Relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Espionagem, o senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES) questionou membros do parlamento europeu, nesta terça-feira, sobre qual seria a reação dos países da União Europeia com um eventual pedido de asilo do ex-técnico da Agência de Segurança Nacional (NSA) dos Estados Unidos Edward Snowden. A indagação foi feita ao final de uma reunião em videoconferência, convocada para trocar ideias sobre políticas de proteção de dados.
Ferraço anunciou aos parlamentares europeus que Snowden havia anunciado, em carta, o desejo de receber asilo político no Brasil, e afirmou ser favorável à concessão do benefício ao ex-funcionário da NSA. Em seguida, questionou como seria a avaliação dos países com assento no Parlamento Europeu, geograficamente mais próximos da Rússia, onde vive atualmente o ex-técnico da NSA.
Logo após a pergunta, Ferraço recebeu de um deputado britânico a resposta de que questões relacionadas à Rússia não seriam discutidas naquela sessão. Sem entender se os europeus haviam compreendido a questão, o senador brasileiro e a presidente da CPI, Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), ouviram mais tarde o posicionamento da deputada portuguesa Ana Gomes, que disse que uma questão como essa só poderia ser respondida diante de um pedido formal de Snowden.
"Os países que têm assento no Parlamento Europeu estão muito mais próximos, então, se fosse da avaliação deles, eles poderiam conceder (o asilo). Mas o que nós ouvimos é que só analisariam esta possibilidade diante de um pedido formal, o que não há”, explicou Ricardo Ferraço.
Para o relator, os trabalhos da CPI ganhariam com a concessão do asilo a Snowden. "Eu acho que se ele estivesse conosco, ele daria uma contribuição muito grande, porque nós temos limites. Se fosse concedido o asilo, avançaríamos muito em alguns assuntos que ainda não estão claros", disse.
O senador acredita que o asilo não afetaria a relação do Brasil com os Estados Unidos, por ser um ato de soberania nacional. "É uma larga tradição da política externa brasileira. Nós concedemos asilo a Cesare Battisti (ex-militante italiano), por que não dar asilo político a Edward Snowden, que tem dado uma contribuição extraordinária à necessidade de nós refundarmos os valores e princípios relacionados ao respeito que as nações precisam ter umas com as outras?", questionou.
Veja a carta de Snowden, na íntegra:
"Uma carta aberta ao povo do Brasil, de Edward Snowden
Há seis meses, saí das sombras da Agência de Segurança Nacional (NSA) do governo dos Estados Unidos para ficar na frente da câmera de um jornalista. Eu compartilhei provas de que alguns governos estão construindo um sistema de vigilância em todo o mundo para monitorar secretamente o modo como vivemos, com quem falamos e o que dizemos. Eu me coloquei diante de uma câmera com os olhos abertos, sabendo que a decisão iria custar a minha família, minha casa e que arriscaria a minha vida. Eu fui motivado por uma crença de que os cidadãos do mundo merecem entender o sistema em que vivem.
Meu maior medo era de que ninguém ouvisse minha advertência. Nunca fui tão feliz em estar equivocado. As reações de alguns países têm sido particularmente inspiradoras para mim e o Brasil é certamente um deles.
A NSA e outras agências de espionagem aliadas nos dizem que, pelo bem da nossa própria segurança, em nome da segurança de Dilma, em nome da segurança da Petrobras, revogaram nosso direito à privacidade e invadiram nossas vidas. E o fizeram sem pedir a permissão da população de qualquer país, nem mesmo do deles.
Hoje, se você carrega um telefone celular em São Paulo, a NSA pode manter o controle de sua localização: eles fazem isso 5 bilhões de vezes por dia com as pessoas ao redor do mundo . Quando alguém em Florianópolis visita um site, o NSA mantém um registro de quando isso aconteceu e o que essa pessoa fez lá. Se uma mãe em Porto Alegre chama seu filho para desejar-lhe boa sorte no vestibular, a NSA pode manter esse registo de chamadas por cinco anos, ou mais. Eles ainda controlam quem está tendo um caso ou vendo pornografia, em caso de necessidade de prejudicar a reputação de seu alvo.
Senadores norte-americanos dizem que o Brasil não deve se preocupar, porque isso não é "vigilância” e sim "coleta de dados". Eles dizem que é feito para mantê-lo seguro, mas eles estão errados . Há uma enorme diferença entre os programas legais, espionagem legítima, legítima aplicação da lei - em que os indivíduos são direcionados com base em uma suspeita razoável individualizada - e estes programas de vigilância em massa que põem populações inteiras sob um olho que tudo vê e guardar cópias para sempre. Esses programas nunca foram destinados ao combate do terrorismo: são sobre espionagem econômica, controle social e manipulação diplomática. Elas (espionagem) são por poder.
Muitos senadores brasileiros pediram minha ajuda com suas investigações sobre suspeita de crimes contra cidadãos brasileiros. Expressei minha disposição de auxiliar, quando isso for apropriado e legal, mas, infelizmente, o governo dos EUA vem trabalhando muito arduamente para limitar minha capacidade de fazê-lo - indo tão longe a ponto de forçar o pouso do avião presidencial de Evo Morales para me impedir de viajar para América Latina! Até que um país conceda asilo político permanente, o governo dos EUA vai continuar a interferir em minha capacidade de falar.
