'Sete anos de muita dor', desabafam familiares de Marielle Franco e Anderson Gomes durante julgamento no RJ

Réus confessos Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz são julgados nesta quarta-feira

30 out 2024 - 09h52
(atualizado às 10h57)
Resumo
Familiares de Marielle Franco e Anderson Gomes protestaram em frente ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro durante o início do julgamento dos réus confessos do assassinato, e desabafaram sobre como a violência é banalizada no Brasil.
Ativistas protestaram antes de julgamento de réus acusados de matar Marielle Franco e Anderson Gomes
Ativistas protestaram antes de julgamento de réus acusados de matar Marielle Franco e Anderson Gomes
Foto: Catarina Carvalho/Terra

Familiares de Marielle Franco e de Anderson Gomes protestaram em frente ao Tribunal de Justiça do Rio Janeiro, na manhã desta quarta-feira, 30, dia em que começa o julgamento dos réus confessos e ex-policiais militares Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz. 

Grupos de dezenas de pessoas, incluindo ativistas dos direitos humanos, se reuniram nas primeiras horas da manhã para acompanhar o julgamento. 

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"Quando eu cheguei agora, lembrei da minha mãe falando que parecia que a gente estava chegando de novo no velório. São quase sete anos de muita dor, de um vazio, de uma mulher que lutava exatamente contra isso e que foi assassinada da maneira que foi", desabafou a irmã de Marielle e ministra da Igualdade Racial do Brasil, Anielle Franco. 

"Depois perguntaram qual era o maior legado da Marielle. E acho que o maior legado dela é isso aqui. São as pessoas que têm lutado lado a lado conosco. (...) Hoje, o simbolismo da palavra justiça vai muito além do que vai acontecer (no julgamento)", seguiu a ministra. "Não é somente pela Mari e pelo Anderson, mas por todos que virão, pelas minhas filhas, pelas minhas netas, todas as gerações que estão aí, para que a gente tenha um lugar mais seguro", concluiu.

Ligia Batista, Agatha Arnaus, Anielle Franco, Marinete da Silva, Antônio Francisco da Silva Neto, Luyara Franco, antes de julgamento de réus acusados de matar Marielle Franco e Anderson Gomes
Foto: Catarina Carvalho/Terra

Flha de Marielle, Luyara Franco agradeceu o apoio e a "coragem de movimentos que não largaram nossas mãos desde o dia 14 de março (de 2018)", quando os assassinatos da vereadora e seu motorista aconteceram. "A gente não pode normalizar que nenhuma vida seja ceifada da forma que tiraram eles da gente. Os movimentos que estão aqui hoje também é por essa esperança para outras vítimas desse estado que banaliza a violência".

Ligia Batista, diretora-executiva do Instituto Marielle Franco, organização sem fins lucrativos, criada pela família da vereadora, afirmou que o julgamento é "o momento em que o Brasil encontra uma chance histórica de começar a fazer justiça por Marielle e Anderson". 

"Também significa lutar para que defensores e defensoras de direitos humanos continuem atuando de maneira segura, continuem caminhando para transformar a nossa sociedade como Marielle fez um dia. Lutar por justiça por Marielle Franco e Anderson Gomes é acreditar na importância de que a democracia seguirá viva", declarou.

A vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes, assassinados há seis anos, serão lembrados na Câmara dos Deputados.
Foto: Divulgação/CMRJ / Estadão

Os pais de Marielle também estiveram presentes. Para Antônio Francisco da Silva Neto, esta quarta-feira significa "a possibilidade de mudarmos a cara da Justiça no Rio de Janeiro e no Brasil. (...) Eles (Lessa e Queiroz) não são Deus. Eles não podem tirar a vida de nenhum ser humano e ficar impune". 

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"A Marielle sempre acolheu principalmente as mães que estão aqui conosco. Marielle sempre caminhou com elas. E elas, depois de 2018, caminharam conosco, nos deram muita força, assim como toda a sociedade", agradeceu. 

