Pela primeira vez, ex-assessor de Flávio Bolsonaro e amigo pessoal do presidente da República oferece à Justiça explicações sobre as suspeitas de corrupção que pairam sobre ele. No depoimento, ele tenta livrar os chefes.Fabrício Queiroz, o ex-assessor de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) investigado por movimentações financeiras atípicas, admitiu ao Ministério Público que recolhia parte dos salários de servidores do gabinete.
Ele, no entanto, negou ter se apropriado dos valores. Segundo a explicação que Queiroz prestou por escrito ao MP-RJ, o dinheiro recolhido dos funcionários do gabinete era usado para contratar assessores informais e "expandir a atuação parlamentar" de Flávio nas bases eleitorais.
O ex-assessor também afirmou que Flávio não sabia do esquema. "Por contar com elevado grau de autonomia no exercício de sua função, resultante de longeva confiança que nele depositava o deputado, o peticionante nunca reputou necessário expor a arquitetura interna do mecanismo que criou ao próprio deputado e ao chefe de gabinete", diz a petição entregue por Queiroz ao MP. O conteúdo do depoimento foi revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo.
De acordo com a petição, Queiroz argumenta que "com a remuneração de apenas um assessor parlamentar", ele "conseguia designar alguns outros assessores para exercer a mesma função, expandindo, dessa forma, a atuação parlamentar do deputado".
Queiroz também descreveu a prática como uma "desconcentração de remuneração". Segundo ele, todo assessor já sabia no momento da contração que parte de seu salário seria devolvido com o objetivo de financiar os funcionários da base que não constavam na folha salarial da Alerj.
Essa foi a primeira vez que Queiroz apresentou oficialmente seus argumentos ao MP-RJ. No final de dezembro, o ex-assessor alegou problemas de saúde para faltar a dois depoimentos presenciais que haviam sido marcados pelos promotores.
As suspeitas envolvendo Queiroz - e consequentemente Flávio - apareceram na imprensa no início de dezembro, após a eleição de Jair Bolsonaro, quando foi divulgado um relatório Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) que detectou movimentações atípicas de uma série de assessores e ex-assessores de deputados da Alerj.
Na relação estava Fabrício Queiroz, que além de ter atuado como assessor de Flávio, também é amigo do presidente Jair Bolsonaro. De acordo com o relatório, Queiroz movimentou 1,2 milhão de reais entre janeiro de 2016 e o início de 2017, quando estava lotado no gabinete de Flávio - um valor incompatível com seu salário.
O documento apontou ainda que outros assessores do gabinete de Flávio faziam depósito regulares para Queiroz, sempre em datas próximas do dia de pagamento na Alerj. Os dados também apontaram que Queiroz fez um depósito de 24 mil reais na conta da primeira-dama, Michele.
O caso rapidamente despertou a suspeita de "pedágio" ou "rachadinha", a prática de recolher parte dos salários de assessores, típica de parlamentares de baixo clero de assembleias e câmaras municipais Brasil afora. Com o relatório do Coaf em mãos, o MP-RJ passou a investigar se Queiroz guardava o dinheiro para si ou se entregava para o então deputado Flávio, hoje senador.
No período em que evitou prestar depoimento ao MP-RJ, Queiroz chegou a afirmar em uma entrevista amistosa ao SBT - canal que apoia o governo - que a movimentação era resultado de negócios de compra e venda de carros. "Eu sou um cara de negócios. Eu faço dinheiro, compro, revendo, compro, revendo, compro carro, revendo carro...", disse ele, sem apresentar comprovantes ou registros dos automóveis.
Na semana passada, outro ex-assessor, que entregava 60% do seu salário para Queiroz, contou ao MP-RJ que fazia isso regularmente como forma de investimento. Ele disse que queria multiplicar o dinheiro no suposto esquema de compra e venda de carros. Investigadores afirmaram que a versão foi encarada como frágil e carente de comprovação.
No depoimento prestado por escrito ao MP-RJ, Queiroz voltou a evocar parte da história da revenda de carros contada ao SBT e ainda ampliou o leque dos seus supostos negócios, que agora incluem a venda de eletrodomésticos, roupas, bicos como segurança e intermediação de imóveis.
"Todo e qualquer produto que pudesse lhe garantir uma renda extra", diz a petição. Segundo o depoimento, a alta movimentação na sua conta bancária pode ser explicada tanto por esses negócios paralelos quanto por ele "ser pai de uma família grande".
De acordo com essa versão, Queiroz contou que, por ser conservador, sempre insistiu "em administrar o essencial das finanças do seu núcleo familiar", dessa forma, também recebia em sua conta os salários de sua mulher e de seus filhos.
De acordo com os jornais O Estado de S. Paulo e O Globo, Flávio Bolsonaro não quis se pronunciar sobre o depoimento do ex-assessor.
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