Seis meses atrás, eu revelei que a NSA queria ouvir o mundo todo. Agora, o mundo inteiro está escutando de volta, e quer falar também. E a NSA não gosta do que está ouvindo. A cultura de vigilância em todo o mundo indiscriminada, exposto a debates públicos e investigações reais em todos os continentes está entrando em colapso. Há apenas três semanas, o Brasil levou o Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas a reconhecer pela primeira vez na história que a privacidade não para onde a rede digital começa e que a vigilância em massa de inocentes é uma violação dos direitos humanos.
A maré virou e, finalmente, podemos ver um futuro onde podemos desfrutar de segurança sem sacrificar a nossa privacidade. Nossos direitos não podem ser limitados por uma organização secreta e as autoridades americanas nunca deverão decidir as liberdades dos cidadãos brasileiros. Mesmo os defensores da vigilância em massa, aqueles que não podem ser persuadidos de que as nossas tecnologias de vigilância já ultrapassou perigosamente controles democráticos, agora concordam que, nas democracias, a vigilância do público deve ser debatido pelo público.
Meu ato de consciência começou com uma declaração: "Eu não quero viver em um mundo em que tudo o que eu digo, tudo o que faço, todos com quem eu falo, cada expressão de criatividade, amor ou amizade seja registrado. Isso não é algo que eu estou disposto a apoiar, não é algo que eu estou disposto a construir e não é algo sob o qual estou disposto a viver".
Dias depois, foi-me dito que meu governo me fez apátrida e queria me prender. O preço para o meu discurso era o meu passaporte, mas eu pagaria de novo: eu não vou ser o único a ignorar a criminalidade por causa do conforto político. Eu prefiro ficar sem um estado a não ter voz.
Se o Brasil ouvir apenas uma coisa de mim, que seja esta: quando todos nós nos unirmos contra as injustiças e em defesa da privacidade e os direitos humanos básicos, poderemos nos defender até mesmo dos sistemas mais poderosos."
Espionagem americana no Brasil
Matéria do jornal O Globo de 6 de julho denunciou que brasileiros, pessoas em trânsito pelo Brasil e também empresas podem ter sido espionados pela Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (National Security Agency - NSA, na sigla em inglês), que virou alvo de polêmicas após denúncias do ex-técnico da inteligência americana Edward Snowden. A NSA teria utilizado um programa chamado Fairview, em parceria com uma empresa de telefonia americana, que fornece dados de redes de comunicação ao governo do país. Com relações comerciais com empresas de diversos países, a empresa oferece também informações sobre usuários de redes de comunicação de outras nações, ampliando o alcance da espionagem da inteligência do governo dos EUA.
Ainda segundo o jornal, uma das estações de espionagem utilizadas por agentes da NSA, em parceria com a Agência Central de Inteligência (CIA) funcionou em Brasília, pelo menos até 2002. Outros documentos apontam que escritórios da Embaixada do Brasil em Washington e da missão brasileira nas Nações Unidas, em Nova York, teriam sido alvos da agência.
Logo após a denúncia, a diplomacia brasileira cobrou explicações do governo americano. O ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, afirmou que o País reagiu com “preocupação” ao caso.
O embaixador dos Estados Unidos, Thomas Shannon negou que o governo americano colete dados em território brasileiro e afirmou também que não houve a cooperação de empresas brasileiras com o serviço secreto americano.
Por conta do caso, o governo brasileiro determinou que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) verifique se empresas de telecomunicações sediadas no País violaram o sigilo de dados e de comunicação telefônica. A Polícia Federal tambéminstaurou inquérito para apurar as informações sobre o caso.
Após as revelações, a ministra responsável pela articulação política do governo, Ideli Salvatti (Relações Institucionais), afirmou que vai pedir urgência na aprovação do marco civil da internet. O projeto tramita no Congresso Nacional desde 2011 e hoje está em apreciação pela Câmara dos Deputados.
Monitoramento
Reportagem veiculada pelo programa Fantástico, da TV Globo, afirma que documentos que fariam parte de uma apresentação interna da Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês) dos Estados Unidos mostram a presidente Dilma Rousseff e seus assessores como alvos de espionagem.
De acordo com a reportagem, entre os documentos está uma apresentação chamada "filtragem inteligente de dados: estudo de caso México e Brasil". Nela, aparecem o nome da presidente do Brasil e do presidente do México, Enrique Peña Nieto, então candidato à presidência daquele país quando o relatório foi produzido.
O nome de Dilma, de acordo com a reportagem, está, por exemplo, em um desenho que mostraria sua comunicação com assessores. Os nomes deles, no entanto, estão apagados. O documento cita programas que podem rastrear e-mails, acesso a páginas na internet, ligações telefônicas e o IP (código de identificação do computador utilizado), mas não há exemplos de mensagens ou ligações.