O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, completou 48 anos nesta terça-feira (12). Enquanto falava à reportagem da BBC News Brasil na sala reservada de seu gabinete em Brasília, na tarde daquele dia, Maia notou um ruído crescente de conversas na sala de reuniões, ao lado - e chegou a pedir a um assessor para checar. Momentos depois ele próprio descobriria do que se tratava: colegas deputados o receberam aos gritos de "Maia! Maia!", para uma festinha surpresa de aniversário.
Na outra sala, deputados de vários pontos do espectro ideológico: de Heráclito Fortes (DEM) e Gilberto Nascimento (PSC), a José Guimarães (PT) e André Figueiredo (PDT). A diversidade ilustra um fato sobre o pré-candidato presidencial do DEM: ele consegue conversar também com políticos de esquerda, mesmo defendendo uma política econômica liberal (é a favor da manutenção da "PEC do Teto" e de uma reforma da Previdência, por exemplo).
Nas últimas duas semanas, a imprensa brasileira publicou algumas reportagens sugerindo que Maia, mal colocado nas pesquisas de intenção de voto, estaria prestes a abrir mão de sua pré-candidatura - para apoiar Ciro Gomes (PDT) ou Geraldo Alckmin (PSDB). Em troca, o próximo presidente da República apoiaria o carioca na futura disputa por mais dois anos à frente da Câmara. À BBC News Brasil, Maia negou a barganha e disse que não vai deixar a corrida agora - mas também não descartou fazê-lo no futuro.
Maia disse que uma decisão deste tipo caberia a seu partido, o DEM, e que ele próprio irá conversar com outros pré-candidatos, inclusive Ciro Gomes (PDT), a quem elogiou durante a entrevista - o cearense é "mais competitivo" que outros postulantes do dito "centro", disse o demista. "A questão do Ciro Gomes, primeiro, não teve nenhuma conversa. Nós vamos conversar, eu vou conversar", disse.
Em quarenta minutos de entrevista, Maia falou também sobre programas sociais, diversidade de gênero e racial nos governos e contas públicas. Para ele, o chamado "Teto de Gastos" é importante justamente para criar "conflito" entre a Previdência e as demais áreas, precipitando a reforma do sistema de aposentadorias e mais eficiência no uso do dinheiro público.
Rodrigo Maia - a quem o senador José Serra (PSDB-SP) chamava de "alevino" - é um político já com certa experiência: está no quinto mandato como deputado federal e preside a Câmara desde julho de 2016. Mesmo assim, se retrai um pouco na cadeira e diminui o tom de voz quando fala de assuntos não quais não se sente tão seguro; é mais expansivo quando aborda temas de economia, sua especialidade. A alcunha dada por Serra refere-se ao fato de Rodrigo ser filho do ex-deputado e ex-prefeito do Rio, Cesar Maia. "Alevino", no dicionário, é o filhote de peixe.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
BBC News Brasil - A última pesquisa de intenção de voto do Datafolha mostra o senhor oscilando de 1% a 2% das intenções de voto. Seria natural abandonar a ideia de candidatura presidencial?
Rodrigo Maia - Qual a diferença de 2% para 4% e de 4% para 6%? Nenhuma. Essa não pode ser a base de uma decisão. A base de uma decisão é a construção política de uma candidatura que possa aglutinar uma parte do tempo de televisão, uma parte dos partidos, e que tenha clareza de qual é o projeto que vai defender no processo eleitoral. Acredito que no momento não tem nenhuma decisão a ser tomada, até porque a sociedade não está nesse momento ainda olhando eleição.
Para não ser candidato (e apoiar outro nome) tem que ter uma motivação, de um programa, de ideias que a gente vem defendendo e que possam estar incorporadas numa outra candidatura. Ninguém vai poder decidir por pesquisa quem é o melhor ou o pior candidato nesse momento.
BBC News Brasil - Por que resolveu entrar na campanha presidencial? Muita gente vê como uma tentativa de se cacifar para se manter na presidência da Câmara no ano que vem, ou para valorizar o DEM nas negociações eleitorais.
Maia - Isso é besteira, porque (manter) a presidência da Câmara é muito mais provável sem uma pré-candidatura presidencial do que com pré-candidatura.
A sociedade vai decidir o vitorioso quando enxergar quem é candidato que pode pacificar, que pode unir o Brasil. De certa forma eu faço isso com algum resultado positivo na presidência da Câmara, mas isso ainda não foi enxergado como um ativo no processo pré-eleitoral até porque a crise econômica é muito grande, a crise política. A sociedade por enquanto está olhando os extremos, mas quando você faz uma (pesquisa de opinião) qualitativa, você vê que o resultado majoritário no final é (o desejo por) um perfil que represente esse perfil mais conciliador, que eu com certeza tenho.
