O Senado rejeitou nesta terça-feira as medidas cautelares --afastamento do mandato e recolhimento noturno-- impostas ao senador Aécio Neves (PSDB-MG), contrariando decisão anterior do Supremo Tribunal Federal (STF).
Por 44 votos a 26, senadores optaram por rejeitar a decisão do Judiciário, em um momento em que a crise institucional é constantemente ventilada. O equilíbrio entre os Poderes e o respeito ao Senado, aliás, serviu de argumento para muitos dos que votaram a favor do tucano.
Esse foi o caso do líder do governo na Casa, senador Romero Jucá (PMDB-RR), último a discursar da tribuna antes da votação. O senador argumentou que a votação das cautelares no plenário seguia à risca a Constituição.
"A Constituição diz que nós devemos e podemos, sim, reformar a decisão do Supremo", disse o líder do governo.
"E por que temos o direito de fazer isso? Por privilégio? Não! Nós temos o direito de fazer isso por dever e defesa da democracia, porque ao fazer isso estaremos defendendo o mandato inviolável. Sem mandato inviolável não há democracia que se sustente", defendeu.
Já para o senador Humberto Costa (PT-PE), líder da minoria na Casa, a questão constitucional já foi resolvida no momento em que o STF entendeu que o Senado teria que se pronunciar sobre as cautelares. O senador aproveitou para criticar colegas que decidiram não cassar o mandato de Aécio quando ele respondeu processo no Conselho de Ética da Casa.
"E foi por isso, por esse espaço aberto, que o Supremo Tribunal Federal usou do seu ativismo para fazer o que o Senado não fez", disse o senador petista.
"Não está em julgamento a conduta desse parlamentar que incentivou o ódio na sociedade brasileira durante todo esse período... o que estamos discutindo agora é uma questão de conduta concreta", disse, referindo-se as acusações que levaram a suprema corte a decidir pelas cautelares.
Aécio foi suspenso de suas funções legislativas e submetido a recolhimento noturno pela Primeira Turma do STF em setembro após ter sido denunciado pela Procuradoria-Geral da República por corrupção passiva e obstrução de Justiça, com base nas delações premiadas de executivos da J&F, holding que controla a JBS.
O senador foi gravado pelo empresário Joesley Batista, um dos donos da JBS, em um diálogo em que pede 2 milhões de reais para pagar advogados que atuam em sua defesa em inquéritos na operação Lava Jato. Posteriormente, um primo de Aécio foi filmado em uma ação controlada da Polícia Federal recebendo dinheiro de uma pessoa indicada por Joesley.
O senador tucano afirmou que os recursos eram um empréstimo feito pelo empresário ao parlamentar que seria posteriormente regularizado. Aécio afirmou ter sido alvo de uma armação montada por Joesley, que buscava benefícios em um acordo de delação premiada firmado com a Procuradoria-Geral da República (PGR).
Na semana passada, o plenário do STF alterou o entendimento da Primeira Turma da Corte e determinou que caberia ao Senado a palavra final sobre manter ou derrubar o afastamento imposto ao senador, com o recolhimento noturno.
O senador já havia sido afastado inicialmente de suas funções no dia 18 de maio, por decisão do ministro do Supremo Edson Fachin, mas no mês seguinte o ministro Marco Aurélio Mello determinou seu retorno ao Senado, decisão que foi revogada em setembro pela Primeira Turma.
Em carta dirigida a colegas, o senador afirma que mais do que sua questão individual, estavam em jogo "a garantia do livre e pleno exercício de mandatos eletivos" e "a não prevalência de um Poder sobre o outro".
Em nota divulgada por sua assessoria após a votação, Aécio afirmou que a "decisão restabeleceu princípios essenciais de um Estado democrático, garantindo tanto a plenitude da representação popular, como o devido processo legal, assegurando ao senador a oportunidade de apresentar sua defesa e comprovar cabalmente na Justiça sua inocência em relação às falsas acusações das quais foi alvo".
Na manhã desta terça-feira o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), acatou pedido de liminar em mandado de segurança apresentado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e determinou que a votação desta terça fosse realizada de forma aberta e nominal. Parlamentares chegaram a aventar uma votação secreta para o caso, o que poderia favorecer o senador.
EMERGÊNCIA MÉDICA
Pouco antes do início da sessão do plenário, o presidente da Casa, Eunício Oliveira (PMDB-CE), afirmou que a votação seria aberta e que o resultado seria definido por ao menos 41 senadores, seja para manter, seja para rejeitar a decisão da suprema corte.
Havia um temor que o quórum de 41 votos para um lado ou para outro não fosse alcançado, razão pela qual em uma cena inédita, senadores com problemas médicos esforçaram-se para comparecer ao plenário.
Esse foi o caso de Ronaldo Caiado (DEM-GO), que, de licença médica por 15 dias após ser derrubado por uma mula e fraturar o ombro, chegou ao plenário no fim da tarde em uma cadeira de rodas. O senador votou pela manutenção das medidas impostas a Aécio.
Já o líder do PSDB, Paulo Bauer (SC), último a votar, deixou o hospital onde se encontrava com indicação, segundo boletim médico, de permanecer internado para observação, para votar. No início da tarde o senador, que já passou por cirurgia de revascularização, sentiu dor no peito inicialmente diagnosticada como uma crise de hipertensão. O líder tucano votou pela rejeição das cautelares contra Aécio.
Jucá também participou da votação, depois de "ter arrancada metade das tripas", nas palavras do correligionário Renan Calheiros (PMDB-AL). No início do mês, o senador foi diagnosticado com diverticulite.