A eleição deste domingo, que irá definir prefeitos e vereadores nas 5.570 cidades do Brasil, será um teste de novas regras eleitorais, e também ocorre em meio à maior recessão econômica em décadas e sob o rescaldo de uma crise política que cassou um mandato presidencial e reorganizou alianças partidárias no plano federal.
Nesse cenário, uma série de fatores torna o pleito de 2016 um dos mais imprevisíveis dos últimos anos, avalia a cientista política Mara Telles, coordenadora do grupo de pesquisa Opinião Pública, Marketing Político e Comportamento Eleitoral, da UFMG.
Telles organizou, ao lado do cientista político Antônio Lavareda, o recém-lançado "A Lógica das Eleições Municipais" (editora FGV), que analisa o pleito de 2012 e fatores que incidem sobre o voto nos municípios.
Em conversa com a BBC Brasil, a cientista política identificou aspectos que nortearam as campanhas e deverão, em sua opinião, direcionar o voto neste ano.
Partidos em baixa
A crise política e o escândalo de corrupção da Lava Jato, que envolve praticamente todos os grandes partidos em suspeitas, reduz a importância das siglas neste pleito, avalia a professora.
"Eleitores mais ideológicos diminuíram um pouco neste ano porque um dos efeitos principais dos escândalos político-midiáticos de corrupção foi afetar as imagens dos partidos e reduzir os vínculos ideológicos entre partidos e eleitores", afirma.
A conseqüência, diz, é que os partidos nesta eleição deixam de ser "atalhos cognitivos" significativos para o eleitor - elementos que ajudam a formar a decisão do voto.
"Com isso, aumenta o mercado de eleitores 'independentes', que podem mudar constantemente de opinião durante a campanha", afirma Telles.
Segundo a professora, esse eleitor menos identificado com partidos depende mais de informações para formar sua convicção, aumentando a importância da propaganda e a própria imprevisibilidade do pleito.
Para ela, os cenários indefinidos em São Paulo e no Rio de Janeiro, por exemplo, refletem essa característica das eleições de 2016.
"Identidade partidária é um fator de produção de estabilidade do sistema político. Como ela se reduziu em razão dos escândalos, aumenta a volatilidade eleitoral", afirma Telles.
Fragmentação de candidaturas
Outra característica dessa eleição, aponta a cientista política, é a fragmentação das candidaturas, com a emergência de partidos de menor expressão eleitoral.
Um exemplo: o PRB, nona força em tamanho na Câmara dos Deputados, lidera as pesquisas com Marcelo Crivella no Rio e tem chances de chegar ao segundo turno em São Paulo com Celso Russomanno.
O PMN, atualmente sem cadeira na Câmara dos Deputados, lidera em Curitiba com Rafael Greca, e o PHS deverá ir ao segundo turno em Belo Horizonte com Alexandre Kalil.
"Como os políticos em geral estão mal avaliados pela população, o eleitor pode buscar candidatos em partidos novos. Isso explica ascensão de empresários como Alexandre Kalil, em Belo Horizonte, e João Doria, em São Paulo", diz Telles.
A professora também destaca o avanço de candidaturas ancoradas no capital religioso, como as do PRB, sigla ligada à Igreja Universal do Reino de Deus. "É um capital produzido em campos fora da política e em partidos pequenos. Esses partidos, como PRB e PHS, estão tendo força diferente em relação às eleições de 2008 e 2012."
Telles também lembra que a dispersão das candidaturas neste ano também é reflexo da fragmentação na última eleição para o Congresso, quando o brasileiro elegeu 28 partidos diferentes para cadeiras no Legislativo nacional.
"Uma alimenta a outra. Fragmentação nas eleições municipais indica grau de fragmentação no Congresso. Se tivermos fragmentação nas Câmaras Municipais pode apontar, sim, para fragmentação também nas próximas eleições ao Congresso."
Governadores em segundo plano
Outro desdobramento da má avaliação geral da classe política se dá no papel dos governadores, diz Telles, que acabaram sendo coadjuvantes neste pleito.
"A avaliação dos governadores costuma ser importante na eleição municipal. Em 2008, por exemplo, o então governador Aécio Neves (PSDB) teve peso muito importante na eleição do prefeito de Belo Horizonte, Marcio Lacerda (PSB). O (José) Serra conseguiu influenciar a eleição do Kassab (PSD) naquele ano."
Neste ano, diz ela, o quadro é outro porque em geral "os governadores estão muito mal avaliados".
"Além do atalho cognitivo dos partidos não ser forte como previsão de voto, os governadores também não podem se associar muito aos prefeitos que apoiam, porque também estão mal avaliados, tendem a transmitir avaliação negativa aos prefeitos."
