A subprocuradora-geral Raquel Dodge será a primeira mulher a comandar a Procuradoria-geral da República (PGR) a partir de setembro, quando substituir o procurador Rodrigo Janot.
Dodge foi a segunda mais votada da Lista Tríplice da Associação Nacional dos Procuradores da República, entregue na tarde de quarta-feira ao presidente Michel Temer. Horas depois, o Planalto anunciou sua indicação para o cargo.
Ela ainda será submetida a uma sabatina no Senado para ter sua indicação aprovada pelos senadores antes de ser oficializada.
A subprocuradora, que é mestre em Direito pela Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, e entrou no Ministério Público Federal em 1987, estava atrás de Nicolao Dino, que era tido como o candidato mais próximo a Janot.
Ela é descrita como alguém de perfil "centralizador" e com reputação "respeitável" no MPF. Segundo procuradores ouvidos pela BBC Brasil, Dodge não é entendida como uma ameaça à Operação Lava Jato, mas dificilmente será "um novo Janot".
Nos debates entre os candidatos ao cargo, no entanto, Dodge defendeu a ampliação da operação e prometeu maior celeridade na condução dos processos.
O anúncio veio apenas dois dias depois de Janot apresentar denúncia contra Temer ao Supremo Tribunal Federal (STF) por corrupção passiva.
Tensão
Dentro do MPF, Dodge é tida como alguém que fazia oposição moderada a Rodrigo Janot. O maior enfrentamento público dos dois ocorreu em abril deste ano, no debate sobre uma proposta de Dodge que, para Janot, afetaria o andamento da Lava Jato.
A subprocuradora apresentara uma proposta ao Conselho Superior do Ministério Público para restringir o trânsito de procuradores no Ministério Público Federal.
Atualmente, procuradores de quaisquer unidades podem ser realocados para outras coordenadorias ou equipes exclusivas de determinadas investigações. A maioria dos procuradores da força-tarefa da Lava Jato, por exemplo, foram cedidos por outros Estados.
Dodge argumentava, no entanto, que isso provoca desfalque em algumas procuradorias de Estados, que estão sobrecarregadas de trabalho, e sugeria limitar a 10% o número de procuradores que podem ser cedidos a outras unidades.
Na prática, isso significaria que alguns dos profissionais atualmente alocados em investigações teriam que retornar a seus Estados, caso suas procuradorias de origem estivesse desfalcadas. Segundo Dodge, as forças-tarefa da Lava Jato em Brasília, em Curitiba e no Rio não seriam afetadas pela mudança.
A maioria dos integrantes do conselho votou a favor da proposta, mas Janot se disse "perplexo" com a medida e interrompeu a decisão, pedindo vista.
O procurador disse que não fora consultado sobre um eventual impacto da medida sobre a força-tarefa da Lava Jato, ao que Dodge retrucou dizendo ter falado com ele e tentado marcar, sem sucesso, um horário para discutirem o assunto.
Após a tensão, o Conselho decidiu manter a aprovação da medida, mas com mudanças no texto original. Dessa forma, a regra só vale a partir de janeiro de 2018 e não afetará grupos de investigadores já formados. Em entrevista, Janot disse estar satisfeito com a "flexibilidade" dos membros do Conselho.
Dodge, no entanto, não foi a única candidata à procuradoria que manifestou apoio à proposta. O próprio Nicolao Dino, tido como candidato de Janot, chegou a dizer que as forças-tarefa não podiam implicar em "sacrifícios insuperáveis para as unidades que cedem essas forças de trabalho".
'Celeridade'
Em debates entre os candidatos à PGR, Dodge disse que pretende manter o que entende como os três pilares do sucesso da Lava Jato: "ninguém está acima da lei, é possível combater a corrupção com as leis que existem e é preciso ser célere".
Ela afirmou que o próximo ocupante do cargo deveria aumentar a agilidade da operação e garantir que "que a punição seja mais próxima do crime".
Após o embate com Janot sobre o trânsito de procuradores, a subprocuradora afirmou ao jornal O Estado de S.Paulo que a Lava Jato "não deve retroceder um milímetro sequer" e se comprometeu a reforçar a operação e ampliar a equipe de procuradores.
Mesmo assim, sua indicação foi interpretada dentro do MPF como um "recado de Temer a Janot".
Em pronunciamento na terça-feira, o presidente acusou o procurador de buscar "revanche, destruição e vingança" ao pedir ao STF que seja processado por corrupção passiva e disse que a denúncia contra ele seria uma "criação ficcional".
Em nota, a PGR respondeu que Janot tem "atuação técnica, no estrito rigor da lei" e que a acusação se baseia em "fartos elementos de prova" contra o presidente.
Proteção a indígenas
Durante sua carreira no MPF, a subprocuradora fez parte da 6ª Câmara, responsável por populações indígenas e comunidades tradicionais, e diz que a "proteção especial" ao meio ambiente e aos povos indígenas deve ser defendida pelo MPF.
Dodge, que comandou a 2ª Câmara, responsável por questões criminais, até 2014, também afirma atuar "sob a diretriz de que o Direito Penal é instrumento de proteção de direitos humanos".