Nem todos os grupos à esquerda aderiram ao "Fora, Temer", e nem todos os ativistas à direita acham que o presidente deve permanecer no poder para levar adiante suas reformas econômicas.
Conforme a crise política se torna mais complexa, movimentos e ativistas nos dois polos ideológicos têm rejeitado posições que antes pareciam dominantes em cada campo.
Um dos principais formuladores da política externa do governo Lula e hoje assessor do PT no Senado, o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães foi um dos primeiros expoentes da esquerda a se posicionar publicamente contra o "Fora, Temer".
Em artigo publicado em maio, ele escreveu que "quanto mais cedo Michel Temer deixar o poder, pior será para a oposição, pois sua saída acelerará a aprovação das reformas" trabalhista e previdenciária.
Segundo o embaixador, "a queda imediata de Temer atende aos interesses das classes hegemônicas, assim como ocorreu com o afastamento de Eduardo Cunha da Presidência da Câmara".
Guimarães defende retardar a saída de Temer para fragilizá-lo e dificultar a votação das reformas.
Na terça-feira, num sinal do enfraquecimento de Temer após a delação da JBS, a oposição e alguns membros de partidos da base governista rejeitaram a proposta da reforma trabalhista na Comissão de Assuntos Sociais do Senado. O resultado, porém, não freia a tramitação da proposta.
Levando em conta as posições oficiais das siglas de esquerda, o discurso de Guimarães só encontra eco no pequeno Partido da Causa Operária, que em sua história só conseguiu eleger um único filiado: um vereador em Benjamin Constant (AM), em 2004.
Desde 2016, o partido critica a palavra de ordem "Fora, Temer" e prega que a esquerda se mobilize não só contra o presidente, mas "contra todos os golpistas".
"A euforia pelo 'Fora, Temer!' tomou conta da esquerda pequeno-burguesa", diz o partido em nota divulgada neste ano. Segundo a sigla, se não houver eleições diretas após uma eventual queda do presidente, sua saída abriria o caminho para "um governo ainda mais direitista".
Fica, Temer?
Para Aldo Fornazieri, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), embora quase todos os partidos e movimentos na esquerda defendam publicamente a saída de Temer, apenas parte do grupo deseja realmente que isso ocorra.
Ele afirma que só tem se empenhado pela queda do presidente a esquerda mais ligada a movimentos sociais e sindicatos.
Fornazieri, que estuda a esquerda brasileira e militou no extinto Partido Revolucionário Comunista nos anos 1980, diz que a maioria dos defensores do "Fora, Temer" estão hoje agrupados nas frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo.
Já o PT, segundo o professor, não tem se esforçado pela saída do peemedebista - ainda que a senadora e nova presidente do partido, Gleisi Hoffmann (PR), diga que a queda de Temer é prioridade.
Fornazieri avalia que esse é um "discurso para o público externo", mas que o PT adota uma postura dúbia.
Durante o julgamento da chapa Dilma-Temer no TSE, o PT e vários movimentos de esquerda não pediram que o presidente fosse removido do cargo. A dupla foi absolvida por quatro votos a três.
Segundo Fornazieri, no fundo, o PT prefere "deixar que Temer sangre até o fim" do mandato.
Há ainda, segundo o professor, o temor de que a saída do presidente permita a reorganização do governo e produza uma candidatura competitiva para 2018. Já a permanência de Temer, diz Fornazieri, deixaria o caminho mais livre para a oposição na próxima eleição.
O professor cita ainda outro possível motivo pelo qual, segundo ele, o PT titubeia quanto ao "Fora, Temer". Na terça-feira, o líder do partido na Câmara, Carlos Zarattini (SP), afirmou ao jornal Estado de S.Paulo que seria "um equívoco" o PT "torcer" pela prisão do senador afastado Aécio Neves (PSDB-MG).
"Não podemos torcer por um ataque sem nenhum princípio às pessoas", disse ele.
Segundo Fornazieri, a fala é um sinal de que "talvez por baixo do pano se busque costurar um acordo para salvar as figuras de todos os partidos envolvidos na Lava Jato" - arranjo que incluiria a permanência de Temer no poder.
Delação da JBS
Já na direita, a delação da JBS e o julgamento da chapa Dilma-Temer no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) fizeram com que alguns movimentos e figuras que evitavam pedir a saída de Temer passassem a demandá-la abertamente.
Autores do pedido de impeachment de Dilma Rousseff, os juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Jr. e Janaina Paschoal pertencem ao grupo.
"Entendo que o presidente deveria deixar o cargo, de preferência por meio de renúncia, para não prejudicar ainda mais o país", diz Paschoal à BBC Brasil.
Professora de direito da USP, ela afirma que a divulgação do diálogo entre Temer e o empresário Joesley Batista, da JBS, e a revelação de que Rodrigo Rocha Loures, ex-assessor do presidente, recebeu uma mala de dinheiro da companhia tornaram insustentável a permanência do peemedebista.
Um dos principais organizadores das passeatas pelo impeachment de Dilma, o movimento Vem Pra Rua também passou a pedir a renúncia do presidente.
Em dezembro, o líder do movimento, Rogério Chequer, disse à BBC Brasil que o grupo não tinha "nenhum interesse em tirar Temer do poder".
Mas a porta-voz do movimento Adelaide Oliveira diz que o grupo mudou de ideia a partir do julgamento da chapa Dilma-Temer pelo TSE, por avaliar que havia provas para a cassação da dupla.
Já o Movimento Brasil Livre (MBL), outro grupo que pressionou pelo impeachment de Dilma, chegou a engrossar o coro pela saída do presidente após a divulgação do encontro entre Temer e Joesley, mas recuou alegando que as gravações eram "inconclusivas".
O MBL não respondeu a um pedido de entrevista sobre o tema. Nas redes sociais, o movimento tem defendido o avanço das reformas propostas pelo presidente.
Para Oliveira, do Vem Pra Rua, "as reformas não são desculpas para a permanência de Temer no poder".
"As pessoas confundem pessoas com instituições ou cargos. (Se Temer sair), o governo vai continuar existindo e deve continuar cumprindo seu papel", afirma.