Para ministros de Jair Bolsonaro (PSL) e para o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a proposta de Reforma da Previdência pode ser aprovada na Casa ainda antes do recesso dos deputados, previsto para começar no dia 17 de julho.
Mas congressistas e analistas ouvidos pela reportagem da BBC News Brasil dizem que há pelo menos três fatores que colocam esta meta em risco: o período de festas juninas; a desorganização dos deputados pró-Bolsonaro e o impasse sobre manter ou não os servidores dos Estados na reforma.
"Se tiver algum tropeço, algum movimento errático de alguém, aí (a votação ocorrerá) no início do próximo semestre. Mas eu sou dos otimistas. Eu acho que é (possível votar no Plenário da Câmara) no final de junho, mas principalmente na primeira quinzena de julho", disse Rodrigo Maia sobre a reforma, na tarde desta segunda-feira (03). Se aprovada na Câmara, a reforma seguirá para o Senado.
A reforma da Previdência é a principal medida apresentada por Bolsonaro em seus primeiros meses no cargo.
É considerada fundamental pelo governo e por especialistas para ajustar as contas da União - a meta é economizar cerca de R$ 1,1 trilhão em dez anos. O grosso dessa economia será feito entre os trabalhadores do setor privado (cerca R$ 687 bilhões em dez anos). Cerca de 71 milhões de pessoas serão afetados pelas mudanças nas regras de aposentadorias e pensões, só neste segmento. Entre os servidores públicos federais, 1,4 milhão de pessoas serão atingidas.
No governo federal, o rombo da Previdência tem crescido rapidamente. A diferença entre a arrecadação e os gastos chegou a R$ 266 bilhões em 2018, segundo dados do Ministério da Economia.
A Reforma da Previdência tramita como uma proposta de emenda à Constituição (PEC). Foi apresentada pelo governo ao Congresso no dia 20 de fevereiro deste ano. Hoje, está na Comissão Especial criada na Câmara para analisá-la - os deputados tiveram até o dia 30 de maio para apresentar sugestões de mudanças (emendas) ao texto.
Agora, cabe ao relator da Comissão, Samuel Moreira (PSDB-SP), apresentar seu parecer - aceitando ou rejeitando as emendas dos deputados. Na segunda-feira (03), em Porto Alegre, Moreira disse que vai entregar o relatório ainda esta semana, ou, no máximo, no começo da semana que vem.
Entregue o relatório, as regras da Câmara determinam que haja um intervalo de duas sessões do Plenário da Casa antes da votação na Comissão Especial.
Se aprovado na Comissão, o texto segue para o plenário - onde precisará dos votos de pelo menos 308 dos 513 deputados, em duas votações. Entre os dois turnos de votação há um intervalo de cinco sessões, conhecido como "interstício".
Esse intervalo pode ser quebrado por decisão dos deputados, segundo o secretário-geral da Mesa da Câmara, Leonardo Augusto Barbosa. À BBC News Brasil, ele lembra que o interstício foi quebrado em votações recentes, como a do Orçamento Impositivo, no fim de março.
Considerando apenas estes prazos do Regimento da Câmara, seria possível aprovar a reforma antes do recesso dos deputados. Então, onde está o problema? A BBC News Brasil mostra três fatores que podem prejudicar o cronograma do governo.
1. As festas juninas
Em vários Estados da região Nordeste, as festas juninas são os maiores eventos do calendário cultural.
No ano passado, a festa injetou cerca de R$ 240 milhões na economia de Campina Grande (PB), por exemplo. Atraiu algo como 2,5 milhões de pessoas à cidade do agreste paraibano, segundo dados do Ministério do Turismo.
Deputados, principalmente os da região Nordeste, costumam tirar o período para voltar às suas cidades e fazer corpo a corpo com os eleitores. Juntos, os nove Estados da Região Nordeste somam 150 deputados.
"As festas vão até o dia 29 de junho, que é o dia de São Pedro. Então, mais ou menos entre os dias 23 e 29 de junho são dias difíceis da gente ter uma presença maciça de deputados nordestinos (na Câmara). Mas essa é uma matéria tão importante que cabe ao governo administrar essa dificuldade aí, das festas juninas", diz à BBC News Brasil o deputado Júlio César (PSD-PI), coordenador da bancada do Nordeste na Câmara.
Na tarde de ontem, Rodrigo Maia disse que está "cancelando" as viagens dos deputados marcadas para depois do dia 20 de junho. Ele se referia, porém, a missões oficiais dos congressistas. O presidente da Câmara não pode impedir viagens particulares de seus colegas.
