A revelação dos primeiros detalhes do acordo de delação premiada da Odebrecht elevou a temperatura da crise política no Brasil ao levar o presidente Michel Temer e integrantes do primeiro escalão de seu governo ao centro da Operação Lava Jato.
Ex-vice-presidente de Relações Institucionais da empreiteira, Claudio Melo Filho citou mais de 50 políticos em sua delação, que ainda precisa ser homologada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) para ter valor jurídico.
O teor do documento foi divulgado inicialmente, na última sexta-feira, pelo site BuzzFeed e pela revista Veja.
O ex-executivo disse que a relação da Odebrecht com políticos envolvia repasses de propinas e de doações legais de campanha.
O objetivo, afirmou, era "manter uma relação frequente de concessões financeiras e pedidos de apoio, em típica situação de privatização indevida de agentes políticos em favor de interesses empresariais nem sempre republicanos".
Ao todo, 77 executivos e ex-executivos da Odebrecht confessaram supostos atos de corrupção e participam do acordo de delação premiada da empresa. Políticos de outros partidos, como o PT, e integrantes do governo anterior também são acusados.
Confira abaixo quais são os nomes do primeiro escalão da gestão Temer citados na delação de Melo Filho e em demais confissões e documentos reunidos pela Lava Jato - ainda não é possível saber se a menção em alguns papéis faz referência ou não à prática de crimes.
Michel Temer
O próprio presidente é citado 43 vezes da delação de Melo Filho. O ex-executivo disse que mantinha "relação próxima" com o núcleo político de Temer, mas que tratou "poucas vezes diretamente" com ele sobre repasses de recursos.
Uma dessas ocasiões, disse o delator, ocorreu em maio de 2014, em um jantar no Palácio do Jaburu (residência oficial do vice-presidente).
Foi quando Temer teria pedido a Marcelo Odebrecht uma contribuição para as campanhas eleitorais do PMDB, e o presidente da empreiteira teria concordado em repassar R$ 10 milhões ao partido.
Em agosto, o presidente já havia confirmado o jantar com Marcelo Odebrecht, mas sempre ressaltou que houve um pedido legal de "auxílio financeiro da Odebrecht a campanhas eleitorais do PMDB, em absoluto acordo com a legislação eleitoral em vigor".
Em nota sobre a delação de Melo Filho, o presidente "repudiou com veemência as falsas acusações". Disse que as doações da Odebrecht ao PMDB foram "todas por transferência bancária e declaradas ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral)".
"Não houve caixa 2 nem entrega em dinheiro a pedido do presidente", afirmou.
Eliseu Padilha
Identificado como "Primo" em documentos internos da Odebrecht, o ministro da Casa Civil, também filiado ao PMDB, aparece 45 vezes na delação de Melo Filho.
Segundo o ex-executivo, Padilha atua como "verdadeiro preposto de Michel Temer e deixa claro que muitas vezes fala em seu nome".
"Eliseu Padilha concentra as arrecadações financeiras desse núcleo político do PMDB para posteriores repasses internos", acrescentou o delator.
Ele afirmou ainda que Padilha ficou responsável por "receber e alocar" R$ 4 milhões dos R$ 10 milhões prometidos em 2014 por Odebrecht a Michel Temer.
"Quero ressaltar que, nas vezes que me foi solicitada qualquer agenda com Michel Temer, procurava Eliseu Padilha, que viabilizava os encontros para as demandas da empresa.".
Em nota, Padilha negou ter recebido propina da empreiteira. "Nunca tratei de arrecadação para deputados ou para quem quer que seja. A acusação é uma mentira."
José Yunes
Amigo pessoal de Temer, o advogado José Yunes é assessor especial do gabinete da Presidência. Aparece três vezes na delação do ex-executivo da Odebrecht como intermediário de um dos pagamentos feitos a Eliseu Padilha.
"Um dos pagamentos (...) ocorreu entre 10 de agosto e o final de setembro de 2014 na (...) sede do escritório de advocacia José Yunes e Associados", afirmou.
O assessor nega o recebimento de qualquer quantia da empreiteira.
Moreira Franco
O secretário-executivo de Parcerias de Investimentos de Temer aparece 34 vezes na delação de Melo Filho - é citado nos documentos internos da Odebrecht com o apelido "Angorá".
O delator afirmou que, como Padilha, Franco representava os interesses de Temer e atuava "em menor escala" como arrecadador. Disse ter se reunido "algumas vezes" com o peemedebista para tratar sobre temas de aviação civil, quando Franco coordenava a área no governo Dilma Rousseff, entre 2013 e 2014.
Afirmou ainda que em uma dessas ocasiões Moreira Franco, ex-governador do Rio de Janeiro e nome histórico do PMDB, pediu recursos para campanhas do partido.
"Resumindo, para fazer chegar a Michel Temer os meus pleitos, eu me valia de Eliseu Padilha ou Moreira Franco, que o representavam. Essa era uma via de mão dupla, pois o atual presidente da República também utilizava seus prepostos para atingir interesses pessoais, como no caso dos pagamentos que participei, operacionalizado via Eliseu Padilha."
Moreira Franco já havia negado qualquer irregularidade e classificado as declarações de Melho Filho como "mentira afrontosa".