BBC News Brasil - Se uma conversa com Ciro Gomes andar, o senhor estaria disposto a moderar sua agenda ou fará exigências a ele?
Maia - Eu acho engraçado os candidatos que se dizem no campo de centro (...). Na hora que amplia um pouquinho o que é centro, aí não pode. O Ciro não pode ser centro porque o Ciro tem mais competitividade do que alguns que estão no nosso campo (como Alckmin, Meirelles, etc).
Por que o ponto de vista ideológico do Ciro não pode estar dentro do centro? Por que só os políticos liberais na economia estão dentro do centro? Então não é centro, aí é centro-direita, vamos repactuar isso.
Então, partidos que estão fora desse núcleo do poder nos últimos 30 anos, como o DEM está fora, apesar de ter a presidência da Câmara, como o Álvaro Dias (pré-candidato a presidente pelo Podemos) está fora, como o PDT está fora. Eles podem tentar representar o centro. Não significa que eu vou pensar igual ao Ciro, ou que eu vou pensar igual ao Fernando Haddad. Mas eu tenho capacidade de sentar com o PDT e PT nessa mesa e construir uma agenda na Câmara dos Deputados, mesmo que às vezes eles votem contra, que a gente tenha posições divergentes.
Então, a questão do Ciro Gomes, primeiro, não teve nenhuma conversa. Nós vamos conversar, eu vou conversar.
BBC News Brasil - Sabemos que sua ascensão à presidência da Câmara foi a partir do diálogo com os vários campos políticos, mas o senhor tem propostas muito diferentes das de Ciro.
Maia - Claro, eu não estou dizendo que eu vou apoiar o Ciro, estou dizendo que eu vou dialogar com o Ciro. Em 2000, quando nós estávamos isolados no Rio, foi o Ciro Gomes que levou o PPS (então partido de Ciro) para apoiar a candidatura do ex-prefeito Cesar Maia e foi fundamental na nossa vitória. Não é possível que agora eu não possa dialogar com o Ciro (...).
Eu tenho muita clareza que sem uma discussão de um novo Estado, de uma nova Previdência, não haverá espaço para a política se reconectar com a sociedade. O que aconteceu com a política nos últimos 30 anos? Grupos, lobbies de poder públicos e privados foram se apoderando do Estado brasileiro, segmentos do serviço público foram ganhando autonomia orçamentária, foram ganhando maiores salários. Por outro lado, setores da economia foram conseguindo benefícios, incentivos fiscais, conseguindo capturar parte do Orçamento da União. O que aconteceu hoje? O Estado brasileiro não tem mais condições de responder às demandas da sociedade.
BBC News Brasil - O senhor disse na semana passada que entre Bolsonaro e Ciro em um segundo turno, a princípio, hoje, apoiaria Ciro. Por quê?
Maia- Porque hoje eu conheço mais o que o Ciro pensa, a experiência dele como governador (de Ceará), como ministro (nos governos Lula e Itamar Franco), e no processo eleitoral eu vou conhecer melhor o que pensa o Bolsonaro. Pelo que o Bolsonaro falava no passado eu não tenho condição de votar, mas ele pode ter mudado.
BBC News Brasil - Mas o que ele disse que impediria seu apoio?
Maia - Ele historicamente tem votações aqui (na Câmara) mais nacionalistas, mais estatizantes, mas agora tem falado até de temas econômicos na linha mais liberal. Eu quero que o processo eleitoral me diga se ele de fato mudou.
BBC News Brasil - As declarações do Bolsonaro, muito violentas contra minorias, também seriam um fator para não apoiá-lo?
Maia - Eu acho que o Brasil precisa de conciliação. Não sei qual é a capacidade do Bolsonaro ou a vontade de compreender isso, eu acho que ele pode acreditar que essa polarização é o caminho dele. Ele tem feito assim e tem sido muito bem-sucedido para um político que não tem partido, não tem tantos aliados. (...) Claro, eu sou um político conservador, sou de um partido conservador nos valores, mas ele vai além disso (do conservadorismo) nas declarações dele ao longo dos últimos vinte anos.
BBC News Brasil - Por que o eleitor deveria esperar que um eventual governo Rodrigo Maia seja diferente do governo de Michel Temer, que é rejeitado pela população?
Maia - O governo do presidente Michel é um governo que paga um preço por outros motivos, fora da agenda econômica. Se o impeachment não tivesse ocorrido, onde estaria a economia brasileira hoje?
