Por que o leilão do pré-sal resultou no 'pior cenário' para o governo

Governo esperava receber R$ 106,5 bilhões por quatro áreas de exploração, mas o valor arrecadado foi de R$ 69,8 bilhões

6 nov 2019 - 15h11
(atualizado às 15h51)
Valor arrecadado de R$ 69,8 bilhões ficou abaixo dos R$ 106,5 bilhões esperados, e duas áreas não tiveram interessados
Valor arrecadado de R$ 69,8 bilhões ficou abaixo dos R$ 106,5 bilhões esperados, e duas áreas não tiveram interessados
Foto: Reuters / BBC News Brasil

O governo pediu um valor alto demais pelos quatro campos de petróleo do pré-sal da Bacia de Santos que foram a leilão nesta quarta-feira (6/11) e o resultado acabou sendo frustrante, avaliaram especialistas em mercado internacional do petróleo ouvidos pela BBC News Brasil.

A expectativa do governo era receber R$ 106,5 bilhões por quatro áreas de exploração, e o valor arrecadado foi de R$ 69,8 bilhões por dois desses campos (Búzios, o mais valioso, por R$ 68,2 bilhões, e Itapu por R$ 1,6 bilhão). Os outros dois campos (Sépia e Atapu) não receberam ofertas.

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Além do valor abaixo do previsto, o leilão atraiu poucas empresas estrangeiras.

Em um dos campos, o de Búzios, a oferta foi vencida por um consórcio formado pela Petrobras com as empresas chinesas CNOOC e CNODC. Os chineses, porém, vão entrar com apenas 10% do total, menos de R$ 7 bilhões, e o restante será pago pela Petrobras. Já para o outro campo, o de Itapu, a única oferta foi a da Petrobras.

Como não houve concorrência (e as únicas estrangeiras a participar foram as que se uniram à Petrobras), os campos foram arrematados pelo lance mínimo previsto. Nesse tipo de leilão, além do valor fixo a ser pago para cada um dos campos, a disputa se dá pela oferta de petróleo ao governo durante o período de contrato (30 anos).

"Ficou muito claro que o governo errou a mão na definição dos bônus, cobrou caro demais. O fato de a geologia na área ser de baixíssimo risco, e a oferta era por campos com petróleo já descobertos, expõe esse erro ainda mais", disse o economista Edmar Fagundes de Almeida, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

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O ministro de Minas e Energia disse que leilão foi um sucesso, mas pode rever metodologia para atrair mais empresas estrangeiras em futuros leilões
Foto: ABR / BBC News Brasil

"Isso resultou no pior cenário possível para esse leilão. Dois campos arrematados pela própria Petrobras, sem concorrência, e pelo lance mínimo possível para os dois campos", disse Fagundes.

"Então, não é apenas o fato de ter recebido um valor inferior ao que esperava, mas também de que no futuro o lucro vai ser mais baixo. O governo ficou preso com um contrato com valor mínimo por 30 anos. É preocupante."

Para Fagundes, a estratégia definida pela Petrobras foi "inadequada". "Um leilão bem feito é o que tem competição. O governo falhou ao não dar margem para essa competição acontecer, ao colocar o preço lá no alto, o mais caro já cobrado no país, os R$ 106,5 bilhões que o governo esperava receber, e acabaram frustrados."

Para o economista Helder Queiroz Pinto Junior, professor da UFRJ especialista em financiamento e regulamentação do setor energético, a indefinição em relação ao ressarcimento a ser pago para a própria Petrobras — que investe na área desde 2010 e, por isso, na definição do modelo do leilão, deveria receber de volta parte desse investimento — desestimulou a entrada de concorrentes.

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O presidente da ANP afirmou que o resultado foi dentro do esperado e que reconheceu que condições inibiram a concorrência
Foto: ABR / BBC News Brasil

A Petrobras pedia R$ 45 bilhões de ressarcimento pelo que investiu na área desde 2010 — nos cálculos do Tribunal de Contas da União, o valor deveria ser de R$ 34 bilhões.

"As empresas temeram que a negociação sobre esse ressarcimento levasse muito tempo, ou que fosse parar na Justiça, e, por isso, decidiram não concorrer", disse Queiroz. "É um resultado frustrante porque é sabido que o volume de petróleo nessa área é elevado e com possibilidade de a produção começar rapidamente. Se não atraiu investidores, é porque o modelo definido pelo governo foi falho."

Justificativas

Em coletiva de imprensa depois do leilão, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, minimizou a ausência de empresas estrangeiras e afirmou que os resultados "cumpriram com as expectativas". "Foi o maior valor arrecadado em bônus em leilões de petróleo no Brasil, é um motivo de orgulho para o governo", afirmou.

Governo afirmou que áreas que não tiveram lances serão leiloadas novamente em 2020
Foto: Divulgação / BBC News Brasil

Questionado sobre o motivo de as grandes multinacionais não terem participado, Albuquerque disse que "é necessário avaliar" as razões que fizeram com que essas empresas não participassem.

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O ministro afirmou, no entanto, que após o novo leilão de cinco campos do pré-sal nesta quinta-feira (7/11), o governo vai avaliar a participação de empresas estrangeiras, para verificar se será necessário "rever a metodologia" para as próximas ofertas.

"A Petrobras exerceu o direito de preferência sobre duas áreas, e já era prevista sua participação. Duas petroleiras chinesas que já se encontram em operação no Brasil e em outras áreas do mundo e são importantes, mas como sabemos amanhã será realizado novo leilão do pré-sal, com outras características, temos que aguardar para ver qual será a participação das outras empresas para, depois, termos um cenário em que possa talvez rever a metodologia e outros parâmetros para o sucesso dos próximos leilões."

Já o presidente da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Décio Oddone, disse que a participação da Petrobras no leilão teve impacto na decisão de outras empresas participarem. "O fato da Petrobras ser a companhia que tem prioridade para escolher operação inibe a concorrência", afirmou, na entrevista coletiva.

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