Protestos mostram apropriação de slogans publicitários para fins políticos

25 jun 2013 - 13h46

O uso nos recentes protestos das frases "Vem pra rua" e "O gigante acordou", ambas slogans publicitários, pode ser explicado pela mobilização dos manifestantes por meio das redes sociais, na qual eles se apropriaram dos slogans difundidos na rede em um contexto político, disseram especialistas ouvidos pela BBC Brasil.

A campanha "#vemprarua", transformada em hashtag em sites de rede social como Twitter, Facebook e Instagram foi criada pela Fiat para a Copa das Confederações.

Mas a frase também saiu da internet para estampar cartazes exibidos em cidades de todo o país, ao lado de outro slogan publicitário, "o gigante acordou", que aparece em um video publicitário da marca de uísque escocesa Johnnie Walker lançado em outubro de 2011.

O vídeo, que na última semana passou a receber comentários de manifestantes exaltando os protestos em sua página do YouTube, mostra o Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro, levantando-se como um gigante, em alusão à ideia de que o Brasil é "um gigante adormecido".

Segundo um levantamento da empresa de relações públicas Grupo Máquina, entre os 19 e 21 de junho a expressão #vemprarua teve mais de 160 mil menções nas redes sociais e #ogiganteacordou, cerca de 100 mil.

"Um dos trabalhos da publicidade é sintetizar emoções e sentimentos que estão de alguma forma latentes em frases de efeito", disse o publicitário e pesquisador de mercado Adilson Batista, fundador da agência Today, à BBC Brasil.

"O filme da Johnnie Walker é bastante emocional e sintetiza um sentimento de orgulho nacional que já estava presente entre as pessoas. E a campanha do 'Vem pra rua' foi criada para a Copa das Confederações como muitas outras, mas provocou uma reação diferente nas pessoas porque trouxe a ideia da mobilização, principalmente pelo uso da frase como hashtag."

Postura crítica

A adoção dos slogans, no entanto, não significa que os manifestantes adotaram também o conteúdo das propagandas.

"A publicidade tem uma tendência a pintar as coisas de verde e amarelo para pegar carona no sentimento nacionalista e vender produtos em cima disso, mas as pessoas 'ressignificaram' tudo isso a partir de um sentimento de insatisfação, de que tem algo muito errado com o sistema vigente", disse o especialista em redes sociais Augusto de Franco, criador da Escola de Redes.

Para Batista, o fenômeno mostra uma postura crítica dos brasileiros com relação aos conteúdos publicitários. "Acho que subestima a inteligência do brasileiro quem acha que ele não faz reflexão sobre as mensagens publicitárias. Tenho a sensação de que a gente têm vivido muitas micro manifestações dentro das redes sociais e elas usam o conteúdo de mensagens publicitárias o tempo inteiro", afirma.

"Há grupos que sempre se apropriam de frases publicitárias, muitas vezes criadas pelas próprias marcas, para reverberar suas mensagens de manifestação. As pessoas transformam (as campanhas) em vídeos satíricos de crítica social e em hashtags adaptadas. Isso acontece com mais força há cerca de quatro anos."

Após o início das manifestações em todo o país, um vídeo criado por usuários do YouTube mescla imagens do filme da Johnnie Walker com imagens dos protestos ─ a trilha sonora é a música da campanha da Fiat. O vídeo foi replicado por diversos usuários do site e teve cerca de 70 mil compartilhamentos.

Exterior

De acordo com Batista, o fenômeno é até internacional. Ele lembra que o nome do movimento americano "Occupy Wall Street" teve uma gênese semelhante ao brasileiro. A expressão que deu nome aos protestos foi criada pelos editores da revista anticapitalista Adbusters e popularizada em veículos de comunicação e nas redes sociais com a ajuda de uma agência de relações públicas.

Ele acredita, no entanto, que no caso brasileiro, as empresas não deverão aproveitar o uso de suas campanhas pelos manifestantes para se associarem aos protestos.

"Acho perigoso que as marcas abracem uma associação política, assim como foi quando os partidos tentaram se associar aos movimentos. Estamos vivendo um movimento que é muito maior do que se imagina. Qualquer associação de entidade ou marca pública ou privada vai ser repudiada nas redes sociais."

Em comunicado divulgado no dia 17 de junho, a Fiat afirmou que a campanha foi criada "com foco único e exclusivo na Copa e na alegria e paixão que o futebol desperta nos brasileiros". Até o momento, a Johnnie Walker não se pronunciou.

'Coincidências' da rede

Para o cientista político Marco Aurélio Nogueira, da Unesp, o uso dos slogans é uma "coincidência" própria da "cultura e da estrutura da vida em redes". "Acho que ninguém coordena esse processo. Vivemos em situações nas quais a gente vai pescando coisas isoladas e vai recontextualizando, criando novos sentidos", disse à BBC Brasil.

As escolhas individuais pautadas pelo mercado, de acordo com o pesquisador, também podem ajudar a explicar a associação entre propaganda e protesto. "As ruas e a publicidade estão muito conectadas, até porque as ruas estão muito mercantilizadas. Você vai para uma passeata e se produz, põe uma camiseta com um slogan, um boné de um tipo, uma fita verde e amarela."

"Não é que as pessoas queiram apenas exibir uma grife, é que elas também estão na rua segundo uma dinâmica de espetáculo. Não estão na rua só por uma causa, mas para serem vistas pelos fotógrafos, pelos amigos, para colocarem as fotos no Facebook", afirma.

"O marketing tem um peso grande, por conta de seu trabalho de encontrar fórmulas que sejam decodificadas pelas pessoas e criem uma conexão emocional. É por isso que tem tanta gente com essa máscara do V de Vingança (história em quadrinhos criada pelo britânico Alan Moore), mas a maior parte das pessoas não sabe nem a história da máscara, nem do V de Vingança."

Para o cientista político, a busca por uma identidade também facilita a adoção de frases e símbolos emblemáticos sem referência a demandas políticas específicas, diferentemente das frases usadas em movimentos como "Diretas Já", na década de 70, e "Fora Collor", nos anos 1990.

"Uma forma de ter identidade é incorporar na sua imagem certas marcas. O uso dessas hashtags ou usar a máscara do V pode ser uma dessas formas de se identificar como participante de algo. Eu não preciso nem falar, já estou mostrando que estou ali, que estou nessa. A partir daí, todos vão para a rua, em uma espécie de espasmo contestatório. E o movimento é mais aberto em termos de agenda."

Para Augusto de Franco, "coincidências" como a que uniu as duas campanhas publicitárias a uma das maiores ondas de manifestação na história do Brasil tendem a acontecer cada vez mais em um mundo conectado. "O que nós chamamos de coincidência é o processo viral de contaminação que caminha na rede. É isso o que as pessoas ainda têm dificuldade de entender", diz.

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