As forças de segurança do Paraguai entraram em alerta máximo depois que se descobriu neste domingo (19) que 75 presos fugiram da penitenciária de Pedro Juan Caballero, a maioria suspeita de pertencer à facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC).
Agentes da polícia e das Forças Armadas foram enviados para reforçar a segurança em outros presídios do país. Dos 75 fugitivos, 40 são brasileiros e 35, paraguaios.
Um túnel de 20 metros, que partia de um dos banheiros até uma rua nos arredores da unidade prisional, foi descoberto. Apesar disso, o ministro do Interior, Euclides Acevedo, diz acreditar que não houve uma fuga, e sim uma "libertação de presos", grande parte de "alta periculosidade".
"Encontramos um túnel e acreditamos que esse túnel foi uma cortina de fumaça para maquiar a liberação dos presos. Há cúmplices dentro da prisão e esse é um fenômeno que acontece em todas as penitenciárias", afirmou Acevedo.
Segundo ele, investigadores afirmam que alguns dos fugitivos deixaram o local ao longo da semana passada pela porta da unidade prisional, que fica a menos de 10 km da fronteira com a cidade brasileira de Ponta Porã (MS).
"Estamos trabalhando junto com as forças estaduais para impedir a reentrada no Brasil dos criminosos que fugiram de prisão do Paraguai. Se voltarem ao Brasil, ganham passagem só de ida para presídio federal", escreveu no Twitter o ministro brasileiro Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública).
A atuação do PCC no país vizinho ocorre há mais de uma década, mas se intensificou nos últimos anos em meio à internacionalização da facção criminosa surgida em presídios paulistas nos anos 1990.
Estima-se que o Paraguai seja um dos países da América Latina com maior presença de membros do PCC fora do Brasil, com mais de 500 pessoas.
Mas por que o Paraguai é tão estratégico para as operações de tráfico de drogas e armas do PCC, que já atua em todos os Estados brasileiros?
Expansão sul-americana
Para Camila Nunes Dias, professora da Universidade Federal do ABC e autora de dois livros sobre o PCC, desde o fim dos anos 1990 várias organizações criminosas brasileiras migraram para países vizinhos, em especial o Paraguai, não só por uma estratégia comercial, mas também por acreditarem que eram lugares seguros para suas atividades.
"Juntou a fome com a vontade de comer", afirmou a professora à BBC News Brasil em 2018, dizendo que essa migração se intensificou a partir dos anos 2000 e somente em 2016 o Paraguai passou a reagir expulsando brasileiros associados ao PCC presos naquele país.
Vizinha de Ponta Porã, Pedro Juan Caballero é uma das cidades estratégicas da fronteira que estão inseridas na principal rota de narcotráfico que envolve o Brasil.
Essa rota, que se vale de aviões, carros e caminhões, permite a grupos criminosos comprarem cocaína produzida em países produtores, como Bolívia e Peru, e a levarem para São Paulo e Rio de Janeiro. Parte da droga depois é enviada à África e à Europa por meio de associações com outras quadrilhas internacionais.
Segundo a Abin (Agência Brasileira de Inteligência), o Mato Grosso do Sul ganhou força como "corredor de drogas" por causa da ampla fronteira seca com o Paraguai, que facilita o transporte rodoviário em grande escala para lugares estratégicos como o porto de Santos, e da implantação de duas estratégias de segurança: os sistemas de monitoramento por satélite na região amazônica e a chamada Lei do Abate, que passou a permitir a derrubada de aviões não identificados desde 1998.
Até meados desta década, toda essa região paraguaia era controlada por famílias tradicionais e ricas, que administravam estabelecimentos comerciais e também lidavam com comércio de produtos ilícitos e entorpecentes.
O PCC enfrentava obstáculos para dominar a região e passou a se associar a criminosos locais para eliminar concorrentes e principalmente intermediários no Paraguai, na Bolívia e na Colômbia.
Mirava maiores margens de lucro e controle das operações de tráfico de drogas e armas — segundo a Polícia Federal brasileira, boa parte do armamento ilegal apreendido no Brasil nos últimos anos era oriunda de contrabando do Paraguai.
Em 2016, esse processo de expansão chegou ao ápice: um atentado ousado executado por criminosos brasileiros matou Jorge Rafaat Toumani, empresário apontado como chefe da maior quadrilha de Pedro Juan Caballero.
O assassinato acentuou a disputa tripla entre seguidores de Rafaat e membros de dois grupos brasileiros, o PCC e o Comando Vermelho, criada no Rio de Janeiro.
A facção fluminense, que também explorava essa rota, passou a depender de outras, como a rota norte, que vem do Peru e é mais cara, e acabou entrando num confronto mais amplo com o PCC — este, aliás, é um dos motivos da explosão da violência na região Norte do Brasil.
A caminho de se tornar máfia
Após ter consolidado o acesso aos canais de produção em países vizinhos e a distribuição no Brasil, o PCC passou a mirar uma expansão no lucrativo mercado consumidor europeu.
Segundo investigadores, o quilo de cocaína é vendido nos países produtores por quase US$ 2.000 e chega ao Brasil custando o triplo. Depois de atravessar o Atlântico, é vendido na Europa por valores entre US$ 35 mil e US$ 40 mil.
Operações policiais já identificaram ligações do PCC com máfias italianas, a exemplo da 'Ndrangheta, além de um grupo criminoso da Sérvia.
Em entrevista à BBC News Brasil no ano passado, o promotor Lincoln Gakiya, principal responsável por investigar o PCC, afirmou que o PCC está num estágio pré-máfia. "Se se tornar uma organização com lavagem de dinheiro eficiente, com uso de doleiros e de outros negócios para desviar o foco da droga, vai se transformar um problema muito maior."
Segundo Wálter Maierovitch, desembargador aposentado e fundador do Instituto Brasileiro Giovanni Falcone de Ciências Criminais, o PCC ainda tem uma atuação econômica pouco sofisticada e proporcionalmente pequena se comparada ao peso do narcotráfico na economia da Colômbia ou do Marrocos e lhe falta ganhar força econômica investindo o dinheiro lavado do crime em outras atividades.
Os cartéis mexicanos, por exemplo, se envolvem com o controle da produção, do processamento, do transporte e da venda das drogas. Mas estes estão voltados para o maior mercado consumidor de drogas do mundo, os Estados Unidos.
"O PCC não consegue montar uma rede própria para expandir serviços fora do Brasil e fazer com que outras organizações se unam a ele. Pelo contrário, ele tende a se 'plugar' a redes internacionais já existentes", afirmou à BBC News Brasil em 2018.