Partidos de diferentes posições no espectro político e integrantes da comunidade jurídica brasileira repudiaram a declaração do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) sobre a possibilidade de um "novo AI-5".
Em entrevista ao canal da jornalista Leda Nagle no YouTube, o deputado afirmou que o governo poderá reagir com um "novo AI-5" caso haja "radicalização" por parte de militantes de esquerda.
"Tudo é culpa do Bolsonaro, percebeu? Fogo na Amazônia (...), óleo no Nordeste, culpa do Bolsonaro. Daqui a pouco vai passar esse óleo, tudo vai ficar limpo, vai vir uma outra coisa, qualquer coisa, culpa do Bolsonaro. Se a esquerda radicalizar a esse ponto, a gente vai precisar ter uma resposta. E uma resposta, ela pode ser via um novo AI-5. Pode ser via uma legislação aprovada através de plebiscito, como ocorreu na Itália. Alguma resposta vai ter que ser dada", disse ele.
A fala foi recebida com notas de repúdio de partidos políticos e de pessoas do mundo jurídico. Eduardo é filho do presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), e o atual líder da bancada do seu partido na Câmara.
Esta é a segunda vez que Eduardo Bolsonaro faz alusões ao regime ditatorial iniciado em 1964 no Brasil.
Na terça-feira (29/10), Eduardo usou a tribuna da Câmara para falar sobre a onda de protestos populares em andamento no Chile.
"Não vamos deixar isso daí (protestos) vir para cá. Se vier para cá, vai ter que se ver com a polícia, e se eles começarem a radicalizar do lado de lá, a gente vai ver a história se repetir. Aí é que eu quero ver como é que a banda vai tocar."
O Ato Institucional nº 5 foi um decreto assinado pelo então presidente Artur da Costa e Silva em 13 de dezembro de 1968. O ato dava ao presidente o direito de fechar o Congresso e resultou na cassação de mandatos de deputados que antagonizavam o regime militar.
Também possibilitou intervenções do presidente no comando de Estados e municípios brasileiros, além de suspender garantias constitucionais dos cidadãos. Na Justiça, o AI-5 acabou com a possibilidade de concessão de habeas corpus a pessoas acusadas de cometer crimes com motivação política.
Na política: esquerda e direita repudiam fala
No Congresso, a fala foi recebida com manifestações de repúdio de partidos de todo o espectro ideológico — desde o Democratas até o PSOL. Parlamentares do próprio PSL também se manifestaram contra Eduardo.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse em nota que manifestações como as de Eduardo eram "repugnantes".
"O Brasil é uma democracia. Manifestações como a do senhor Eduardo Bolsonaro são repugnantes, do ponto de vista democrático, e têm de ser repelidas como toda a indignação possível pelas instituições brasileiras", diz o texto.
"A apologia reiterada a instrumentos da ditadura é passível de punição pelas ferramentas que detêm as instituições democráticas brasileiras. Ninguém está imune a isso. O Brasil jamais regressará aos anos de chumbo", concluiu Maia.
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, disse que a fala era "lamentável".
"É lamentável que um agente político, eleito com o voto popular, instrumento fundamental do Estado democrático de Direito, possa insinuar contra a ferramenta que lhe outorgou o próprio mandato", disse, em nota. "Mais do que isso: é um absurdo ver um agente político, fruto do sistema democrático, fazer qualquer tipo de incitação antidemocrática. E é inadmissível esse afronta à Constituição", afirmou.
Na oposição, PT, PSOL, PSB e PCdoB disseram que levarão o caso ao Conselho de Ética da Câmara, pedindo a cassação do mandato de Eduardo. Também apresentarão uma notícia-crime ao Supremo Tribunal Federal (STF).
O líder do PSOL na Câmara, Ivan Valente (SP), lembrou que Eduardo não era sequer nascido quando o AI-5 foi decretado, em 1968. O decreto marcou o início do pior período do regime militar, disse Valente.
"Ele quer um Bonaparte. Ele (Eduardo) não quer um estado democrático de direito, ele quer um ditador. Um Bonaparte, um homem forte. E esse homem forte se chama Jair Bolsonaro. A sociedade brasileira não vai ficar calada. Nós vamos reagir nas ruas e aqui no Parlamento", disse.
O deputado Paulo Teixeira (PT-SP) classificou a fala de "fato grave" e disse que Eduardo "ameaçou a sociedade brasileira" ao sugerir que protestos seriam enfrentados com violência.
"O AI-5 foi o recrudescimento da ditadura militar que mandou prender, exilou, torturou e matou muitos líderes da oposição". Eduardo Bolsonaro "não merece frequentar uma instituição democrática (como a Câmara), porque a democracia não permite atentados contra a Constituição", disse Teixeira à BBC News Brasil.
O líder da bancada do PSDB na Câmara, Carlos Sampaio (SP), disse que a declaração é um "desatino". "É um comentário que afronta a democracia, agride o bom senso e que não ajuda em nada o país neste momento em que estabilidade política é essencial para avançarmos nas discussões que são importantes para o país."
O deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), um dos coordenadores do Movimento Brasil Livre (MBL), disse que a fala é a "antítese do conservadorismo".
"Vai no sentido da ruptura institucional, da quebra de tudo que foi construído a duras penas no país", disse ele à BBC News Brasil. "É inaceitável um deputado defender o fechamento da instituição que ele representa", disse Kataguiri. "Não precisa de novo AI-5 para combater radicalismo (em manifestações). Para os excessos, já basta a polícia", disse.
Na Justiça: OAB e ministro do STF criticam
Não houve, por enquanto, manifestação do presidente do STF, Dias Toffoli.
O ministro Marco Aurélio reagiu em uma mensagem ao jornal Folha de S.Paulo: "A toada não é democrática-republicana. Os ventos, pouco a pouco, estão levando embora os ares democráticos", disse.
O presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Felipe Santa Cruz, cujo pai foi assassinado pela ditadura militar, também repudiou a declaração.
"É gravíssima a manifestação do deputado, que é líder do partido do presidente da República. É uma afronta à Constituição, ao Estado democrático de direito e um flerte inaceitável com exemplos fascistas e com um passado de arbítrio, censura à imprensa, tortura e falta de liberdade", disse o presidente da OAB.