O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou na tarde desta quinta-feira o julgamento que pode descriminalizar o porte de drogas para uso pessoal no país.
A primeira sessão do julgamento foi realizada na quarta-feira, quando se manifestaram representantes de entidades que se posicionaram sobre a questão e o Ministério Público Federal.
A Corte analisa o caso do mecânico Francisco Benedito de Souza, flagrado dentro de um presídio com três gramas de maconha em julho de 2009.
Atualmente, adquirir, guardar e portar drogas é um crime no Brasil, segundo o artigo 28 da Lei Antidrogas (11.343/2006). O STF avalia se este artigo é constitucional.
A decisão será pela maioria dos votos e terá repercussão geral, ou seja, será aplicada a processos que aguardam um posicionamento da Corte e a casos parecidos em instâncias inferiores da Justiça do país.
Conheça a seguir os principais argumentos de cada lado deste debate.
A FAVOR
"Porte é questão de foro íntimo e não gera impacto a terceiros"
Como representante do mecânico flagrado com maconha, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo avalia no texto da ação que porte de drogas para uso próprio não afronta a saúde pública, "mas apenas, e quando muito, a saúde pessoal do próprio usuário".
Para a Defensoria, o Direito Penal deve ser aplicado em casos extremos, como um último recurso. Para o órgão, o uso de drogas seria uma infração menos grave, com consequências restritas.
Durante a sessão de quarta-feira, o advogado Pierpaolo Bottini, da ONG Viva Rio, também defendeu que o consumo afeta só a vida do usuário, não prejudicando outras pessoas.
"É estranho ao Direito Penal qualquer ato praticado dentro da intimidade, dentro da esfera de privacidade. É o que garante que o Direito Penal não interfira na opção sexual, na opção religiosa, e não interfira sequer no direito de autolesão", afirmou Bottini, para quem outros tipos de punição, como multas, seriam mais adequadas.
O mesmo argumento foi levado à Corte na quarta-feira pelo advogado Augusto Botelho, do Instituto de Defesa do Direito de Defesa.
"O consumo de drogas é um caso típico de autolesão. Assim como não podemos punir tentativa de suicídio, não podemos punir alguém que lesa apenas a própria saúde."
"Descriminalização desafogará sistema carcerário"
Rafael Custódio, coordenador de Justiça da ONG Conectas, disse na sessão de ontem que a lei atual leva o país ao "vergonhoso ranking de 4ª maior população carcerária do mundo".
Segundo Custódio, "cerca de 27% dos presos do país respondem a algum crime da lei de drogas".
Custódio ainda afirmou que "pesquisas comprovam que o alvo da criminalização é muito claro: jovens entre 18 e 29 anos, negros, com escolaridade até 1º grau e sem antecedentes criminais.”
Na sessão de quarta-feira, o advogado Augusto Botelho afirmou que é preciso mudar a legislação para rever uma "política fracassada de drogas no país".
Na última segunda-feira, o ministro do STF Luís Roberto Barroso já havia afirmado que o combate às drogas fracassou globalmente.
"O tratamento desta questão de forma puramente de segurança pública e bélica não funcionou em nenhuma parte do mundo", disse Barroso, que defendeu a necessidade de testar novas formas de lidar com as drogas.
"Começar pela maconha é bom porque, de todas as drogas, é provavelmente a que oferece menos riscos a terceiros. É um bom teste para o país reaprender a como lidar com esta questão."
"Regulamentar é melhor que proibir"
Pedro Abramaovay, ex-secretário Nacional de Justiça no governo Lula, sustentou em entrevista à BBC Brasil que a descriminalização "permite fazer uma prevenção melhor".
"A única droga que o Estado já conseguiu reduzir o consumo foi o tabaco. Ao ser legal, você consegue colocar limites, fazer campanhas mais esclarecedoras, conversar melhor com as pessoas. A descriminalização abre caminho para fazer uma prevenção mais eficiente que a atual", afirmou.
"Hoje, o sistema de saúde tem estrutura para lidar com tratamento. Boa parte das estruturas não funcionam porque consumir é crime. É muito mais difícil você lidar com algo que além de ser um problema de saúde é criminal."
CONTRA
"Drogas têm efeitos sociais negativos"
Na sessão de quarta-feira, o procurador-geral da república, Rodrigo Janot disse aos ministros o STF que o porte de drogas não afeta apenas o usuário, mas a sociedade como um todo. "Não existe direito constitucional assegurado a uma pessoa ficar em êxtase", complementou.
O advogado Cid Vieira de Souza Filho, presidente da comissão Antidrogas da OAB-SP, também defendeu perante o STF que o bem estar coletivo se impõe sobre o direito individual pelo efeito negativo gerado pelo uso de drogas, "principalmente nas famílias afetadas pela dependência química".
O procurador-geral de Justiça de São Paulo, Márcio Fernando Elias Rosa, se manifestou neste mesmo sentido na sessão do STF.
"A droga alimenta a violência, modifica comportamentos, financia organizações criminosas, induz à prática de crimes contra o patrimônio público e contra a vida, a dependência desnatura o homem e compromete sua dignidade."
"Número de usuários e dependentes aumentará"
O procurador Marcio Sérgio Christino, vice-presidente da Associação Paulista do Ministério Público, avalia a legalização das drogas aumentará o consumo de entorpecentes e, consequentemente, ampliará o número de dependentes e a demanda por tratamento contra o vício.
"Um país que não consegue oferecer um mínimo de saúde vai criar uma demanda de viciados em grande quantidade para ser tratado onde? Quem vai custear?", questionou ele em entrevista à BBC Brasil.
Na sessão de quarta-feira, ao citar que o tráfico de drogas no país movimenta R$ 3,7 bilhões por ano, Janot disse que a legalização do porte de drogas criará um "exército de formigas".
Ele também alertou que uma eventual decisão favorável ao porte de drogas implica na possibilidade “de propagação do vício no meio social".
"Descriminalização intensificará tráfico"
Wladimir Sérgio Reale, da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil, disse na quarta-feira aos ministros do STF que o aumento do consumo gerado pela liberação do porte para uso pessoal gerará uma "guerra pelo controle do tráfico".
"Em países de tamanho continental, a entrada da droga é o que mais acontece. Sem o artigo 28, não há o controle. Haverá consequências negativas, uma hecatombe."
O advogado ainda citou casos julgados anteriormente pelo STF em que os ministros entenderam que a criminalização deve ser mantida mesmo em casos de porte de quantidades pequenas de drogas para educar a sociedade.
Ao defender que seja mantida a constitucionalidade da criminalização do porte de drogas para uso pessoal, a representante da Central de Articulação das Entidades de Saúde, Rosane Ribeiro, argumentou que a liberação fortalecerá o tráfico porque a "droga continuará ilícita".
"A questão necessita mais reflexão", disse Ribeiro.