Após mais de três anos expondo as entranhas do sistema político-empresarial brasileiro, a operação Lava Jato acumulou acusações contra 281 pessoas e recuperou 10 bilhões de reais. Recentemente, também houve um marco histórico: a condenação criminal de um ex-presidente da República.
Mas a operação também sofre com cortes, especialmente a Polícia Federal, que recentemente extinguiu a força-tarefa de Curitiba dedicada exclusivamente ao caso. O mundo político, duramente atingido, também está reagindo. No fim de semana, o vice-presidente da Câmara, Fábio Ramalho (PMDB-MG), chegou a afirmar que a operação tem que ter "prazo de validade".
Em entrevista à DW Brasil, o procurador Paulo Roberto Galvão, um dos membros da força-tarefa do Ministério Público Federal dedicada à Lava Jato em Curitiba, afirma que os políticos e pessoas do governo "perderam a vergonha" de se posicionar abertamente contra a operação.
Ele também diz que setores da imprensa e alguns articulistas, que tinham uma postura favorável à operação quando o PT ainda estava no governo, reverteram sua posição após a mudança de presidente: "Críticas que antes não era feitas, surgiram agora."
DW Brasil: Mais de três anos depois do início, quais são os maiores riscos enfrentados pela Lava Jato? Os políticos, empresários e operadores atingidos ou que temem ser alvo estão conseguindo formar uma reação?
Paulo Roberto Galvão: Já tem algum tempo que a gente vê isso, não é de agora - não é inclusive só desse governo. Cada vez mais as iniciativas vão se concretizando e cada vez mais os políticos e as pessoas na administração perdem a vergonha do que estão fazendo. Enquanto no começo o discurso era de apoiar a Lava Jato, ainda que colocando alguns poréns, agora a coisa já é bem clara. É um discurso aberto contra a operação. Eles deixaram de ter aquela certa noção de que precisavam responder perante o público pelos seus atos.
De concreto, vimos nas últimas semanas notícias sobre eventuais mudanças no Código Penal para diminuir as delações premiadas, mudanças na Ficha Limpa e na prisão de pessoas após segunda instância. Coisas que são conquistas da sociedade. Querem mudar porque as investigações estão chegando a determinadas pessoas. Ano passado se discutiu ainda a anistia ao caixa dois e alterações na lei de leniência. Ainda há questão da lei de abuso de autoridade. Estamos vendo a investigação sob ataque o tempo inteiro. Quanto mais as pessoas envolvidas nas investigações pensarem exclusivamente em se salvar, mais próximo a gente chega da possibilidade de alguma dessas iniciativas se concretizar. É necessário que a imprensa e a população estejam sempre atentos a esse tipo de manobra.
A Lava Jato sempre deu importância para o papel da imprensa em divulgar o resultado das investigações. Como o senhor avalia o que parece ser uma mudança de postura de alguns veículos e jornalistas, que antes apoiavam a operação, mas agora vem se mostrando mais críticos?
Sempre soubemos que, enquanto o governo fosse do PT, nós teríamos um apoio que seria mais forte entre alguns setores da imprensa - e que isso poderia ser revertido se houvesse uma mudança de governo. Isso ficou muito claro agora. Críticas que antes não era feitas, surgiram agora. E isso fez com que aparecessem situações altamente contraditórias. Mas a meu ver uma parte da população não está caindo nesse tipo de coisa.
A situação chega a beirar ao ridículo. Aparecem defesas de situações que são indefensáveis por parte de setores da mídia. A operação tenta ser técnica, nosso trabalho é baseado em provas, a gente vai aonde elas nos levam. Mas sabemos que estamos no meio de um jogo político. Qualquer movimento que a operação faça, porque as provas nos levam para um lado, resulta em pedradas desse lado e aplausos do oposto. Então vemos essas situações ridículas em que a mesma pessoa que critica a operação quando ela vai para um lado, elogia quando vai para outro.
Há algum risco de que essas críticas acabem levando a um cansaço da Lava Jato entre a população, semelhante ao que aconteceu com a Operação Mãos Limpas na Itália?
Isso sempre foi uma preocupação nossa, por conta das repetidas mentiras que são ditas, de que houvesse o risco de que a população se voltasse um pouco contra a operação. Isso aconteceu na Itália por conta de alguns episódios. É interessante que essas mentiras são ditas por ambos os lados do espectro político, esquerda e direita, e por alguns setores da imprensa.
Mas eu, particularmente, não acredito no risco de a população brasileira se voltar contra a operação. Apesar de todos esses ataques, a gente vê que a operação mantém a credibilidade. Talvez isso seja decorrência de algo que não existia na Itália da época, que o fato de a gente divulgar diretamente para a população informações práticas sobre a operação, como no nosso site. Qualquer pessoa pode entrar lá e ler as denúncias. Assim é mais difícil que se consiga uma reversão desse apoio. É claro que não é impossível, então temos que manter a atenção.
Como o MPF em Curitiba avalia o fim da força-tarefa da PF local dedicada exclusivamente à Lava Jato?
Em geral, a opinião é bem negativa sobre esse episódio. A PF ainda tem muito trabalho para ser feito no caso. Nessa decisão, a gente não tem aquela evidência de onde exatamente partiu, mas é fato que mesmo antes da extinção desse grupo a PF em Curitiba já sofria com uma diminuição da disponibilidade. Isso não deveria estar acontecendo se a intenção institucional fosse dar prioridade à Lava Jato.
