O relator da denúncia contra o presidente Michel Temer e os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria-Geral), deputado Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), seguiu a linha da defesa do presidente e apresentou nesta terça-feira parecer pela rejeição da acusação, por não encontrar "respaldo" na peça ou na legislação, e por considerar que as provas que embasam as acusações foram colhidas de forma ilícita.
O deputado, próximo do senador Aécio Neves (PSDB-MG), aproveitou o parecer lido na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados para criticar a utilização dos conceitos de "organização criminosa" e "obstrução da Justiça", e não poupou comentários sobre a atuação do Ministério Público e até mesmo do Poder Judiciário.
"O que nos fica claro de tudo isso que ora analisamos, é que a tentativa de envolver ministros de Estado e o presidente da República, num somatório de afirmações acusatórias, não encontra respaldo nas várias páginas da denúncia e nem tão pouco na legislação aplicável a partir do texto constitucional", disse Bonifácio em seu parecer.
"Não existem indícios que apontem para a existência de uma organização criminosa, estruturada, estável, coordenada, com clara divisão de tarefas, voltada para a prática sistemática de crimes. Ao contrário, o que se vê são atividades político-partidárias sendo tratadas como criminosas, o que é inspiração antidemocrática."
Para o deputado, os institutos de organização criminosa e obstrução da Justiça, ambos imputados pela procuradoria-geral da República a Temer --os ministros respondem apenas pela primeira acusação-- tem sido alvos de um "amplo abuso sistemático" por parte do Ministério Público.
"Observa-se que estas mesmas críticas também podem ser dirigidas ao crime de obstrução à justiça. Na verdade, trata-se de um tipo penal extremamente aberto, vago, impreciso e elástico, usado tipicamente em de regimes autoritários e que, na prática, acaba por criminalizar uma série de condutas lícitas", argumentou o deputado, no relatório.
Bonifácio afirmou ainda, em seu relatório, que a denúncia utiliza provas "ilícitas, colhidas ilegalmente e sem autorização judicial, sobretudo baseadas em delações premiadas barganhadas pela promotoria", sem referência explícita aos executivos da J&F, controladora da JBS, que chegaram a gravar conversa com o presidente.
Algumas dessas delações chegaram a ser objeto de um pedido de rescisão por parte da Procuradoria-Geral da República (PGR), mas ainda não houve decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). As provas obtidas por meio das colaborações continuam válidas, no entendimento da PGR.
O relator argumentou ainda que a Constituição é "clara" ao dizer que o presidente da República não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao seu mandato.
FATIAMENTO
A previsão é que a votação do parecer tenha início no dia 17 de outubro na CCJ. Na avaliação de governistas, será possível alcançar placar semelhante ou até mesmo mais favorável a Temer do que na primeira denúncia contra o presidente na comissão.
A denúncia oferecida ainda sob o comando do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot tem como alvos Temer, Moreira e Padilha pelo crime de organização criminosa. Também acusa o presidente de atuar pela obstrução das investigações.
Integrantes da oposição já vinham tentando --e insistiram na tese nesta terça-feira-- analisar a denúncia de forma fatiada. Alguns deputados, como Alessandro Molon (Rede-RJ), que apresentou um requerimento, pediram que a denúncia seja analisada separadamente, levando em conta a atuação de cada um dos acusados, pedido já negado pelo presidente da CCJ, Rodrigo Pacheco (PMDB-MG).
A defesa de Temer adotou a estratégia de desmerecer esta segunda denúncia e recorreu, em manifestação apresentada à CCJ na última semana, ao discurso de uma tentativa de golpe, além de acusar Janot de querer depor o presidente.
Na ocasião, o advogado de Temer, Eduardo Carnelós, afirmou que a denúncia "é uma das mais absurdas acusações de que se tem notícia na história do Brasil" e referiu-se à peça como "absolutamente armada, baseada em provas forjadas feita com objetivo claro e indisfarçado de depor o presidente da República".
Na semana passada, Temer usou seu perfil no Twitter para justificar uma agenda com quase 50 encontros com deputados, argumentando que precisava lidar com mais uma denúncia "inepta", que teria sido proposta, nas palavras de Temer, por uma "associação criminosa que quis parar o país".
A oposição acusou o governo de articular seus votos para derrubar as denúncias usando cargos e emendas parlamentares como moeda de troca. Governistas já vinham argumentando que a liberação de emendas é determinada por lei, que obriga a liberação de recursos inclusive a parlamentares da oposição.
Nos bastidores, aliados do governo reconhecem, no entanto, que se quiser se sair bem nesta segunda disputa, o governo terá de resolver pendências - e emendas ainda não liberadas - prometidas ainda na deliberação da primeira denúncia contra Temer.
PRÓXIMOS PASSOS
Pelas regras da Constituição, uma denúncia contra o presidente da República - e ministros - só pode ser analisada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) mediante autorização de dois terços da Câmara dos Deputados - o equivalente a 342 votos.
Caso o parecer de Bonifácio pela rejeição da denúncia seja aprovado na CCJ, será necessário que 342 deputados votem contra o relatório para que a Câmara autorize o STF a julgar a acusação contra o presidente e os ministros.
Temer, por outro lado, precisa apenas garantir que os votos favoráveis ao parecer, somados às ausências e abstenções, cheguem a pelo menos 172 para barrar a denúncia.
Pelo calendário acertado entre coordenadores de bancada na CCJ, a votação deve ser iniciada no dia 17 no colegiado, para ser levada ao plenário na semana do dia 23 deste mês.