O ex-governador do Rio de Janeiro Sergio Cabral será transferido nos próximos dias à Penitenciária Federal de Campo Grande (MS), por solicitação do Ministério Público Federal (MPF), após uma troca de farpas em audiência com o juiz Marcelo Bretas, responsável pelos julgamentos da operação Lava Jato no Rio.
Foi um dos casos recentes em que acusados na Lava Jato apostaram em iniciativas malsucedidas perante a Justiça ou as investigações.
Na audiência, na última segunda-feira, Cabral - que nega as acusações de ter chefiado um esquema milionário de corrupção no governo do Rio - rebatia a denúncia de que teria comprado joias para sua mulher com dinheiro de propina.
Argumentando que joias seriam um modo inusual de lavar dinheiro, ele disse a Bretas que "vossa Excelência tem um relativo conhecimento sobre o assunto e sua família mexe com bijuterias, se não me engano é a maior empresa de bijuterias do Estado. (...) São as informações que me chegaram".
Cabral também acusou Bretas de usar o caso "para gerar uma projeção pessoal, me fazendo um calvário, claramente".
A fala foi enxergada por críticos como uma tentativa de intimidação de Bretas.
"(A declaração de Cabral) pode ser entendida de alguma forma como ameaça", declarou o juiz. O ex-governador negou em seguida: "Ameaça? Eu estou preso".
Em seu pedido pela transferência de Cabral, o MPF afirmou que as declarações do ex-governador tentavam "constranger a autoridade judiciária federal" e demonstraram que na cadeia "ele recebe informações inclusive da família desse magistrado, o que denota que a prisão no Rio não tem sido suficiente para afastar o réu de situações que possam impactar nesse processo".
A defesa de Cabral negou qualquer tentativa de intimidação e afirmou que a fala do ex-governador foi um "desabafo".
A seguir, veja outros seis casos em que aparentes estratégias de personagens ligados a Lava Jato deram errado:
Delação da JBS
Um dos maiores acordos de delação premiada da Lava Jato havia dado imunidade aos irmãos Joesley e Wesley Batista, livrando-os de punição por crimes de corrupção em troca de provas contra políticos.
E disso saíram áudios bombásticos, como as gravações envolvendo o presidente Michel Temer e o senador tucano Aécio Neves.
No entanto, a imunidade dos irmãos Batista ficou a perigo depois que vieram à tona os áudios de Joesley conversando com o lobista da JBS Ricardo Saud.
As conversas geraram a suspeita de omissão de crimes por parte dos ex-executivos da empresa - o que contrariaria as normas do acordo de delação premiada - e de supostos elos com o ex-procurador da República Marcello Miller, que chegou a atuar tanto nas investigações da Lava Jato quanto no escritório de advocacia que defendeu a JBS.
Como resultado, Joesley e Saud acabaram presos, e Wesley foi detido depois por suspeitas de crime contra o sistema financeiro, em meio às investigações de compra e venda de ações e atuação no mercado de dólar após a delação da JBS ter causado uma turbulência no mundo das finanças - os empresários são acusados de se aproveitar das informações privilegiadas que tinham sobre a eclosão do escândalo para ganhar dinheiro.
Geddel Vieira Lima
O ex-ministro chegou a ser preso preventivamente em julho, acusado de tentar atrapalhar as investigações da operação Cui Bono, em que a Polícia Federal apura supostas fraudes em créditos da Caixa Econômica Federal (CEF).
Segundo o MPF, Geddel, que havia sido vice-presidente da CEF entre 2011 e 2013, teria agido para impedir o ex-deputado Eduardo Cunha e o doleiro Lucio Funaro (ambos presos) de acordar delações premiadas, oferecendo-lhes supostas vantagens indevidas. As investigações apontam várias ligações dele para a mulher de Funaro.
A defesa de Geddel afirmou que a prisão foi "desnecessária", negando as acusações. Depois de alguns dias preso, ele passou para prisão domiciliar.
Em depoimento à Justiça, chegou a chorar ao falar de sua família e da prisão.
"Farei 20 anos de casado, (com) três filhos, uma menina de 18 anos, uma menina de 14 e meu menino de 7. Evidentemente minha esposa não tem trabalho e todos precisam de mim para seu sustento financeiro e emocional", disse, com olhos marejados.
Geddel acabou sendo preso novamente na operação, após a PF ter descoberto um apartamento com R$ 51 milhões em dinheiro vivo em Salvador, vinculado ao ex-ministro.
Marcelo Odebrecht
Um bilhete escrito por Marcelo Odebrecht na prisão em 2015 foi interceptado pela PF, com os dizeres "destruir e-mail sondas".
O bilhete, que tinha como destino final os advogados do ex-executivo da Odebrecht, foi então considerado pelo juiz Sergio Moro como uma tentativa de destruição de provas da participação da empreiteira na formação de cartel para fraudar contratos com a Petrobras.
Seria uma referência a sobrepreços em um contrato de sondas com a estatal.
A defesa de Odebrecht negou, dizendo na época que o bilhete fora "maliciosamente" interpretado como prova de crime e que "não continha o mais remoto comando para que as provas fossem destruídas e que - à toda evidência - a palavra fora empregada no sentido de desconstruir, rebater a interpretação equivocada feita sobre o conteúdo do e-mail".
O empresário, que depois fechou acordo de delação premiada, segue detido.
Delcídio do Amaral
Foi a primeira vez que um senador cumprindo mandato foi preso em flagrante: Delcídio do Amaral, então líder do governo de Dilma Rousseff no Senado, foi detido por ordem do Supremo Tribunal Federal acusado de tentar obstruir as investigações da Lava Jato.
A prisão foi baseada em uma gravação em que Delcídio oferecia ajuda financeira a familiares do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, em uma tentativa de impedi-lo de fazer um acordo de delação premiada com a Justiça.
Delcídio acabou tendo seu mandato cassado no ano seguinte e acabou, ele mesmo, se tornando um delator do esquema de corrupção na Petrobras.
Eduardo Cunha
Ainda como presidente afastado da Câmara de Deputados, em 2016, Cunha foi acusado por adversários de tentar retardar o processo contra ele no Conselho de Ética da Casa e nas investigações da Lava Jato.
O então presidente do Conselho, deputado José Carlos Araújo, chegou a entregar ao então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, uma lista do que chamou de "manobras" de Cunha para atrasar o andamento do pedido para que ele perdesse o cargo - que acabou sendo o processo mais longo da história da Câmara.
Cunha, porém, acabou tendo o mandato cassado em setembro de 2016, perdendo o foro privilegiado. Preso pouco tempo depois, em março deste ano, foi condenado pelo juiz Sergio Moro a 15 anos e quatro meses de prisão por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas.
Tentativas suas de fechar um acordo de delação premiada, segundo a imprensa, acabaram frustradas.
Eike Batista
Em 2016, um depoimento espontâneo dado pelo empresário Eike Batista à força-tarefa da Lava Jato - em que fazia acusações ao ex-ministro da Fazenda Guido Mantega - foi interpretado como uma tentativa de fechar um acordo de delação e obter imunidade nas investigações.
No entanto, isso não ocorreu, e Eike acabou preso, em janeiro deste ano, acusado de pagamentos de propina ao governo de Sergio Cabral no Rio. Em abril, foi colocado em prisão domiciliar.
Relatos na imprensa dão conta de que Eike ainda tenta negociar um acordo de delação premiada, o que não é confirmado por sua defesa.