A indiferença, rejeição - e até ira, no pior dos casos - que marcam a atitude dos brasileiros em relação aos Jogos Olímpicos ajudaram a "manchar" o espírito olímpico no Rio de Janeiro, segundo reportagens que circulam na imprensa internacional.
Essa atitude, somada à crise econômica e política que o Brasil atravessa, a finalização das obras e o corte de gastos na última hora, o escândalo do doping russo e a perda de credibilidade das autoridades esportivas internacionais também contribuem para esfriar o entusiasmo com o evento, afirmam as reportagens.
Às vésperas da abertura oficial dos Jogos, nesta sexta-feira, o diário britânico The Guardian afirma que, em meio a tantos problemas, "o espírito olímpico dos atletas é a única esperança de redimir os Jogos manchados".
Mas apesar de todos esses problemas, os Jogos ainda "mantêm sua magia", diz o repórter Owen Gibson. Uma vez abertos os Jogos, escreve o correspondente, "a atenção vai se voltar para os locais de competição em linha com os planos ambiciosos traçados no calor do otimismo em 2009".
Virão para o primeiro plano as histórias de superação dos protagonistas olímpicos, afirma a reportagem. "O mundo ainda assim vai sintonizar no Rio para ser maravilhado e desejar que o Rio dê certo", escreve Gibson.
"Para o bem ou para o mal, o sucesso dos Jogos, que com certeza ficarão lindos inseridos na beleza das praias e montanhas do Rio - cenário ideal para as câmeras de televisão -, agora está na mão deles (os atletas)."
'Mau cheiro'
Porém, nem todos os artigos da imprensa estrangeira conduzem os seus leitores a conclusões otimistas sobre os Jogos.
O tabloide Daily Mail, um dos mais lidos da Grã-Bretanha, destaca uma coluna intitulada "Drogas, ganância, doenças e por que tudo cheira mal nessas Olimpíadas (não só as águas tóxicas)".
A reportagem destaca as preocupações financeiras, ecológicas, com segurança e saúde que envolvem o Rio e conclui: "Os atletas que decidiram vir podem estar competindo sob os braços abertos do Cristo Redentor, mas é difícil achar qualquer coisa de redenção nestes Jogos", diz a jornalista Katie Hopkins.
O americano New York Times pergunta: "Como os brasileiros se sentem em relação ao seu grande momento olímpico?"
A reportagem passa a listar primeiro a "indiferença", depois a "ansiedade" e finalmente a "ira" - esta última ilustrada pela tentativa de apedrejamento da tocha olímpica - vistos nos últimos dias.
Fiascos marcaram a preparação que antecedeu a abertura dos Jogos, diz a reportagem. E hoje, o show olímpico "compete tanto com a forte recessão quando com outro espetáculo público brasileiro: caos político".
Receita para decepção
Outras reportagens destacam o quanto o custo final dos Jogos - contrastando com a situação de dificuldades financeiras em que se encontra o país e o Rio em especial - explicam a amargura com o evento.
O site da revista americana Mother Jones diz que a cerimônia de abertura deve visar a criar uma atmosfera cool, mas isto é cada vez mais difícil para qualquer cidade-sede. Por causa do seu alto custo, as Olimpíadas viraram receita para decepção, sugere o texto.
"Todos as Olimpíadas desde os Jogos de Inverno de Grenoble, na França, em 1968, superaram o orçamento inicial, de acordo com um estudo da Oxford Said Business School. Há muito ofuscada pela instabilidade econômica, política e social do Brasil, a Rio 2016 está a ponto de fazer o mesmo."
Já o site acadêmico Foreign Policy adota uma abordagem mais histórica e condescendente - embora um pouco irônica. Diz que as Olimpíadas desde a Grécia Antiga em muitos casos se dão em casos de instabilidade.
A "trégua olímpica" era a solução adotada pelos antigos para fazer valer a paz - nem sempre de forma bem-sucedida - durante as competições, diz o pesquisador David Clay Large.
"Os bichos-papões do Rio parecem ser, no contexto olímpico, sem precedentes, e o que talvez assuste é que revolvem ao redor de poluição e doenças infecciosas", afirma o texto. "Mas não há nada de novo nisso."
"O Rio pode ter águas poluídas, mas a antiga Olímpia frequentemente sequer tinha água corrente durante os meses de verão, quando os jogos eram sinônimo de suor."