A gente sabe que o delegado local assumiu a responsabilidade sobre a decisão, mas de qualquer forma, não importa muito de onde veio. O que importa é que isso é a culminação desse tratamento que vem sendo dado já há algum tempo no sentido de diminuir os recursos humanos e materiais da PF em Curitiba.
A PF ainda exerce um trabalho muito importante na Lava Jato. Nós temos uma série de materiais apreendidos aguardando análise. Há muita coisa dentro da Petrobras para ser feita, ainda tem muita empresa para ser punida.
O senhor encara esses cortes na PF como resultado de maquinações do mundo político?
É difícil para a gente afirmar algo sobre algo que acontece nas entranhas do poder. O que posso dizer é que, se a Lava Jato fosse encarada como prioridade, eles conseguiriam um jeito de direcionar mais recursos humanos e materiais para a investigação. Isso é fato. Por mais que o país esteja em crise, o trabalho da Lava Jato recupera dinheiro para o Brasil.
Alguma crítica direcionada à Lava Jato provocou alguma mudança no trabalho do MPF em Curitiba?
Temos que sempre fazer sempre uma autocrítica e percebermos onde estamos errando. Ninguém é perfeito. Mas não saberia citar um exemplo agora.
O episódio da apresentação da denúncia contra Lula foi muito criticado e classificado como espetaculização. Vocês fariam o mesmo tipo de apresentação agora?
O episódio da denúncia foi muito pontual. Nós já tínhamos feito várias apresentações em Curitiba. Claro que o resultado daquela não foi o esperado. Acabou atraindo muita atenção para um aspecto negativo. Teve a história de uma frase que nunca foi dita que acabou sendo propagada como verdade. Mas a gente entende que isso é "hindsight", quando você olha para trás é mais fácil você achar que outra decisão teria sido mais correta. Não é que a gente mudou a forma de apresentar denúncias, a gente faria da mesma forma, mas se soubesse que o aspecto negativo seria tão destacado, talvez teríamos mudado o foco da apresentação.
A Lava Jato tem um fim à vista?
Não temos fim à vista. Enquanto houver crimes a serem revelados, não nos cabe a decisão de interromper porque eventualmente achamos que já foi suficiente. Isso seria uma atitude altamente irresponsável e contrária aos nossos deveres funcionais e à Constituição. Não somos nós que escolhemos quando a operação vai acabar. Ela vai acabar quando chegarmos ao fim dos crimes que ainda podem ser descobertos. Quando esses crimes tomam uma proporção de quanto mais se investiga, mais se descobre, a única possibilidade é seguir em frente.
A condenação criminal de Lula foi a primeira contra um ex-presidente no Brasil. O MPF encarou o episódio como um marco da operação?
Não foi um marco por se tratar de um ex-presidente, ou especificamente do Lula. Na minha visão, o que é importante é que se conseguiu demonstrar pela primeira vez que esse esquema que tomou a Petrobras e praticamente toda a administração pública federal não poderia ter acontecido sem um comando. Foi demonstrando que esse esquema vitimou o país por conta de um projeto de comando. Essa é a relevância da condenação.
Surgiram críticas de que Lula foi condenado sem provas...
Nossa denúncia, por ser muito técnica, talvez tenha sido difícil de ser compreendida. Quando saiu a sentença, já com a análise de todas as provas, ficou mais fácil para qualquer pessoa ler tudo e ter uma ampla compreensão. Muita gente da imprensa, inclusive da Alemanha, repetiu que o ex-presidente foi condenado porque uma empresa qualquer havia pago uma reforma no apartamento dele. Isso é de uma irresponsabilidade jornalística tremenda.
Se você pegar a sentença, vai ver a quantidade imensa de provas de que o ex-presidente também foi responsabilizado pela propina que foi paga ao PT no âmbito da Petrobras - os recursos que foram pagos pela empreiteira OAS para o partido. Então não é uma empresa qualquer que pagou uma reforma. É uma empresa que participou de um megaesquema de corrupção dentro da Petrobras e outras esferas do governo federal. É um esquema de corrupção que nunca poderia ter ocorrido sem a participação de toda uma cadeia de comando da administração pública federal.
Nos últimos anos, a Lava Jato atingiu em cheio o Legislativo e o Executivo. Há algum expectativa de o Judiciário, um poder também cheio de suspeitas, também vir a ser alvo da operação?
É uma pergunta que não tem como responder. Não temos uma bola de cristal para fazer essa previsão. É um equívoco achar que a gente tem um alvo. Nós vamos aonde as provas nos levam. Até o presente momento na Lava Jato, as provas não nos levaram para uma situação dentro do Judiciário que se compare ao que foi encontrado no Executivo e no Legislativo. Se isso acontecer, vai depender das provas que surgirem.
Mesmo com a reação do mundo político, houve alguma melhora no sistema por causa dos resultados da operação?
Existe, é claro, uma expectativa de que o sistema melhore, mas a gente não viu até agora as movimentações necessárias do próprio sistema político para essa melhora. Não vimos as reformas necessárias. As medidas anticorrupção foram rechaçadas. Não existe movimentação por uma reforma que tenha por objetivo moralizar a política. Nós não podemos fazer isso sozinhos. Quem tem que fazer é a população. E talvez o movimento que a população tem para demonstrar que deseja realmente essa melhoria ocorra nas próximas eleições.
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