A consequência, avalia ela, é que o eleitor tenha maior dificuldade para escolher seu candidato. "Esse fator contribui ainda mais para que temas da campanha sejam locais e os candidatos tentem se descolar um pouco dos governos estaduais, personalizando a disputa."
Cansaço do eleitor
A campanha de 2016, afirma Telles, ocorre após um longo processo de impeachment presidencial que chacoalhou o sistema político, e ao final de um processo de polarização e radicalização que já vem desde a eleição presidencial de 2014.
Tudo isso motivou, afirma Telles, uma certa fadiga no eleitorado, que aparenta ter menos interesse no pleito e na participação política como meio de mudança social. E isso aumenta a imprevisibilidade da eleição, porque esse eleitor tende a decidir na última hora.
Isso ocorre, conclui a pesquisadora, porque há decepção tanto entre quem apoiou a saída de Dilma como entre aqueles que defenderam a permanência da ex-presidente.
"Por um lado, aqueles que não apoiavam o afastamento da ex-presidente se sentiram lesados com a saída dela. Aqueles que optavam pelo afastamento também não viram muitos benefícios na sua saída - porque o recall hoje de noticias sobre política e economia é muito negativo", afirma ela, citando pesquisas de opinião que pedem ao entrevistado que cite notícias recentes sobre o país.
"Tanto o grupo pró como o contra o impeachment tendem a achar que a participação eleitoral é pouco eficaz. O primeiro grupo se sente lesado e roubado. O segundo imaginava que sua participação melhoraria a questão da corrupção e a economia, e isso também não aconteceu. Aumentou o desinteresse pela política dos dois lados, a sensação de ineficácia da participação."
Economia com papel limitado
Embora o contexto econômico influencie a eleição nos municípios - em 2008, por exemplo, a alta taxa de reeleição dos prefeitos foi associada à bonança econômica do período -, Telles avalia que esse papel foi secundário neste ano, a despeito da recessão atual.
"Indicadores macroeconômicos como inflação e desemprego são importantes, mas pesam mais em eleições presidenciais. Eleitores tendem a avaliar mais o desempenho do prefeito do que condições econômicas", diz a professora.
A pesquisadora cita como exemplo a campanha em São Paulo, que teve como um de seus principais temas a redução de velocidade nas vias da cidade.
"O argumento da crise econômica impacta menos porque o eleitor, em alguma medida, sabe separar o que é possibilidade de atuação do prefeito e do presidente. E tende a culpar mais o presidente por problemas na economia."
Nova legislação eleitoral
A eleição de 2016 é o primeiro teste para uma série de mudanças recentes na lei eleitoral. As principais são que empresas estão proibidas de doar e o tempo de campanha foi reduzido de 90 dias para 46 dias (e a propaganda gratuita em rádio e TV foi de 45 dias para 35 dias).
Para a professora, o encolhimento da campanha e a regulamentação do uso de itens como santinhos e banners políticos acabou aumentando a importância da propaganda gratuita de rádio e TV.
"A reforma eleitoral, ao reduzir a campanha e os materiais que você pode produzir durante a campanha, bem como o dinheiro disponível, fez com que candidatos se voltassem para a TV", afirma.
"E com isso quem ganha mais? Aqueles que já são conhecidos. Tempo de TV é pequeno, tempo de campanha é pequeno, você não pode fazer quase nada. Então o eleitor tem dificuldade de se informar também sobre novos candidatos, e pode recorrer à lembrança dos políticos já conhecidos", completa.
Para a professora, isso também ajuda a explicar a permanência de nomes conhecidos da política entre aqueles com mais chances de vitória na maior parte das capitais, por exemplo.
"A reforma eleitoral, por incrível que pareça, estimula os partidos a se coligarem para terem maior tempo de TV. O dinheiro sumiu das campanhas, e quem perde sem coligações são pequenos partidos, sobretudo os de esquerda. A Luiza Erundina (PSOL, São Paulo) desidratou nas pesquisas depois que começou o horário eleitoral, a Luciana Genro (PSOL) em Porto Alegre também. A TV é muito mais importante nesse cenário."
Telles lembra ainda que o eleitor leva em consideração variáveis diferentes a depender do tamanho do município. Quando as cidades são menores, ele usa muito a memória eleitoral, em quem já votou. Já nos municípios maiores, tempo de TV e dinheiro contam mais, afirma.
Mas em geral, afirma a professora, as eleições de 2016 não deverão marcar um realinhamento do sistema político.
"Nada vai mudar muito, não será uma eleição de realinhamento, talvez uma eleição desviante. Algumas organizações partidárias que não ocupavam o poder podem passar a ocupá-lo, como o PSDB em Belo Horizonte. Não serão eleições de um novo realinhamento do sistema partidário, o que significaria mudanças muito grandes e novas clivagens surgindo."