Familiares de Marielle Franco e Anderson Gomes protestaram em frente ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro durante o início do julgamento dos réus confessos do assassinato, e desabafaram sobre como a violência é banalizada no Brasil.
Familiares de Marielle Franco e de Anderson Gomes protestaram em frente ao Tribunal de Justiça do Rio Janeiro, na manhã desta quarta-feira, 30, dia em que começa o julgamento dos réus confessos e ex-policiais militares Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz.
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Grupos de dezenas de pessoas, incluindo ativistas dos direitos humanos, se reuniram nas primeiras horas da manhã para acompanhar o julgamento.
"Quando eu cheguei agora, lembrei da minha mãe falando que parecia que a gente estava chegando de novo no velório. São quase sete anos de muita dor, de um vazio, de uma mulher que lutava exatamente contra isso e que foi assassinada da maneira que foi", desabafou a irmã de Marielle e ministra da Igualdade Racial do Brasil, Anielle Franco.
"Depois perguntaram qual era o maior legado da Marielle. E acho que o maior legado dela é isso aqui. São as pessoas que têm lutado lado a lado conosco. (...) Hoje, o simbolismo da palavra justiça vai muito além do que vai acontecer (no julgamento)", seguiu a ministra. "Não é somente pela Mari e pelo Anderson, mas por todos que virão, pelas minhas filhas, pelas minhas netas, todas as gerações que estão aí, para que a gente tenha um lugar mais seguro", concluiu.
Flha de Marielle, Luyara Franco agradeceu o apoio e a "coragem de movimentos que não largaram nossas mãos desde o dia 14 de março (de 2018)", quando os assassinatos da vereadora e seu motorista aconteceram. "A gente não pode normalizar que nenhuma vida seja ceifada da forma que tiraram eles da gente. Os movimentos que estão aqui hoje também é por essa esperança para outras vítimas desse estado que banaliza a violência".
Ligia Batista, diretora-executiva do Instituto Marielle Franco, organização sem fins lucrativos, criada pela família da vereadora, afirmou que o julgamento é "o momento em que o Brasil encontra uma chance histórica de começar a fazer justiça por Marielle e Anderson".
"Também significa lutar para que defensores e defensoras de direitos humanos continuem atuando de maneira segura, continuem caminhando para transformar a nossa sociedade como Marielle fez um dia. Lutar por justiça por Marielle Franco e Anderson Gomes é acreditar na importância de que a democracia seguirá viva", declarou.
Os pais de Marielle também estiveram presentes. Para Antônio Francisco da Silva Neto, esta quarta-feira significa "a possibilidade de mudarmos a cara da Justiça no Rio de Janeiro e no Brasil. (...) Eles (Lessa e Queiroz) não são Deus. Eles não podem tirar a vida de nenhum ser humano e ficar impune".
"A Marielle sempre acolheu principalmente as mães que estão aqui conosco. Marielle sempre caminhou com elas. E elas, depois de 2018, caminharam conosco, nos deram muita força, assim como toda a sociedade", agradeceu.
Marinete da Silva, mãe da vereadora, considera um dia histórico para ela, "enquanto mãe, para a família, para vocês que nos acompanham". "Acho que depois de tanto tempo, eu estou vivendo hoje como se fosse o dia que tiraram minha filha de mim", começou.
Questionada sobre o que achou sobre os réus participarem do julgamento por videoconferência, Marinete disse acreditar que a escolha foi "sensata". "Não dá para correr o risco de que dois assassinos, dois criminosos que ganharam a vida matando pessoas circulassem no Rio de Janeiro. Isso é cercear o direito de vir das pessoas num momento desse", concluiu.
Viúva de Anderson Gomes, motorista também foi assassinado em 2018, Agatha Arnaus afirmou que a dor que sentiu quando soube da morte do marido "não terminou".
"Não vai passar com a condenação, sempre vai ter esse espaço. Mas hoje eu espero que eles paguem pelo que eles fizeram com a gente. Eu espero que a condenação deles seja exemplar, que seja a altura do que eles fizeram. A gente ainda tem muita coisa para fazer, para caminhar, e tem ainda os mandantes", disse, em referência aos irmãos Domingos e Chiquinho Brazão, apontados como mandantes do crime em delação premiada de Lessa.
Ambos estão presos desde março deste ano e devem ser julgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), uma vez que Chiquinho é deputado federal e tem foro privilegiado.
Diretora executiva da Anistia Internacional Brasil, Jurema Werneck lembrou como Marielle era "uma ativista aguerrida" e considerou o assassinato como "um crime gravíssimo, que é parte da história do Brasil".
"O Brasil é o segundo país do mundo que mais mata a gente que luta. O Brasil é o segundo país de alta estagem de homicídio e que trabalhadores têm sua vida enceifada no caminho do trabalho. Aconteceu com Anderson Gomes. A data de hoje é uma chance que o Brasil tem de virar a página, de começar a aprender a fazer justiça. O holofote está sob o sistema de justiça hoje", declarou.
A ativista Claudia Alexandre discursou na frente do Tribunal de Justiça. Emocionada, disse que o estado mata "friamente" e "com crueldade" e "não se responsabiliza".
"Nós todas que somos mães precisamos fazer esse estado pagar", começou. "Eu sou mãe, vítima da dor, por esse estado desgraçado e omisso. Eu já estou morta. Me matar eles já não conseguem me matar mais. Eu já sou uma mulher morta, com o coração frio porque é isso que eles fazem com a gente. Eles são frios e nós temos que ser frios com eles também", finalizou.
Julgamento
Com início às 9h, o julgamento de Lessa e Queiroz será realizado no 4º Tribunal do Júri do Rio de Janeiro, no Centro da capital fluminense.
Os réus estão presos desde 2019 e irão a júri popular. Eles participarão por videoconferência: Lessa, do Complexo Penitenciário de Tremembé, em São Paulo, e Queiroz, do Complexo da Papuda, em Brasília. Testemunhas também poderão participar de forma on-line. O julgamento terá transmissão ao vivo pelo canal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro no YouTube.