O que eu acho que falta ao governo (Temer) é uma articulação maior em outras políticas públicas. Por exemplo, quando o gás de cozinha subiu muito, e a base da sociedade passou a não ter mais condição de comprar gás de cozinha: faltou ao governo a capacidade de articulação para atender a essa parte da sociedade - especialmente as pessoas que estão no cadastro do Bolsa Família - e que perdeu a capacidade de cozinhar com gás.
Então acho que falta ao governo uma política mais articulada, onde a economia não fala por si só. A política econômica não vai resolver o problema da saúde, da educação.
BBC News Brasil - Mas o senhor é a favor da atual política de preços da Petrobras, certo? O que o senhor teria feito no caso do gás?
Maia - Não da política de aumento diário. O governo teve R$ 30 bilhões de excesso de arrecadação no Refis (de 2017). O governo poderia ter usado parte desse dinheiro para, no cadastro da Bolsa Família, no ano passado, ter colocado um recurso, como se fosse um vale gás. Como uma questão transitória, para amortizar os preços. É só isso. Não estou querendo interferência nos preços (da Petrobras).
Agora, o Brasil tem um problema hoje. O presidente Temer passou por duas denúncias (feitas pela PGR), com muito desgaste, que continua. E na cabeça da sociedade há o Lula e há o Michel. Não há a Dilma. O fundo do poço da Dilma, onde a economia caía muito, saiu da história. A cronologia da história hoje tem o Lula, e tem o Michel.
BBC News Brasil - Sem a reforma da Previdência, o Novo Regime Fiscal (criado pela "PEC do Teto de Gastos") faz com que as aposentadorias consumam recursos de outras áreas - que começaram a ter problemas.
Maia - Vamos criar o conflito (por recursos). Porque se a gente não criar o conflito, todo ano é aumentar imposto para zerar o deficit do governo. Em todos os últimos 30 anos foi assim. Tirando a criação da PEC do Teto. Ela vai gerar restrições? Vai. Mas não são restrições graves. O Brasil não tem capacidade de investimento hoje.
BBC News Brasil - Quase metade do gasto com ciência e tecnologia evaporou em 2017, por exemplo.
Maia - Sim, mas o teto de gastos… só ele não explica o que você está falando. Nós temos uma relação entre a dívida (pública) e o PIB (a soma de tudo o que o país produz) crescente; nós temos um deficit público, um deficit primário muito alto (...). Olha o que se gastou do Estado. Onde foi parar esse dinheiro? Ninguém sabe.
Nós temos um deficit da Previdência que cresce todo ano, de forma líquida, mais de R$ 50 bilhões. Não é o teto de gastos que é o problema. Porque não adianta você liberar os gastos, que você vai ter que aumentar o endividamento (...).
Então o problema é muito mais grave do que falar que "a regra do teto de gastos reduziu o investimento com ciência e tecnologia". Não é verdade. O que está reduzindo os investimentos no Brasil é a falta de capacidade do Orçamento de atender aos anseios da sociedade. Por quê? Porque ao longo dos últimos 30 anos, parte da sociedade foi atendida na questão tributária, na questão previdenciária, onde os maiores salários se aposentam mais cedo; nos incentivos (para setores econômicos); com salários altíssimos (do funcionalismo), onde piso e teto são muito próximos. Então vai ter que se rever tudo isso.
BBC News Brasil - É hora de taxar heranças, atualizar a tabela do Imposto de Renda e tornar o sistema tributário mais progressivo (penalizando menos os mais pobres)?
Maia - É claro que hoje, na tributação brasileira, você tem a renda que é pouco tributada, e o consumo que é muito tributado.
Isso (uma reforma tributária) tem que ser no contexto geral (feita de forma ampla), pois se você ficar olhando só uma parte, vai só aumentar alíquotas para aumentar a arrecadação. E essa (parte) não pode ser o foco da reforma. Por isso que eu acho que uma reforma do sistema (tributário) como um todo é o melhor.
Mas que esses temas estarão na ordem do dia de qualquer futuro governo, eles estarão. É só ver como vem crescendo o resultado dos dividendos nos últimos anos, para mostrar que tem alguma coisa errada. A pejotização, com todo mundo no Brasil virando pessoa jurídica para pagar menos tributo. Então isso tudo vai ter que ser rediscutido no Brasil.
Vamos ter que olhar, por exemplo, todos os benefícios fiscais que existem na aplicação de recursos dos rentistas, da renda fixa (...). Precisamos discutir também o incentivo (isenção de Imposto de Renda) que se tem à renda fixa na LCI (Letras de Crédito Imobiliário) e LCA (Letras de Crédito Agrário), aquilo ali também é um benefício que não tem nenhum sentido de continuar existindo.