Protestos ocorreram também em frente à estátua da vereadora Marielle Franco, no RJ
Foto: Catarina Carvalho/Terra

Marinete da Silva, mãe da vereadora, considera um dia histórico para ela, "enquanto mãe, para a família, para vocês que nos acompanham". "Acho que depois de tanto tempo, eu estou vivendo hoje como se fosse o dia que tiraram minha filha de mim", começou. 

Questionada sobre o que achou sobre os réus participarem do julgamento por videoconferência, Marinete disse acreditar que a escolha foi "sensata". "Não dá para correr o risco de que dois assassinos, dois criminosos que ganharam a vida matando pessoas circulassem no Rio de Janeiro. Isso é cercear o direito de vir das pessoas num momento desse", concluiu.

Ronnie Lessa (esquerda), autor dos disparos contra Marielle, e Élcio Queiroz (direita), motorista durante o crime.
Foto: Divulgação/PCERJ / Estadão

Viúva de Anderson Gomes, motorista também foi assassinado em 2018, Agatha Arnaus afirmou que a dor que sentiu quando soube da morte do marido "não terminou". 

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"Não vai passar com a condenação, sempre vai ter esse espaço. Mas hoje eu espero que eles paguem pelo que eles fizeram com a gente. Eu espero que a condenação deles seja exemplar, que seja a altura do que eles fizeram. A gente ainda tem muita coisa para fazer, para caminhar, e tem ainda os mandantes", disse, em referência aos irmãos Domingos e Chiquinho Brazão, apontados como mandantes do crime em delação premiada de Lessa. 

Ambos estão presos desde março deste ano e devem ser julgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), uma vez que Chiquinho é deputado federal e tem foro privilegiado.

Jurema Werneck, da Anistia Internacional Brasil, antes de julgamento de réus acusados de matar Marielle Franco e Anderson Gomes
Foto: Catarina Carvalho/Terra

Diretora executiva da Anistia Internacional Brasil, Jurema Werneck lembrou como Marielle era "uma ativista aguerrida" e considerou o assassinato como "um crime gravíssimo, que é parte da história do Brasil". 

"O Brasil é o segundo país do mundo que mais mata a gente que luta. O Brasil é o segundo país de alta estagem de homicídio e que trabalhadores têm sua vida enceifada no caminho do trabalho. Aconteceu com Anderson Gomes. A data de hoje é uma chance que o Brasil tem de virar a página, de começar a aprender a fazer justiça. O holofote está sob o sistema de justiça hoje", declarou. 

A ativista Claudia Alexandre discursou na frente do Tribunal de Justiça. Emocionada, disse que o estado mata "friamente" e "com crueldade" e "não se responsabiliza". 

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"Nós todas que somos mães precisamos fazer esse estado pagar", começou. "Eu sou mãe, vítima da dor, por esse estado desgraçado e omisso. Eu já estou morta. Me matar eles já não conseguem me matar mais. Eu já sou uma mulher morta, com o coração frio porque é isso que eles fazem com a gente. Eles são frios e nós temos que ser frios com eles também", finalizou. 

Domingos Brazão (esquerda) e Chiquinho Brazão (direita) acusados de mandar matar Marielle Franco
Foto: Marcos Arcoverde/Estadão; Mario Agra / Câmara dos Deputados / Estadão

Julgamento

Com início às 9h, o julgamento de Lessa e Queiroz será realizado no 4º Tribunal do Júri do Rio de Janeiro, no Centro da capital fluminense. 

Os réus estão presos desde 2019 e irão a júri popular. Eles participarão por videoconferência: Lessa, do Complexo Penitenciário de Tremembé, em São Paulo, e Queiroz, do Complexo da Papuda, em Brasília. Testemunhas também poderão participar de forma on-line. O julgamento terá transmissão ao vivo pelo canal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro no YouTube.

Fonte: Redação Terra
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