RIO - Um dos alvos preferidos do presidente Jair Bolsonaro, o governador do Rio, Wilson Witzel, disse ao Estado que as acusações feitas pelo ex-ministro Sérgio Moro sobre o mandatário são graves e podem configurar crimes como advocacia administrativa e abuso de autoridade. Num cenário em que o presidente já dava sinais de cometer crime de responsabilidade, com a convocação para atos contrários às instituições, o tema impeachment se tornou inevitável, afirma o governador.
Witzel criticou a tentativa do presidente de controlar a Polícia Federal e de personalizar a instituição, como no caso em que assumiu ter pedido a um delegado apurações sobre um de seus filhos, Jair Renan. Isso gera, segundo ele, um desequilíbrio institucional.
"Ele, por exemplo, me tem como desafeto. Eu não me sinto seguro ao saber que o presidente pode fazer interferência na PF", aponta, indicando que a polícia poderia ser usada como arma política pelo presidente. "Gera um desequilíbrio institucional. E evidentemente vai gerar mais pedidos de impeachment."
Sobre a possibilidade de impeachment, apesar de reconhecer que a discussão é inevitável neste momento, Witzel diz que, como ex-juiz, tem dificuldade de comentar um processo judicial.
"Já virou um tema inevitável. Cabe agora ao Supremo decidir a questão. Talvez por vício judicial, não costumo me manifestar quando tem um processo em curso", divaga. Ele comenta, no entanto, que o impeachment tem caráter político e que cabe ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, avaliar o que for apresentado.
As acusações de interferência na PF, lembra o governador, vêm num contexto em que o presidente vinha "atrapalhando" no combate à pandemia do coronavírus e atacando governadores e prefeitos. Para ele, a convocação e participação de Bolsonaro nos atos contrários ao isolamento social e favoráveis a rupturas institucionais já poderiam configurar crime de responsabilidade e até crime contra a humanidade.
Desafeto do presidente desde o ano passado, Witzel vive há pelo menos sete meses uma relação de ataques vindos do Planalto, com quem não tem mais diálogo. A relação entre os dois azedou quando o governador manifestou interesse em concorrer à Presidência em 2022, mas piorou de vez quando Bolsonaro o acusou de interferir nas investigações da morte de Marielle Franco para incriminá-lo.
Agora, com Moro citando indícios de interferência do próprio presidente na PF, Witzel acha que Bolsonaro se olhava no espelho quando o acusava de influenciar o trabalho da Polícia Civil do Rio. "Ao que parece, ele me mediu pela régua dele. Mas eu jamais participaria de qualquer ato de interferência para prejudicar quem quer que seja. Um ponto de contato entre o que o Moro fala e eu defendo é a independência das estruturas de investigação."
Mais cedo, após o pronunciamento de demissão de Moro, Witzel postou no Twitter que as portas do Palácio Guanabara estavam abertas para o ex-ministro, que teria carta branca para atuar com independência. Questionado se a mensagem era algo mais genérico ou se pretendia de fato convidá-lo para o governo fluminense, ele afirmou que pretende criar uma secretaria de Justiça no Estado para fazer uma integração das polícias com o Ministério Público e o Judiciário. Falta, contudo, conseguir o telefone do ex-colega de magistratura.
Assisto com tristeza ao pedido de demissão do meu ex-colega, o Juiz Federal Sergio Moro, cujos princípios adotamos em nossa vida profissional com uma missão: o combate ao crime. Ficaria honrado com sua presença em meu governo porque aqui, vossa excelência, tem carta branca sempre
— Wilson Witzel (@wilsonwitzel) April 24, 2020
"Não tenho o telefone dele, mas vou procurar. Vou fazer o convite. Moro tem muita experiência no trabalho de polícia judiciária. Quero criar uma secretaria que possa fazer essa integração. Ele teria muito a acrescer aqui até para avançar no combate à lavagem de dinheiro e ao tráfico de armas e drogas", diz.
Witzel está na fase final de recuperação da covid-19 - ele anunciou na semana passada que havia sido infectado pelo coronavírus. Sua esposa, Helena, confirmou nesta quinta-feira que também foi contaminada. Ambos estão em isolamento na residência oficial do governo, na zona sul do Rio.