Esta reportagem faz parte de uma série de entrevistas feitas pela BBC Brasil com três dos candidatos mais bem colocados nas pesquisas para a Prefeitura de São Paulo. Foram entrevistados João Doria (PSDB), Fernando Haddad (PT) e Luiza Erundina (PSOL). Convidados, Celso Russomanno (PRB) e Marta Suplicy (PMDB) negaram os pedidos de entrevista. Major Olímpio (SDD) teve problemas de agenda.
A candidata à Prefeitura de São Paulo pelo PSOL, Luiza Erundina, de 82 anos, é aplaudida ao pisar no saguão do prédio da Faculdade de História da USP. Mas nenhum dos cerca de 400 jovens é tão efusivo como a vendedora de artesanato Yara Maria dos Santos, de 60 anos.
Aos prantos, ela corre para abraçar a candidata e a presenteia com um cachecol vermelho. "Estou muito emocionada porque trabalho aqui há 30 anos e hoje tenho a oportunidade de ver a Erundina no mesmo lugar onde, há 30 anos, ela derrubou Jânio Quadros. Vou votar nela porque tem coerência", disse Santos.
Mas, a cerca de dez metros de sua barraca, o segurança Thiago Damasio, de 32 anos, pensava o oposto. "Muito fraquinha essa Erundina, né? Estou ouvindo ela falar que vai ter ônibus de graça, mas de onde vai tirar esse dinheiro? Eu voto em Osasco (Grande SP), mas se fosse aqui meu candidato seria o (João) Doria", disse, enquanto enviava mensagens pelo celular.
Com 5% das intenções de voto, Luiza Erundina foi a quinta colocada na última pesquisa do instituto Datafolha em São Paulo. Em primeiro está o candidato João Doria (PSDB) com 25%, seguido por Celso Russomanno, do PRB (23%), Marta Suplicy, do PMDB (22%) e o atual prefeito, Fernando Haddad, do PT (10%).
Rotina
"Está muito frio aqui, não?", pergunta Erundina enquanto abotoa o último botão de seu casaco antes do início de sua entrevista à BBC Brasil.
Erundina puxa uma das cadeiras dobráveis de ferro da sala de reuniões de seu escritório no bairro da Saúde, na zona sul, a três quarteirões de sua casa. A deputada federal conta que suas últimas semanas foram intensas, já que acumula o mandato parlamentar em Brasília com a reta final da campanha eleitoral.
Mesmo nesse vaivém ela consegue espaço para se divertir. "Eu durmo meia-noite e acordo às 6h. Quando dá, eu faço um exerciciozinho no prédio. Eu vou ao parque Ibirapuera, ao cinema e, raramente, ao teatro. Também vou à livraria Cultura namorar livros porque não dá para comprar todos, né?", diz sorrindo.
Sair à noite para jantar? Só em datas especiais. Normalmente, ela faz um lanche ou passa a mão no telefone e pede uma pizza em uma tradicional pizzaria paulistana.
Idade
Erundina se incomoda quando falam de sua idade, mas rebate as críticas.
"É um atraso alguém levar isso em conta para avaliar alguém. Fui vítima de preconceito por ser mulher, por ser nordestina, ser de esquerda, por ser do PT, por ser pobre e agora tenho mais um motivo: eu sou velha. Costumo dizer que só faltava eu ser negra. E gostaria de ser negra. Assim teria mais um motivo para fazer a luta ideológica", afirma.
Ela rejeita as críticas sobre se candidatar com mais de 80 anos.
"Não vamos retroceder à década de 1930, em que uma pessoa com 60 anos era considerada idosa. Vocês que são jovens precisam se insurgir contra essas teses porque elas são muito atrasadas e conservadoras. Seja o (Michel) Temer (presidente aos 75 anos) ou seja quem for: por favor, pergunte se a pessoa está sadia, se tem vitalidade e tem ideias corretas e inovadoras."
Michel Temer
Além de atuar na campanha e em Brasília, Erundina tem participado de uma série de protestos contra o presidente Michel Temer (PMDB).
