O governo brasileiro recebeu nesta segunda-feira (17/04) o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Serguei Lavrov, considerado uma das figuras mais controversas da política internacional atual.
Esta semana, Lavrov está fazendo um giro por Brasil, Venezuela, Nicarágua e Cuba. Os três últimos países são notoriamente críticos aos Estados Unidos — a grande potência rival da Rússia.
Lavrov veio ao Brasil em um momento em que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fala em tentar dar início a um diálogo de paz entre Ucrânia e Rússia. Em viagem à China, na semana passada, Lula deu declarações em tom crítico aos EUA.
"É preciso que os EUA parem de incentivar a guerra e comecem a falar em paz. É preciso que a União Europeia comece a falar em paz pra que a gente possa convencer o Putin e o Zelensky de que a paz interessa a todo mundo e a guerra só está interessando, por enquanto, aos dois" disse Lula em referência aos presidentes da Rússia, Vladimir Putin, e da Ucrânia, Volodymir Zelensky.
A fala do presidente se refere ao envio de armas por EUA e países europeus à Ucrânia. Esses países, porém, argumentam que estão apoiando a defesa ucraniana contra a agressão da Rússia, que invadiu o país no início de 2022.
O governo americano reagiu duramente as falas de Lula nesta segunda-feira. O porta-voz de Segurança Nacional da Casa Branca, John Kirby, disse que Lula "está reproduzindo propaganda russa e chinesa".
"É profundamente problemático como o Brasil abordou essa questão de forma substancial e retórica, sugerindo que os Estados Unidos e a Europa de alguma forma não estão interessados na paz ou que compartilhamos a responsabilidade pela guerra", afirmou em conversa com jornalistas.
Já Peter Stano, porta-voz principal para Assuntos Externos da União Europeia, afirmou que a Rússia é a "única responsável" pela escada de violência no Leste Europeu.
"O fato número um é que a Rússia - e somente a Rússia - é responsável. Ela gerou provocações e agressões ilegítimas contra a Ucrânia. Não há questionamentos sobre quem é o agressor e quem é a vítima", afirmou.
Lavrov: Brasil e Rússia têm 'abordagens similares'
Em sua passagem por Brasília, Lavrov teve uma reunião com o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, no Palácio Itamaraty, e depois um encontro reservado com Lula no Palácio do Alvorada.
Em pronunciamento ao lado do chanceler brasileiro, afirmou que Brasil e Rússia têm "abordagens similares" em relação a questões globais.
"Falamos sobre várias questões relevantes da agenda internacional e regional, ressaltando que as abordagens de Brasil e Rússia de questões acontecendo hoje no mundo são similares", disse Lavrov.
"Os dois países estão unidos pelo desejo de contribuir para uma ordem mundial mais democrática e mais policêntrica, baseada no princípio fundamental da soberania e da igualdade dos Estados", acrescentou.
Apesar da fala em prol da democracia, críticos de Putin acusam seu governo de autoritarismo e de perseguir opositores, como Vladimir Kara-Murza, que acaba de ser condenado a 25 anos de prisão, acusa de traição e divulgação de informações falsas relacionadas à guerra na Ucrânia.
Mauro Vieira, por sua vez, usou o pronunciamento ao lado de Lavrov para reafirmar o compromisso do Brasil com a proposta de criar um grupo da paz com países não alinhados a qualquer lado do conflito, buscando um acordo entre Ucrânia e Rússia.
"Reiterei nossa posição em favor de um cessar-fogo imediato, de respeito ao direito humanitário, de uma solução negociada para uma paz duradoura", disse Vieira.
Quem é Lavrov?
Por quase 20 anos, Sergey Lavrov tem sido o rosto internacional da Rússia.
Na arena global, ele é a pessoa que mais aparece defendendo a política externa de Vladimir Putin — inclusive a invasão da Ucrânia por tropas russas.
Lavrov é conhecido por seu estilo incisivo e pouco diplomático na defesa dos interesses russos.
Nascido em 21 de março de 1950 em Moscou, Lavrov tem 72 anos e é o ministro das Relações Exteriores que está há mais tempo no cargo desde a queda da União Soviética. Ele assumiu o posto em 2004.
Formado pelo Instituto Estatal de Relações Internacionais de Moscou, ele trabalhou como diplomata soviético no Sri Lanka durante parte da Guerra Fria.
Depois de servir como primeiro secretário da embaixada soviética na ONU em Nova York de 1981 a 1988, ele permaneceu no Ministério das Relações Exteriores quando a União Soviética se desfez em 1991. Ele foi nomeado embaixador da Rússia na ONU três anos depois.
Além do russo, ele fala três idiomas: cingalês, inglês e francês.
Inicialmente, Lavrov era visto como um tecnocrata de boa oratória. No começo de seu mandato como ministro, a Rússia vivia um momento de esfriamento das tensões com o Ocidente.
Mas na última década, o perfil internacional da Rússia mudou — com conflitos cada vez mais constantes. Lavrov passou então a ser visto como um defensor contundente da política de Putin.
No ano passado, dias após o começo da guerra, ele disse que os Estados Unidos formaram uma coalizão de países europeus para resolver "a questão russa" da mesma forma que Adolf Hitler buscava uma "solução final" para erradicar judeus da Europa.
Lavrov disse que os EUA usam a "mesma tática de Napoleão e Hitler" para tentar subjugar a Europa e destruir a Rússia.
No mês passado, ele despertou risadas em um plateia de diplomatas do G20 em um encontro na Índia, quando afirmou que a Rússia tenta "impedir uma guerra que foi lançada contra nós pela Ucrânia". Diante das risadas, ele se manteve sério.
Por vezes, os comentários de Lavrov têm repercussões para Putin.
No ano passado, ele disse em uma entrevista na Itália que "Hitler também tinha sangue judeu", ao ser questionado sobre o que ele queria dizer com "desnazificar a Ucrânia", quando o próprio presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, é judeu.
"Posso estar errado, mas Hitler também tinha sangue judeu. [Que Zelensky é judeu] significa absolutamente nada. Judeus sábios dizem que os antissemitas mais ardentes são geralmente judeus", disse ele, na ocasião.
Dias depois, Vladimir Putin pediu desculpas a Israel pelos comentários de Lavrov.