Um relatório da Polícia Federal (PF) afirmou que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) interferiu no andamento de uma investigação envolvendo Jair Renan Bolsonaro, filho mais novo do presidente Jair Bolsonaro, segundo reportagem do jornal O Globo publicada nesta terça-feira, 30.
Em depoimento, Luiz Felipe Barros Felix, agente da PF que havia sido cedido à Abin, disse ter sido designado para uma missão com o objetivo de prevenir "riscos à imagem" do presidente da República. Segundo a reportagem, ele deveria levantar informações sobre um episódio relacionado a Jair Renan. Na época, a PF investigava o filho mais novo do presidente por suspeitas de corrupção e tráfico de influência envolvendo a atuação dele junto ao governo federal - embora ele não exercesse nenhum cargo relacionado ao Executivo.
A operação da Abin sobre a qual o funcionário prestou depoimento ocorreu em 16 de março de 2021. Poucos dias antes, Jair Renan e o personal trainer dele, Allan Lucena, haviam se tornado alvos de uma investigação da PF por suspeitas de terem facilitado acesso ao governo federal a um empresário interessado em receber recursos públicos.
O personal trainer percebeu que estava sendo seguido e acionou a Polícia Militar. Abordado pelos PMs, Felix revelou sua identidade e disse que era subordinado a Alexandre Ramagem, na época comandante da Abin, e afirmou que havia recebido a missão de um auxiliar do chefe da agência.
Segundo Felix, o objetivo da missão da Abin era apurar quem estaria usando um carro elétrico no valor de em R$ 90 mil, que teria sido doado a Jair Renan e ao seu personal trainer por um empresário do Espírito Santo interessado em ter acesso ao governo.
Também em depoimento à PF, o personal trainer Alan Lucena disse ter desistido de dar prosseguimento a um boletim de ocorrência aberto após o incidente da perseguição por medo de retaliações e por se sentir "ameaçado".
Ramagem é amigo dos filhos de Bolsonaro e próximo ao presidente da República. Ele foi chefe de segurança na campanha eleitoral de Bolsonaro em 2018. Depois de eleito, Bolsonaro deu a Ramagem o cargo de comando da Abin.
Ele chegou a ser nomeado diretor-geral da PF no lugar de Maurício Valeixo, demitido por Bolsonaro. Entretanto, teve sua nomeação suspensa pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, sob alegação de que houve desvio de finalidade.
Em março deste ano, Ramagem deixou a Abin para concorrer a deputado federal pelo Rio de Janeiro.
Investigação frustrada
De acordo com o jornal O Globo, após apurar o caso, a PF concluiu que a atuação da Abin interferiu nas investigações. Depois de o agente secreto ser descoberto, Allan devolveu o carro elétrico.
"A referida diligência, por lógica, atrapalhou as investigações em andamento posto que mudou o estado de ânimo do investigado, bem como estranhamente, após a ampla divulgação na mídia, foi noticiado, também, que o sr. Allan Lucena teria 'devolvido' veículo supostamente entregue para o sr. Renan Bolsonaro", diz documento da PF revelado pelo jornal O Globo.
Além disso, segundo a PF, a interferência da Abin pode ter levado os investigados a combinarem versões sobre o caso. De acordo com o relatório, "não há justificativa plausível" para a diligência da Abin.
Ao jornal O Globo, a Abin disse que não há documentos oficiais sobre a operação e que Luiz Felipe Barros Felix não faz parte dos quadros da agência desde 29 de março de 2021 - ou seja, 13 dias após ele ter sido flagrado em missão.
Felix e Lucena não comentaram o caso. Já o advogado de Jair Renan, Frederick Wassef, disse ao jornal O Globo que a atuação da Abin não teve relação com a Presidência da República nem atrapalhou a investigação.