Gilberto Kassab
Ex-prefeito de São Paulo, atual ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações de Temer (e presidente licenciado do PSD), Kassab apareceu em declarações preliminares de executivos da Odebrecht como um dos políticos que teriam recebido recursos ilícitos da empreiteira.
Na delação de Melo Filho, contudo, o ex-executivo disse que embora tenha sido associado em planilhas internas a pagamentos feitos a "Kafta" (apelido de Kassab nas comunicações da empresa), ele não reconhece esses repasses e não participou de "eventuais tratativas e nem de qualquer fase da formalização dos pagamentos".
O jornal O Globo informou nesta segunda-feira (12) que o executivo da Odebrecht Paulo Cesena disse que Kassab recebeu R$ 14 milhões da empresa em caixa 2 em 2013 e 2014 para sua campanha ao Senado em 2014 e demais compromissos eleitorais do PSD.
Procurado pelo jornal, Kassab afirmou que os depoimentos ainda precisam ser "apurados com profundidade e comprovados".
Bruno Araújo
Claudio Melo Filho menciona o atual ministro das Cidades, Bruno Araújo (PSDB), como um dos políticos com os quais mantinha contatos frequentes.
Deputado federal licenciado, Araújo teve o nome citado em lista de pagamentos da Odebrecht, revelada após busca e apreensão em fevereiro de 2016. Ex-líder do PSDB na Câmara no governo Dilma, ele teria recebido recursos para as campanhas de 2010 e 2012.
Quando a planilha veio à tona, em março, Araújo disse ter recebido apenas doações oficiais e legais da empreiteira baiana.
A delação de Melo Filho não cita repasses a Araújo. O ex-executivo diz apenas que mantinha "boa relação profissional e pessoal" com o então deputado, com quem tratou de temas como "política na Bahia" e "renovação dos contratos de energia no Nordeste".
Araújo também ficou conhecido por dar o voto decisivo a favor do impeachment de Dilma na Câmara. Em 2012, ele propôs a condecoração de Melo Filho com a Medalha do Mérito Legislativo.
José Serra
Embora não seja citado diretamente na delação de Melo Filho, o ministro das Relações Exteriores do governo Temer, José Serra (PSDB), foi citado por funcionários da Odebrecht como destinatário de R$ 23 milhões repassados via caixa 2 para sua campanha presidencial de 2010.
Parte desses recursos teria sido transferida por meio de uma conta na Suíça.
As informações foram reveladas em agosto pelo jornal Folha de S.Paulo.
Na ocasião, Serra afirmou, em nota ao jornal, que sua campanha de 2010 "foi conduzida na forma da lei e, no que diz respeito às finanças, era de responsabilidade do partido".
Mendonça Filho, Raul Jungmann e Ricardo Barros
Os ministros Mendonça Filho (Educação, DEM), Raul Jungmann (Defesa, PPS) e Ricardo Barros (Saúde, PP) aparecem nos documentos da Odebrecht apreendidos em fevereiro de 2016. Eles estariam entre os mais de 200 políticos de mais de 20 partidos que receberam recursos da empreiteira.
Na ocasião da divulgação dos documentos, Jungmann - "Bruto", no apelido da Odebrecht - disse que recebeu R$ 100 mil em doações de campanha de empresas do grupo baiano e que o valor foi declarado à Justiça Eleitoral.
Mendonça Filho foi na mesma linha - afirmou ter recebido doações legais por meio do partido. "É importante separar a doação empresarial legal, permitida então pela Lei Eleitoral, e contribuições ilegais derivadas de corrupção, as quais são investigadas pela Operação Lava Jato."
Barros aparece ligado a um suposto repasse de R$ 100 mil a uma campanha municipal de um aliado em 2012. Na ocasião da divulgação da "superlista", ele negou que o aliado tivesse recebido recursos de forma direta da empreiteira e disse que estava verificando se o eventual pagamento teria ocorrido por meio do partido.
Ministros que deixaram o governo
Ex-integrantes do primeiro escalão da gestão Temer também foram citados na Lava Jato.
Geddel Vieira Lima (PMDB), ex-titular da Secretaria de Governo, aparece 67 vezes na delação de Melo Filho.
Com o apelido "Babel", é citado como responsável por ter apresentado Temer ao ex-executivo e pela "influência" dentro do núcleo duro do PMDB formado por Temer, Eliseu Padilha e Moreira Franco.
Melo afirma que Geddel "interagia com agentes privados para atender seus pleitos em forma de pagamentos" e cita presentes e repasses ao ex-ministro em 2006, 2008, 2010 e 2014, que teriam superado R$ 5 milhões.
Geddel, que deixou o cargo no mês passado após ser acusado pelo ex-ministro da Cultura Marcelo Calero de defender interesses particulares no governo, sempre negou o emprego de recursos de caixa dois.
O senador Romero Jucá (PMDB), ex-titular do Planejamento, é citado por Melo Filho mais de cem vezes na delação.
Apelidado "Caju" nas comunicações internas da empreiteira, é mencionado por Melo Filho como integrante do "núcleo dominante" do partido no Senado e "principal interlocutor" do ex-executivo no Congresso. Teria recebido R$ 22 milhões em pagamentos.