Mas em 2004 Temer foi vice de Erundina quando ela se candidatou à prefeitura pelo PSB. Segundo ela, isso ocorreu porque o partido fez uma aliança com o PMDB e Temer, que era cabeça da chapa, abriu mão de sua candidatura para ser vice.
"Na época não achei inconveniente porque o Temer não era o golpista que é hoje. Durante a campanha a gente se aproximou, mas não que eu frequentasse a casa dele e ele a minha", conta.
Erundina afirma que respeitava Temer pelo seu conhecimento jurídico e que nos últimos anos ele mostrou quem realmente seria.
"Não é que ele mudou. Ele se revelou. A gente não se torna alguém que trai, que conspira, que frauda como ele fez com o governo do qual ele participou e se reelegeu. Ele articulou e aceitou o golpe para que se tornasse presidente sem voto."
Alianças
A candidata do PSOL tem apenas dez segundos para se apresentar no horário político eleitoral e não fez doações pessoais para sua campanha. A ausência de alianças dificulta ainda mais a busca de votos.
Mas isso não preocupa Erundina, que promete ir pessoalmente negociar com vereadores para conseguir maioria na Câmara caso seja eleita.
"O PSOL não faz aliança com qualquer um a partir de um cálculo eleitoral. Mas quando o PT também era assim quanfo fui eleita pelo partido (em 1988). Só fizemos aliança na época com o PCB e com o PC do B. Isso trouxe problemas na Câmara, mas a gente preferiu conseguir governabilidade por alianças com a própria sociedade, com os movimentos sociais que garantiram a vitória. E hoje não vai ser diferente", afirmou.
Questionada se vê divisão na esquerda hoje no Brasil, ela afirmou que esse posicionamento político não está claro hoje no país e criticou a tentativa recente de união do PT de Haddad ao PSOL de Erundina.
"É estranho que o PT agora esteja cobrando porque a gente não tira a candidatura para apoiá-los, mas em nenhum momento ele nos procurou. Se era importante na avaliação deles que essas forças caminhassem juntas, poderiam ter procurado há mais tempo. Por que agora no finalzinho da campanha?", questionou.
Para ela, isso "não é correto, constrange a outra força política" e não faz sentido porque "são dois partidos com projetos e compromissos diferentes."
Para Erundina, a esquerda brasileira precisa se reciclar e fazer uma autocrítica. "Não venham me cobrar por não estar havendo unidade nas esquerdas porque primeiro eu quero saber onde estão essas esquerdas e o que elas significam hoje. É preciso um processo de reflexão que as ditas esquerdas não fizeram."
"Hoje todas as subprefeituras estão na mão de vereadores de partidos de A a Z, inclusive o PP de Maluf, que está no governo de Haddad e esteve no governo Dilma. Se é para fazer assim, seria mais uma sigla que se acrescenta a tantas outras que já fazem isso e não motiva a nós nem a juventude", afirmou Erundina.
Propostas
Entre as propostas da candidata do PSOL, a tarifa zero no transporte é uma das mais ousadas. E, mais uma vez, alfineta Fernando Haddad, que aponta que a implementação imediata da medida é inviável.
"Haddad não fez isso porque não tem coragem de bancar essa política. Ele mantém contrato vencido com as empresas desde 2013 e abriu uma licitação de 20 anos podendo renovar por mais 20. Portanto, o Haddad não tem autoridade para falar de transporte e dizer que minhas propostas são inviáveis, porque outras cidades e países já adotam", disse.
Erundina afirma que irá manter a redução da velocidade nas vias paulistanas e que preservará e ampliará a malha de ciclovias. Também promete zerar o déficit de creches e destinar 30% do Orçamento à educação.
Em atividade de campanha na USP, um dia após a entrevista à BBC Brasil, Erundina chegou a ficar vermelha após dizer aos estudantes, aos gritos, que não poderiam apoiar e aceitar "golpistas" no poder.
Pouco depois das 20h, ela desligou a caixa de som, apoiada sobre uma cadeira quebrada em frente a cerca de 400 universitários sentados, e foi embora da mesma maneira que chegou: de metrô.