Gil Castello Branco, fundador da ONG Contas Abertas, o texto continua prejudicial à transparência no uso do dinheiro público.

"No fundo, (a proposta) é fruto da falta de visão dos partidos. O que eles enxergam é que estariam tendo um benefício a curto prazo nas eleições de 2022. Mas não percebem que, dessa forma, ampliam ainda mais o fosso entre eles e a sociedade", diz. A Contas Abertas é uma das entidades signatárias da carta a Bolsonaro.

Para Gil Castello Branco, fundador da ONG Contas Abertas, texto continua prejudicial à transparência no uso do dinheiro público
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

"O projeto tinha potencial de trazer grandes retrocessos para dois pilares da democracia: a questão da transparência, e a integridade. Em relação à transparência, houve uma vitória. Os dispositivos que eram mais problemáticos foram removidos", diz o diretor-executivo do movimento Transparência Partidária, Marcelo Issa.

"Mas, no caso da integridade e do combate à corrupção, quase todos os pontos mais alarmantes permaneceram. São esses pontos que vamos defender que sejam vetados, porque abrem margem para práticas como o caixa dois e a lavagem de dinheiro", diz Issa.

Um dos principais problemas, diz Gil Castello Branco, é o fato de o texto permitir que políticos enquadrados na Lei da Ficha Limpa concorram nas eleições e só tenham seus casos julgados na posse - hoje, precisam ser julgados no momento do registro da candidatura.

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O cientista político Jairo Nicolau, um dos principais estudiosos dos partidos políticos no Brasil, também escreveu sobre o assunto. "Nenhum dos pontos da reforma eleitoral aprovada na Câmara era necessário. Quase todos servem apenas para aumentar os recursos dos que têm mandato e diminuir a transparência do uso do dinheiro na política. Dessa vez, sem comissão especial ou qualquer debate público", disse ele.

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