O delegado Alexandre Ramagem, confirmado nesta terça-feira para o cargo de diretor-geral da Polícia Federal, é uma escolha pessoal do presidente Jair Bolsonaro que, embora conte com respaldo internamente da categoria, é vista com forte desconfiança e contestação externas.
A opção do presidente por Ramagem ocorre em meio à maior crise por que passa o governo. Bolsonaro --que já vinha sendo criticado por desobedecer orientações de isolamento social durante a pandemia do novo coronavírus-- passou a ser investigado, a partir da véspera, por supostamente querer trocar o chefe da PF com o intuito interferir em investigações da Polícia Federal.
Essa acusação foi feita por Sergio Moro na sexta-feira ao anunciar que estava pedindo demissão do cargo de ministro, após o popular ex-juiz da Operação Lava Jato não ter aceitado a decisão de Bolsonaro de demitir o então chefe da PF, Maurício Valeixo. Bolsonaro torna-se o segundo presidente seguido a ser investigado pelo STF no exercício do cargo.
Delegado da PF há 15 anos, Ramagem se encontra no último grau da carreira e é respeitado pelos pares, tendo participado de investigações e operações policiais, disse à Reuters uma fonte com largo conhecimento da corporação, mas nunca exerceu o comando de superintendências ou de diretorias de destaque.
Em 2018, o delegado assumiu a coordenação de segurança do então candidato e atual presidente. No início do governo, após se aproximar de Bolsonaro e da família presidencial, assumiu o cargo de assessor especial da Secretaria de Governo da Presidência e, em julho passado, assumiu a direção-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).
Ramagem volta agora à PF para ocupar o cargo máximo e, horas depois de sua nomeação, é alvo de uma série de ações judiciais que querem anular sua escolha por supostamente desvio de finalidade. Ou seja, teria sido colocado no cargo para blindar o presidente em investigações.
Essa tese para contestar a escolha do novo diretor-geral da PF não é nova e foi usada pelo ministro do Supremo Gilmar Mendes para barrar a nomeação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a Casa Civil pela então presidente Dilma Rousseff, às vésperas de sofrer um impeachment.
Além do inquérito aberto para apurar as acusações de Moro a Bolsonaro, o presidente, segundo o ex-ministro, se preocupa com o andamento de investigações no STF --tocadas pela PF-- que podem envolver pessoas próximas a ele.
O principal questionamento a Ramagem se dá justamente por essa suposta relação íntima com a família presidencial --há uma foto dele circulando em redes sociais ao lado de um dos filhos do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro.
O próprio presidente minimiza isso. "E daí? Antes de conhecer meus filhos eu conheci o Ramagem (sic). Por isso deve ser vetado? Devo escolher alguém amigo de quem?", respondeu Bolsonaro a uma internauta no domingo por meio das redes sociais sobre essas relações.
O sentimento interno na PF é que, em outras circunstâncias, Ramagem seria considerado totalmente apto para comandar a corporação, disse a fonte à Reuters. "Infelizmente, a troca do ministro da Justiça e do Valeixo, de forma dramática e complicada, já gerou ruido. Espero que o novo diretor-geral não seja nada disso", avaliou.
O novo diretor-geral da PF ainda tem uma carreira pela frente na corporação e terá de pesar ações e decisões que tomar à frente do cargo. "O governo é transitório, ele não tem mandato e pode cair na primeira crise que tiver", alertou essa fonte.
Em nota após a efetivação de Ramagem, a Associação Nacional dos Delegados da PF desejou a Ramagem uma profícua administração e disse que o nomeado "possui qualificação técnica para o exercício do cargo, acumulando experiências em diversos setores da instituição".
"O momento exige da PF trabalho árduo, medidas sérias e a demonstração expressa nos atos e nas palavras de que a sociedade continuará tendo todos os motivos para ter a instituição no mais alto conceito de seriedade e excelência técnica de suas atividades constitucionais e legais. Certamente, o novo diretor-geral poderá contar com o apoio dos seus pares e da Associação em tudo que fortalecer e proteger o órgão", informou a entidade.
Qualquer eventual tentativa de interferência em investigações seria prontamente rechaçada pela carreira, citou a fonte, lembrando de um episódio recente. Em 2018, o então diretor-geral da PF, Fernando Segovia, acabou por deixar o cargo após ter sido alvo de forte pressão ao indicar, em entrevista à Reuters, que haveria uma tendência de arquivamento de apurações da corporação contra o à época presidente Michel Temer.
A associação dos delegados espera que Bolsonaro mantenha o compromisso de garantir autonomia ao diretor-geral para formar sua equipe e conduzir a corporação de forma técnica e republicana. Defendeu novamente a aprovação de uma proposta que estabelece mandato para o diretor-geral e autonomia para a PF.
Na avaliação de uma fonte do Supremo, o andamento de investigações conduzidas pela PF --motivo de preocupação do presidente-- depende dos desdobramentos que haverá após passar a pressão do atual caso.
"Tudo que aparece de novo tem o momento do susto, do impacto e se as coisas não virarem rápido, arrefecem", disse a fonte ouvida pela Reuters, citando o fato de que praticamente não há lembrança das revelações feitas pelo site The Intercept Brasil que apontariam um suposto conluio na atuação de Moro e procuradores na Lava Jato.