"Eu acho que o quórum da casa tem que estar próximo de 500 deputados. Eu já estou cancelando as viagens dos deputados a partir do dia 20 de junho. Todos os pedidos estão sendo negados, para que a gente possa a partir do dia 20 de junho já voltar a ter o quórum de 500, 505 deputados. Hoje estamos com uma média de 475, 480. A gente precisa recuperar esses 20 para ter uma margem tranquila para aprovar a Previdência já no final do mês ou no início do mês que vem", disse Maia a jornalistas.
2. A desorganização da base aliada de Bolsonaro
Desde o começo dos trabalhos no Congresso, em fevereiro, Bolsonaro têm mostrado dificuldades para conseguir o apoio de deputados e senadores.
O exemplo mais recente é a tramitação da medida provisória 870, que reorganizou a estrutura do governo e reduziu o número de ministérios de 29 para os atuais 22. A medida foi aprovada poucos dias antes de perder a validade, e os deputados fizeram modificações contrárias ao que o governo desejava. Por exemplo, retiraram o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) da alçada do ministro da Justiça, Sérgio Moro.
"É um prazo (antes de 17 de julho) muito otimista. O governo precisa passar esse otimismo para o mercado, para a sociedade. Mas concretamente, não tem a base sólida que seria necessária (para cumprir o cronograma)", diz à BBC News Brasil o cientista político e professor do Insper Carlos Melo.
"O governo tem que dizer que é possível. Mas é possível quando você tem uma super coalizão, uma base certa, e quando essa base consegue se impor para que as discussões, que são inevitáveis, sejam abreviadas", diz Melo.
A avaliação é parecida com a do líder do DEM, Elmar Nascimento. É "difícil" cumprir o cronograma desejado pelo governo, disse ele à BBC News Brasil, em mensagem de texto. "Mas vamos tentar".
Conhecido como Paulinho da Força, o deputado Paulo Pereira da Silva (SD-SP) também avalia que Bolsonaro ainda não tem os votos para levar o projeto ao Plenário.
"Eu acho que não consegue (votar) não. Na Comissão Especial até dá, mas no Plenário não. É quase impossível. Na comissão são só 49 deputados. Mas no Plenário, só em agosto", disse ele à BBC News Brasil.
Os deputados voltam ao trabalho no dia 1º de agosto.
"E é preciso um acordo de procedimento. Do jeito que está hoje, essa reforma não passa, disse Paulinho. Ele é líder do Solidariedade e um dos principais porta-vozes do grupo informal de partidos conhecido como "Centrão.
"Do jeito que está hoje, com os R$ 1 trilhão e 200 bilhões do (Paulo) Guedes (ministro da Economia), acho que só o PSL e o Novo (são favoráveis). Para o resto (dos partidos) precisa ser modificada."
3. O impasse com os servidores dos Estados
Por fim, há ainda os gargalos no texto apresentado pelo governo. O principal deles é hoje a inclusão ou não dos servidores públicos de Estados e municípios na reforma.
Os regimes previdenciários dos Estados hoje somam um déficit de cerca de R$ 90 bilhões por ano, segundo cálculo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado. Mesmo nos Estados onde o sistema ainda opera no azul há deficit atuarial - isto é, a tendência de que um rombo apareça nos próximos anos, se mantidas as regras de hoje. O estudo da IFI é assinado pelo consultor do Senado Josué Pellegrini, e pode ser acessado aqui.
O texto original apresentado pelo governo Bolsonaro dá um prazo de 180 dias para os Estados se adequarem às mudanças. Quem não cumprir poderá ser punido com a suspensão de transferências de dinheiro do governo federal. Ao perder o prazo, o governo estadual também não poderá mais receber empréstimo de bancos públicos federais, como a Caixa, o Banco do Brasil e o BNDES. Pelo texto, os Estados terão de aumentar os pagamentos previdenciários de seus servidores, além de reduzir os benefícios pagos a eles.
O relator da reforma na Comissão Especial, Samuel Moreira (PSDB-SP) disse nesta segunda-feira que prefere, pessoalmente, manter os Estados na proposta - mas não sabe se esta alternativa terá apoio dos deputados.
"Não tenho avaliação quanto à quantidade de votos que cada uma dessas alternativas (com ou sem os Estados) teria. Mas há uma polêmica", disse ele.
O ponto é sensível para os deputados federais por mexer com categorias profissionais que tem muito poder de mobilização, como policiais civis e militares, e professores.
Moreira participou nesta segunda-feira de um evento com os governadores tucanos de São Paulo, João Doria; de Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja; e do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite. Os três são favoráveis a manter os Estados na reforma previdenciária.
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