BBC News Brasil - As pesquisas eleitorais mostram que a maior parte do público indeciso no momento é de mulheres. A bancada do DEM, por exemplo, tem 43 deputados e só quatro mulheres. São quase todos homens brancos. Como o senhor vai dialogar com esses grupos do Brasil que não estão representados atualmente?
Maia - Nós (DEM) governamos a cidade de Salvador, que tem participação enorme de negros (...). Sempre tivemos uma agenda de valorização das mulheres. Nossa primeira secretária de Fazenda na Prefeitura do Rio (na gestão de César Maia, de 1993 a 1996) foi a Maria Silvia (Bastos), nós tivemos a (ex-deputada federal) Solange Amaral como nossa candidata a prefeita (do Rio, em 2008). Então a gente sempre incentivou a participação de outros segmentos da sociedade, e não só os políticos brancos, como você está colocando.
É óbvio que há a desigualdade, e é uma desigualdade maior que aquela discutida pelas cotas raciais, é uma desigualdade socioeconômica. E ela tem que ter políticas afirmativas, não tenho a menor dúvida disso.
Alguns defendem cotas, eu defendo, desde que fui presidente do partido, tenho defendido políticas socioeconômicas para reduzir desigualdades. Quando a gente olha os números da pobreza no Brasil, a gente percebe que metade dos brasileiros que vivem na pobreza, com até meio salário mínimo, estão no Nordeste. Então tem que ter um foco regional, um foco na renda, e um foco na questão racial.
BBC News Brasil -Se for presidente, terá ministros negros e mulheres?
Maia - É óbvio que um governo que sai das urnas sai com uma conciliação com a maior parte dos segmentos da sociedade (do que um governo que é resultado de impeachment). Então, se você ganha uma eleição presidencial, precisa que a sociedade esteja representada no seu governo.
BBC News Brasil - O senhor tem essa preocupação (com a diversidade)?
Maia - Claro que um governo que sai das urnas sai com uma conciliação com a maior parte dos segmentos da sociedade (do que um que é resultado de impeachment). Então, se você ganha uma eleição presidencial, precisa que a sociedade esteja representada no seu governo.
BBC News Brasil - O que o senhor faria com os programas sociais que se tornaram marcas do país, como Minha Casa, Minha Vida, Mais Médicos, Bolsa Família?
Maia - Especificamente o Minha Casa, Minha Vida (MCMV) me parece que é um modelo que vai gerar muitos problemas para o Brasil. Porque não se pensou na possibilidade de ir aos poucos adensando os bairros constituídos, onde você tenha equipamentos públicos.
Onde eu conheço o MCMV, principalmente os maiores (conjuntos habitacionais), você está gerando transtornos para os moradores, falta de equipamentos públicos (escolas, postos de saúde, etc), muitas vezes falta de saneamento. A pessoa mora numa casa onde todo o esgoto é jogado em um valão ao lado. Não tem muitas vezes linha de ônibus, muito menos metrô e trem.
O Bolsa Família é uma política estritamente de gestão da pobreza. Não há uma política de mobilidade social. A política do Bolsa Família é importante. Mas não tem nenhum outro caráter que não o de administrar a pobreza.
Então o que temos que fazer é uma política pública focada nas crianças, a qual eu chamei de "Poupança da Criança". A gente vai estimular fortemente os pais a fazer essa poupança, aumentando ano a ano. A cada ano de estudo, aumenta-se essa poupança. E quando terminar o ensino médio, ela vai ter a possibilidade de montar um pequeno negócio, ou de pagar sua própria faculdade. Uma política que estimule o foco na educação. Seria um programa além do Bolsa Família, para estimular a mobilidade social.
A questão dos Mais Médicos, dos cubanos, eu acho que a gente precisa repensar esse programa. Ele foi muito criticado pela área médica brasileira.
Claro que o debate sobre como vai se garantir médicos em regiões que não sejam as grandes cidades, tem que se pensar um programa para colocar mais médicos no interior do Brasil. Mas com outra qualidade. Não se pode cobrar dos médicos brasileiros uma qualidade no ensino, e trazer de fora médicos com qualidade duvidosa.
Foi importante, teve um papel (o programa). Onde não tinha ninguém chegaram (os médicos). Os prefeitos demandam. Mas é preciso repensar com o foco na medicina brasileira.
BBC News Brasil - O senhor acredita em uma terceira denúncia contra o presidente Michel Temer?
Maia - Este é um tema no qual não dá para trabalhar com hipóteses. A Procuradoria-Geral da República (PGR) tem a sua independência para trabalhar, o Judiciário para decidir, o Legislativo para legislar. Cada um no seu tempo. Se a decisão da PGR for essa (denunciar), é um direito dela. Não cabe à política ficar especulando, até porque essa especulação atrapalha muito a mínima estabilidade que a gente tem hoje no Brasil.