Com o aval do Senado à abertura do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff na última quinta-feira, o vice-presidente Michel Temer assumiu temporariamente o comando do país, enquanto a petista espera pelo julgamento.
Porém, o governo interino mal começou e já coleciona polêmicas. A BBC Brasil lista abaixo quatro delas.
1. Falta de diversidade
Com a posse de Temer, é a primeira vez desde 1979, quando o país ainda era governado pelo general Ernesto Geisel, que somente homens formam o gabinete de um presidente.
A decisão de se rodear por auxiliares apenas do sexo masculino provocou fortes críticas ao peemedebista. Isso também representa uma quebra de paradigma quando comparado com o governo de Dilma, que, além de ser a primeira presidente mulher do país, nomeou 15 ministras ao longo de seus dois mandatos.
Questionado sobre a ausência de mulheres, o novo ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, afirmou que "tentamos de várias formas, na parte que dizia respeito à disponibilidade, em várias funções, tentamos encontrar mulheres".
"Mas, por razões que não vêm ao caso, isso não foi possível", completou, em entrevista a jornalistas na sexta.
Alvo de críticas, a falta de diversidade não se restringe à ausência completa de mulheres na Esplanada. Todos os ministros são homens brancos.
"Acho que é uma mensagem realmente má e perigosa que ele manda à população. A diversidade na liderança é muito importante por uma série de razões. Uma delas é a representação. Numa democracia, a ideia é ter líderes que representem a população e seus interesses", .
A medida também repercutiu internacionalmente. O jornal britânicoThe Guardian descreveu o ministério de Temer como "muita testosterona e pouco pigmento". Segundo o diário, a composição do novo governo mostra que "velha elite do Brasil está novamente no comando".
2. Nomeações polêmicas
No primeiro dia como presidente interino, Temer nomeou políticos sob suspeita para cargos-chave em sua gestão.
Dos 23 ministros escolhidos pelo peemedebista, pelo menos cinco tiveram seus nomes ligados à Operação Lava Jato, que investiga o esquema de corrupção na Petrobras. Todos negam as acusações – e a grande maioria deles não é oficialmente investigada.
O único que já teve abertura de inquérito aceita pelo STF (Supremo Tribunal Federal) é o titular do Planejamento, Romero Jucá (PMDB-RR). Ele é acusado de receber propina em obras da Petrobras e da Eletronuclear.
Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), do Turismo, foi citado pelo Leo Pinheiro, ex-presidente da OAS, como beneficiário do esquema. Ele é alvo de dois pedidos de investigação feitos pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Ambos ainda não obtiveram aval do STF para prosseguir.
O ministro de Governo, Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), foi ligado à Lava Jato pela mesma OAS. Ex-vice-presidente da Caixa, ele foi citado em mensagens sobre a liberação de recursos do banco à empreiteira.
Os peemedebistas Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretário do Programa Crescer, de parcerias e investimentos) também foram mencionados por delatores.
Há outros ministros que aparecem em planilhas sobre supostos financiamentos apreendidas pela Polícia Federal na casa de um ex-executivo da Odebrecht. Ainda não é possível saber, porém, se tal documento se referia a doações eleitorais legais ou não.
3. Aumento de impostos
Em sua primeira entrevista como ministro da Fazenda, o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles falou sobre a necessidade de aumentar impostos.
Segundo ele, o novo governo deve anunciar medidas "duras" para reverter a tendência de crescimento da dívida pública, que considerou "insustentável".
"O Congresso reflete a sociedade, e a sociedade está amadurecida para medidas de ajuste importantes. O que não é possível é continuar como está", afirmou na última sexta-feira.
"O país está aguardando uma mudança no itinerário da economia. Existe uma demanda da sociedade para uma reversão na trajetória da economia, do emprego e da renda", acrescentou.
Meirelles também cogitou adotar tributos temporários, como a volta da CPMF (imposto sobre transações bancárias), medida que já era defendida pelo governo Dilma.
O objetivo, segundo ele, é equilibrar a dívida pública.
"Em relação à CPMF, o princípio é o seguinte: O nível tributário no Brasil é elevado. Para que a economia volte a crescer de forma sustentável é importante diminuirmos o nível da tributação da sociedade, mas a prioridade hoje é o equilíbrio fiscal. Caso seja necessário um tributo, ele será aplicado, mas de modo temporário", afirmou.
Meirelles também defendeu mudanças na Previdência Social, principalmente no regime de aposentadores e afirmou que "direitos adquiridos" devem ser respeitados, mas não devem prevalecer sobre a Constituição.
Um dos maiores defensores do impeachment de Dilma, o deputado federal Paulinho da Força (SD-SP) atacou o plano em nota divulgada pela Força Sindical, central que comanda. Ele classificou algumas ideias do ministro, como a de instituir uma idade mínima para as aposentadorias, como "estapafúrdias".
4. Exclusão de ministérios
Para atender a críticas de que havia um excesso de ministérios no Brasil, o presidente interino reduziu o número de pastas de 32 para 23.
A economia provocada por essa medida, porém, será simbólica. Isso porque funcionários públicos e órgãos ligados aos ministérios extintos serão colocados sob o chapéu das pastas que ficaram, algumas delas agora com superpoderes.
Artistas, por exemplo, já se manifestaram contra a extinção do Ministério da Cultura (MinC), que foi mesclado com o da Educação.
A associação Procure Saber, que tem entre seus integrantes Caetano Veloso e Gilberto Gil, e o Grupo de Ação Parlamentar Pró-Música, que inclui músicos como Ivan Lins e Fernanda Abreu, divulgaram uma carta aberta conjunta a Temer pedindo a revisão da mudança.
"Se o MinC perde seu status e fica submetido a um ministério que tem outra centralidade, que, aliás, não é fácil de ser atendida, corre-se o risco de jogar fora toda uma expertise que se desenvolveu nele", diz o texto.
Em artigo escrito para o jornal O Globo , Caetano criticou pessoalmente o fim da pasta, que definiu como "ato retrógrado".
Movimentos sociais também não gostaram nada de ver a pasta de Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos ser agregada à da Justiça e Cidadania.
Também houve crítica de especialistas ao fim da CGU (Controladoria-Geral da União), órgão responsável, entre outras coisas, por fiscalizar o governo federal. Eles veem riscos à independência e possíveis ameaças ao combate à corrupção no país.
O órgão, cujo chefe tinha status de ministro, agora integra o novo Ministério da Fiscalização, Transparência e Controle.