O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), deu o primeiro voto contrário à execução da pena de prisão após a condenação de pessoas por um tribunal de segunda instância por entender que a medida importa "antecipação de culpa" e que é "impossível devolver a liberdade perdida ao cidadão".
"Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença condenatória", disse o ministro, referindo-se ao esgotamento de todos os recursos cabíveis. "A culpa surge após alcançada a preclusão maior, descabe inverter a ordem do processo crime", completou.
Marco Aurélio é o relator de três ações em curso no STF que questionam a possibilidade de se rever o atual entendimento, em vigor desde 2016, que permite essa execução.
Após seu voto, o relator defendeu a soltura de presos em segunda instância cujos processos não tiveram recursos esgotados. A proposta dele poderia beneficiar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O STF suspendeu o julgamento para intervalo e retomará as discussões no início da tarde, com o voto do ministro Alexandre de Moraes, o mais novo em atividade na corte.
Na sessão desta manhã, encerrou-se a fase das sustentações orais do julgamento, tendo o ministro da Advocacia-Geral da União, André Mendonça, e o procurador-geral da República, Augusto Aras, falado por último e se posicionado a favor da medida.
Em sua manifestação, o ministro Marco Aurélio Mello disse que a visão que tem sobre o tema é conhecida, sempre contrariamente à medida. Mesmo com o entendimento firmado três anos atrás a favor da execução da pena, ele tem discordado e tomado decisões individuais para barrar esse cumprimento da pena em caráter liminar.
"Desde sempre implemento a resistência democrática e republicana na matéria, em incontáveis habeas corpus, ação de envergadura constitucional maior", disse, ao ressalvar que vai respeitar o entendimento a ser adotado pelo STF a partir deste julgamento.
Em linha ao que disse em entrevista à Reuters na semana passada, o relator também se mostrou contrário à possibilidade de que a execução da pena de prisão pudesse ocorrer após um posicionamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que atuaria como uma terceira instância. "O quadro revelador de escândalos, considerada a corrupção inimaginável, apenas conduz à marcha processual segura. Longe fica de reescrever a Constituição Federal e que dela decorreu, muito menos o Supremo", avaliou.
O ministro disse que nem mesmo uma emenda à Constituição aprovada pelo Congresso poderia rever o entendimento de que a prisão após condenação somente se aplica depois de esgotados todos os recursos cabíveis. Segundo ele, o princípio da não-culpabilidade é cláusula pétrea constitucional, isto é, só pode ser alterada por uma nova Constituinte.
Marco Aurélio defendeu que, em situações excepcionais, é possível que um eventual condenado em segunda instância seja preso. Isso poderia ocorrer, afirmou, nos casos de prisão preventiva prevista no Código de Processo Penal, como garantia da ordem pública.
No início, o relator chegou a tecer críticas ao pedido feito pelo ministro Luiz Fux que pretendia discutir questões preliminares nos processos antes mesmo do voto de Marco Aurélio.